23 Janeiro 2015
“É impressionante que, ao longo dos séculos, até o presente, os jesuítas foram criticados — e, por vezes, temidos e odiados — pelas mesmas razões”, argumenta o pesquisador.
Alvo de amor e ódio, dentro e fora da Igreja, a história jesuítica ultrapassa os 450 anos, cujo primeiro capítulo foi escrito por Inácio de Loyola e o mais atual pelo Papa Francisco, o primeiro integrante da ordem eleito Bispo de Roma.
“Os jesuítas atraem críticas desde seus primeiros anos. Naqueles anos, eram principalmente por dois motivos: em primeiro lugar, ao contrário das ordens mais antigas, eles estavam centralizados em Roma, e os membros de suas comunidades podiam vir de várias nações. Isso fez com que parecessem estrangeiros — de fato, estrangeiros indesejáveis”, explica o professor doutor, pesquisador e teólogo John W. O’Malley, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.
“Eles não aparentavam ser ‘verdadeiros’ membros de uma ordem religiosa. Eles não usavam um hábito distintivo; eles mantinham seus nomes de família; e, mais importante, eles não recitavam ou cantavam o Ofício Divino em coro, que até o século XVI era considerado quase como a definição da vida religiosa”, complementa.
Autor de diversas obras, O’Malley lançou em novembro de 2014 o livro chamado The Jesuits: A History From Ignatius to the Present [Os jesuítas: uma história de Inácio até o presente] (Pennsylvania: Rowman & Littlefield Publishers, 2014). A obra abrange a história da Companhia de Jesus desde a sua fundação em 1540 até os dias atuais.
“Talvez a mais nova intuição que o livro apresenta é a divisão da história da Companhia em um prelúdio e quatro momentos fundadores”, descreve, sustentando que além da fundação em 1540, houve outros momentos de ressurgimento como a restauração da Companhia em 1814, o Concílio Vaticano II na década de 1960 e, também, a 31ª Congregação Geral.
“O Concílio Vaticano II (1962-1965) foi um evento complexo, mas um de seus aspectos foi a reconciliação com o mundo moderno, uma virada de consciência que afetou profundamente a Companhia de Jesus. Os jesuítas reuniram-se para a 31ª Congregação Geral assim que o Concílio foi concluído, e, uma década depois, seguiu-se a 32ª. Esses dois encontros fizeram para a Companhia o que o Vaticano II fez para a Igreja”, defende.
Considerado um dos historiadores da Igreja mais respeitado e reconhecido dos Estados Unidos, John W. O’Malley é doutor em História pela Universidade de Harvard. Atualmente é professor de Teologia da Georgetown University, de Washington (EUA). É membro da Fundação Guggenheim, da Academia Norte-Americana de Artes e Ciências e da Sociedade Filosófica Norte-Americana. Especialista em Concílios, com especial atenção ao Concílio de Trento e ao Concílio Vaticano II, é autor de The Jesuits: A History From Ignatius to the Present (Pennsylvania: Rowman & Littlefield Publishers, 2014), What happened at Vatican II [O que aconteceu no Vaticano II] (Cambridge, MA: Harvard University Press/Belknap. Press, 2008) e A history of the Popes [Uma história dos Papas] (Lanham, MD: Sheed and Ward, 2006).
John O’Malley participará do Colóquio Internacional IHU “O Concílio Vaticano II: 50 anos depois. A Igreja no contexto das transformações tecnocientíficas e socioculturais da contemporaneidade, promoviido pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, apresentando a conferência de abertura do evento intitulada Concílio Vaticano II: Crise, Resolução, Conclusão, no dia 19 de maio de 2015, às 9 horas, na Unisinos, em São Leopoldo.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como o senhor descreve a Companhia de Jesus? Em que aspectos seus carismas se diferenciam de outras ordens religiosas?
John O’Malley – Eu creio que a melhor maneira de descrever a Companhia é utilizando a expressão que tantas vezes estava nos lábios do próprio Santo Inácio. Em sua correspondência aos jesuítas de todo o mundo, ele os exortava a "ajudar as almas". Por alma ele queria dizer a pessoa como um todo, corpo e espírito. Eu sei que essa descrição é tão genérica que pode ser aplicada a muitas organizações, mas eu acredito que ainda seja o ponto de partida para a compreensão de como os jesuítas se desenvolveram. Ela tem a grande vantagem de classificar radicalmente as antigas descrições padrões dos jesuítas como a "tropa de choque da Contrarreforma".
Cada ordem religiosa tem particularidades que as diferenciam das outras. Em vez de nos concentrarmos nas diferenças entre elas, precisamos, acima de tudo, nos lembrar do que elas têm em comum, que é o mais fundamental. Isso se aplica à Companhia de Jesus, que é uma ordem religiosa aprovada pela Santa Sé para fazer o ministério na Igreja Católica. Como os membros de outras ordens, os jesuítas fazem os três votos tradicionais de pobreza, castidade e obediência. Seus membros geralmente vivem em comunidade. Nesse aspecto, a Companhia de Jesus tem o mesmo carisma de muitas outras ordens.
No entanto, há uma série de características que definem os jesuítas de forma separada dos outros. Neste momento, vou mencionar apenas cinco. Em primeiro lugar, eles têm os Exercícios Espirituais de Santo Inácio como sua herança especial. Embora Inácio tenha composto os Exercícios para as pessoas em todos os estados de vida, ele incorporou a sua utilização no próprio tecido da instituição, prescrevendo que os novatos devem fazê-los em sua totalidade de 30 dias quando entram na Companhia. Nenhuma outra ordem tinha nada parecido com esse livro para levar seus membros a uma devoção mais sincera ao Senhor e a um compromisso com o ministério.
Constituições Jesuítas
A segunda característica são as Constituições Jesuítas, compostas por Inácio e seu brilhante secretário, Juan Alfonso de Polanco. Ao contrário dos documentos correlatos de outras ordens, que foram feitos por portarias e normas individuais, as Constituições Jesuítas têm uma unidade literária, com começo, meio e fim, que orientam o jesuíta desde seus dias como noviço até a profissão perpétua. As Constituições criam normas gerais em vez de prescrições rígidas e estão cheias de "cláusulas de exceção", tais como "de acordo com os tempos, lugares e circunstâncias". Assim, elas combinam firmeza de objetivos com flexibilidade na maneira de executá-las.
Formação intelectual
"Os jesuítas atraem críticas desde seus primeiros anos" |
Em quarto lugar, o compromisso inicial dos jesuítas de manter escolas para estudantes leigos enriqueceu esse compromisso com a aprendizagem, dando-lhes um componente secular que era algo novo para uma ordem religiosa. Embora os jesuítas ensinassem assuntos clericais para outros clérigos, eles, mais caracteristicamente, ensinavam assuntos seculares para estudantes seculares. Os jesuítas tornaram-se poetas, dramaturgos, botânicos, astrônomos, e assim por diante. Eles tinham um pé na Igreja e outro no mundo secular. Em outras palavras, o ministério da educação foi um ministério que afetou o próprio carisma da Companhia.
Ordem missionária
Finalmente, os jesuítas foram fundados como fundamentalmente uma ordem missionária. Eles não foram, é claro, a primeira, mas a esse respeito tiveram várias características especiais. Os jesuítas eram exortados, e mesmo obrigados, a trocar correspondência frequente com seus superiores e uns com os outros. Assim, os missionários realimentavam informações que seus irmãos na Europa utilizavam nas salas de aula e nos livros que publicavam. Assim, eles contribuíam para o desenvolvimento e a difusão de conhecimento. Ao contrário de outras ordens, além disso, era o superior-geral, e não as autoridades locais, que enviavam jesuítas para o exterior. Isso significava que os jesuítas da Itália, Alemanha e outros lugares que não tinham impérios ultramarinos poderiam se tornar missionários. Em muitas missões jesuítas, por isso, o pessoal foi amplamente internacional, o que ajudou as missões a serem menos nacionalistas e, em alguns casos, mais imaginativas na prática da evangelização.
IHU On-Line - Quais são as principais características dos jesuítas? Por que o senhor considera que talvez essa seja, entre as ordens religiosas, a mais polêmica?
John O’Malley – Acho que já respondi essa primeira pergunta, e tenho as bases para, em parte, dar resposta à segunda. Os jesuítas atraem críticas desde seus primeiros anos. Naqueles anos, eram principalmente por dois motivos: em primeiro lugar, ao contrário das ordens mais antigas, eles estavam centralizados em Roma, e, como já referi, os membros de suas comunidades podiam vir de várias nações. Isso fez com que parecessem estrangeiros — de fato, estrangeiros indesejáveis.
Em segundo lugar, eles não aparentavam ser “verdadeiros” membros de uma ordem religiosa. Eles não usavam um hábito distintivo; eles mantinham seus nomes de família; e, mais importante, eles não recitavam ou cantavam o Ofício Divino em coro, que até o século XVI era considerado quase como a definição da vida religiosa. Foi uma combinação desses dois fatores que levou, em 1554, por exemplo, à condenação solene da Companhia pela Faculdade de Teologia da Universidade de Paris, como “um perigo para a fé, uma distúrbio da paz da Igreja, destrutivo da vida religiosa e destinado a causar estragos em vez de edificação”.
Confessores
À medida que os anos passaram, os jesuítas continuaram sob suspeita porque regularmente se tornaram confessores dos poderosos da sociedade e até mesmo dos monarcas reinantes. Os jesuítas foram "confessores de reis". Durante a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), por exemplo, os jesuítas foram confessores do imperador do Sacro Império Romano, duque de Baviera, rei da Espanha, por um lado, e do rei da França, por outro. Eram, portanto, suspeitos de estar se intrometendo na política e conspirando para dominar o mundo!
O seu envolvimento na cultura secular — sacerdotes que produzem peças de teatro, padres que escrevem poesia, padres que chefiam observatórios astronômicos e operam farmácias — deu-lhes a reputação de serem mundanos, de conhecer Cícero melhor do que a Bíblia. A flexibilidade dada a seu ministério ordenado em suas Constituições lhes fazia parecer oportunistas e conciliadores. Quando, mais tarde, adotaram o Probabilismo como a sua modalidade preferida de raciocínio moral e começaram a aplicá-lo no confessionário, os seus inimigos começaram a vê-los como relapsos ao cumprir a lei moral e curvando-se aos pecados de seus penitentes.
É impressionante que, ao longo dos séculos, até o presente, os jesuítas foram criticados — e, por vezes, temidos e odiados — pelas mesmas razões. “Eles são mundanos. Eles são negligentes em seu ensino moral. Eles são um corpo estranho. Eles comprometem a fé por querer se adaptar ‘aos tempos’. Eles não são ‘verdadeiros católicos’.” Tal como acontece com todas as minhas respostas nesta entrevista, muito mais poderia ser dito, mas esses são alguns dos pontos principais.
IHU On-Line - O senhor comentou recentemente que para os jesuítas a sua obra “será uma reciclagem e possivelmente dará uma nova perspectiva das coisas”. Em que aspectos a obra pode ser considerada uma reciclagem sobre a história dos jesuítas e que novas perspectivas ela apresenta?
John O’Malley – Em um livro tão curto como esse, tudo o que eu podia fazer, obviamente, era ressaltar os destaques da história dos jesuítas que se estende por mais de 450 anos. Como eu disse no livro, estou tocando somente a superfície. Há muitas, muitas desvantagens em uma avaliação tão rápida. Mas há uma grande vantagem. Ela fornece uma visão dos jesuítas a partir de uma alta altitude. Embora as particularidades possam ficar desfocadas, as grandes montanhas e os vales são claros. É essa visão que eu queria dar. Ao fazê-la, tentei levar em conta a recente efusão de excelentes estudos sobre os jesuítas. Eu não sei de nenhum outro livro que tenha feito exatamente isso.
Usando os novos estudos, fui capaz de fornecer um panorama dos muitos projetos em que os jesuítas estiveram envolvidos — de sua enorme dedicação às escolas, aos seus empreendimentos inovadores nas missões estrangeiras. Eu consegui, em relativamente poucas palavras, contar a complicada história de como os jesuítas foram reprimidos por um papa e de volta à vida por outro.
"A mais nova intuição que o livro apresenta é a divisão da história da Companhia em um prelúdio e quatro momentos fundadores" |
A terceira fundação ocorreu em 1814, quando o Papa Pio VII restaurou a Companhia à vida após a sua supressão ocorrida 40 anos antes. A Companhia nasceu em uma cultura totalmente nova, que teve repercussões enormes sobre a própria Companhia. Em seguida, por volta de 1965, a Companhia tomou outro rumo significativo sob a influência do Concílio Vaticano II e outros fatores relativos ao mundo contemporâneo.
IHU On-Line - O que mudou na Companhia após a supressão e, consequentemente, após a restauração? Houve uma mudança de direção na atuação dos jesuítas no mundo?
John O’Malley – Continuidade e descontinuidade! Esses são os dois polos que os historiadores precisam levar em conta constantemente. O que é notável sobre a Companhia de Jesus é que, apesar de todas as mudanças, ela é uma entidade que está claramente em continuidade com as suas origens. No entanto, tem havido grandes mudanças, como referi na resposta à pergunta anterior. Um importante ponto de virada foi a restauração de 1814.
Em 1814, Napoleão tinha sido derrotado, e o Congresso de Viena estava em sessão tentando fazer o relógio político voltar ao que era antes da Revolução Francesa, que essencialmente significava colocar os monarcas de volta a seus tronos. Para os católicos, a Revolução Francesa, que teve grandes repercussões em outros países além da França, foi uma catástrofe. Na França, a Revolução foi furiosamente anticatólica. Ela destruiu as igrejas, padres e freiras foram expulsos, e ela tentou limpar todos os vestígios do cristianismo da face do país. Para muitos católicos, "liberdade, igualdade e fraternidade" era a receita para a carnificina e o caos.
De um modo geral, os jovens que entraram na Companhia de Jesus restaurada compartilhavam esses sentimentos, o que fez com que a Companhia se tornasse uma grande força dentro do catolicismo ao se opor ao "mundo moderno". À medida que a cena política europeia movia-se entre governos monárquicos e republicanos, os jesuítas consistentemente colocavam-se do lado dos monarcas, o que fez com que eles fossem regularmente expulsos de país em país, incluindo a América Latina.
A situação começou a mudar notavelmente com a Primeira Guerra Mundial, que nas trincheiras uniu pessoas de diferentes ideologias e que levou a um abrandamento de posições anteriores intransigentes de todos os lados. Na década de 1950, após a Segunda Guerra Mundial, veio o surgimento de uma "democracia cristã", cujos líderes eram de fato católicos devotos. Pouco a pouco, a sociedade católica e também os jesuítas reconciliaram-se com o "mundo moderno", o qual foi perdendo um pouco do seu anticatolicismo intransigente.
O Concílio Vaticano II (1962-1965) foi um evento complexo, mas um de seus aspectos foi a reconciliação com o mundo moderno, uma virada de consciência que afetou profundamente a Companhia de Jesus. Os jesuítas reuniram-se para a 31ª Congregação Geral assim que o Concílio foi concluído, e, uma década depois, seguiu-se a 32ª. Esses dois encontros fizeram para a Companhia o que o Vaticano II fez para a Igreja.
Para os jesuítas, um aspecto crucial desse fenômeno foi um novo estímulo para a ação em nome dos oprimidos. A última Congregação no seu Decreto Quatro compromete a Companhia em todas as suas obras para a "promoção da justiça". Embora essa preocupação com os oprimidos tenha suas raízes profundas na tradição dos jesuítas, ela tomou uma nova urgência e uma nova conceituação após as duas congregações. Um dos resultados mais impressionantes dessa preocupação foi a fundação do Serviço Jesuíta aos Refugiados, que atende anualmente alguns milhões de refugiados.
IHU On-Line - Quais foram os jesuítas mais significativos da história? Por quais razões?
John O’Malley – É claro que a lista deve começar com Santo Inácio. Ele fundou a Companhia, que se tornou uma das ordens mais influentes da Igreja. Em seguida, ele foi o autor dos Exercícios Espirituais (São Paulo: Edições Loyola, 2002), um livro diferente de qualquer outro antes dele. Devo acrescentar que, ao confiar a Companhia ao ministério da educação formal, ele ajudou a criar um dos mais impressionantes empreendimentos da Igreja católica moderna. Estou falando do fato de ele ter sido um catalisador para outras ordens e congregações, masculinas e femininas, que seguiram o exemplo jesuíta e comprometeram-se com a educação. O resultado foi uma nova era na evangelização católica em que a escolarização formal foi parte integrante quase de forma global.
Então, naturalmente, vem São Francisco Xavier, que eletrizou a Europa com suas cartas do Oriente e se tornou o mais famoso missionário na história da Igreja Católica. Ele fez com que o "ir para as Índias", como era a expressão do século XVI, parecesse atraente e significativo para as gerações de jovens católicos. Um dos mais impressionantes e importantes missionários jesuítas foi, naturalmente, o próprio José de Anchieta, que deixou uma marca quase indelével na sociedade brasileira.
São Pedro Canísio, outro membro dessa notável primeira geração, pode ser classificado como um dos jesuítas mais importantes na história. Ele passou quase toda a sua vida jesuíta trabalhando no Sacro Império Romano na época da Reforma. Ele escreveu o catecismo católico mais importante a ser utilizado por lá e conseguiu fundar 18 escolas jesuítas. Da segunda metade do século XVI "em terras alemãs", ele é sem dúvida a figura católica individual mais importante.
Matteo Ricci é outro missionário que deve ser mencionado. Embora ele tenha sido pouco conhecido até as últimas décadas, tem sido visto como um pioneiro na inculturação e um modelo de como dialogar com outras culturas e religiões, como fez na China imperial no início do século XVII. Claro, ele não está sozinho, como resulta dos exemplos de Roberto De Nobili e de São João de Britto, na Índia.
Eu vou adiante e cito teólogos como Francisco Suarez, Roberto Belarmino e muitos outros jesuítas importantes do passado para me aproximar até o presente. A esse respeito, o americano John Courtney Murray é certamente importante por causa de seu papel crucial ao moldar o decreto sobre a liberdade religiosa do Concílio Vaticano II, Dignitatis humanae. Então, devo mencionar Pedro Arrupe, superior-geral da Companhia durante os anos difíceis depois do Vaticano II. Ele não é somente apreciado dentro da Companhia por sua sábia governança, mas também reverenciado por sua santidade de vida.
IHU On-Line - Quais são as áreas de atuação em que os jesuítas tiveram maior sucesso?
John O’Malley – Para mim,
"O sucesso de longo alcance mais impressionante dos jesuítas reside na sua preocupação constante de mediação entre a Igreja e a cultura secular" |
Paradoxalmente, eles foram bem-sucedidos em alguns de seus fracassos. Eu falo das missões japonesas e chinesas no período moderno. Suas tentativas de acomodação cultural e religiosa foram condenadas pelo papado em um certo ponto e quase foram banidas da memória. Mas, nos últimos tempos, têm sido ressuscitadas como modelos dignos de respeito e até mesmo de imitação.
IHU On-Line - Como os jesuítas contribuíram, ao longo de sua história, com temas de vanguarda? É possível destacar em quais pontos, temas, os jesuítas foram vanguarda ao longo da trajetória da Companhia?
John O’Malley – Outros podem ser capazes de responder a essa pergunta melhor do que eu. O exemplo mais óbvio que eu posso pensar, que já mencionei, seria Murray com relação à liberdade religiosa. No entanto, eu gostaria de mencionar outra coisa, não é exatamente uma “questão de ponta”, mas uma verdadeira inovação na piedade católica. Refiro-me à mudança de Santo Inácio em Manresa, de uma vida de austeridade e penitências severas para uma vida de moderação e de cuidados com o corpo. Nós, hoje, consideramos a sua mudança como certa e a colocamos em prática em nossas vidas.
Mas devemos lembrar que, na época, ela marcou uma mudança dramática no ideal de santidade cristã. Os grandes santos foram os que mais torturaram seus corpos. São Carlos Borromeu, um contemporâneo mais jovem de Inácio, fez o mesmo com o seu corpo e morreu antes que ele completasse 50 anos de idade. Inácio, no entanto, aconselhou os jesuítas a terem moderação com suas penitências e insistiu nas Constituições para que houvesse um cuidado adequado da saúde. Ele queria que as casas [dos jesuítas] das cidades grandes tivessem uma moradia no campo onde eles pudessem ir para relaxar e descansar. A villa! Recomendado por um santo! Isso foi uma revolução.
IHU On-Line - Antigamente, os jesuítas eram famosos no âmbito intelectual e universitário, considerando que muitos filósofos, físicos, astrônomos e teólogos importantes foram jesuítas. A partir da sua revisão histórica, como classifica a importância intelectual dos jesuítas nos dias de hoje? Os jesuítas continuam na vanguarda intelectual ou essa contribuição ficou de lado nos últimos anos?
John O’Malley – Em primeiro lugar, deixe-me dizer que não devemos exagerar nas contribuições jesuítas no passado. Nenhum membro da Companhia fez alguma contribuição verdadeiramente avançada em qualquer campo do conhecimento. Isso não diminui o que eles fizeram, ou seja, mediar entre a erudição secular e a Igreja, mantendo-a atualizada do que estava acontecendo no resto do mundo.
Em segundo lugar, o mundo da ciência, hoje, é incomparavelmente maior e mais complexo do que era no passado. Além disso, ele é financiado por recursos financeiros que a Companhia de Jesus nunca poderia levantar.
"Na Igreja, os jesuítas continuam a ser o único órgão mais importante a mediar a aprendizagem secular com o mundo clerical" |
E o que a Companhia pode dizer a esse respeito?
Bem, todos nós gostaríamos de ter mais estudiosos e de fazer mais, mas não devemos deixar que isso nos deixe cegos para o que está acontecendo. Como tenho dito, na Igreja, os jesuítas continuam a ser o único órgão mais importante a mediar a aprendizagem secular com o mundo clerical. Eles fazem isso de várias maneiras — através de revistas, escrevendo livros e, mais especialmente, através de suas universidades. Nas universidades, os jesuítas dão uma contribuição intelectual, mas comparativamente, a contribuição feita pelos seus colegas leigos é mais importante.
IHU On-Line - A que atribui o fato de nos últimos 50 anos terem sido escritos e publicados poucos livros sobre a história dos jesuítas? Como interpreta esse dado?
John O’Malley – Tenho de discordar com a premissa dessa questão. Nos últimos 50 anos, inúmeros livros foram publicados sobre a história da Companhia. Nos últimos 20 anos, essa quantidade assumiu proporções quase de um tsunami. Eu não consigo me manter atualizado com ela! A maior parte desses estudos é de primeira linha e eles estão sendo feitos em uma escala internacional. O maior número e alguns de mais alta qualidade estão saindo da Itália. Em seguida, talvez, seriam os Estados Unidos, depois a França, mas o fenômeno é mundial.
IHU On-Line - Que avaliação faz do pontificado de Francisco? Como ele aplica o modo jesuíta de ser em seu pontificado? O que um Papa jesuíta pode trazer para a Igreja? De que forma os preceitos da Companhia de Jesus podem ser percebidos no seu papado?
John O’Malley – Vou responder a essa pergunta anexando um artigo que escrevi (1)há alguns meses, por ocasião da publicação da versão em inglês da minha pequena história da Companhia. Ele vai responder totalmente a sua pergunta.
Nota:
1.- Papa Francisco. Jesuíta. E então? Artigo de John O'Malley
Por Patricia Fachin e Ricardo Machado | Tradução: Claudia Sbardelotto
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Entre o amor e o ódio, Deus e o conhecimento. A complexa história jesuítica. Entrevista especial com John W. O’Malley - Instituto Humanitas Unisinos - IHU