10 Julho 2012
“Há novos comportamentos entre os consumidores dessa festa. Muitos reclamam do excesso de modernização dessas festas e outros defendem que é preciso uma convivência pacífica entre a tradição e a modernidade”, diz o professor da Universidade Estadual da Paraíba.
Confira a entrevista.
“Símbolos religiosos se misturam com uma simbologia ligada à fartura da colheita do milho, e às festas populares, onde ritmos musicais se entrelaçam e enaltecem aspectos relacionados com as identidades do povo nordestino”. Essa descrição de um dos clássicos da cultura nordestina, a festa junina, está sendo reinventada, diz Luiz Custódio da Silva, ao observar as influências contemporâneas que transformam, pouco a pouco, as manifestações culturais que descendem dos portugueses do século XVI e foram adaptadas pelo jeito nordestino de ser. “Assiste-se, sim, a uma ressignificação das festas de São João”, aponta o pesquisador à IHU On-Line, em entrevista concedida por e-mail.
De acordo com ele, as transformações dividem os pesquisadores que estudam o folclore nordestino: alguns são mais tolerantes, outros são mais conservadores. Na avaliação dele, “não se pode ignorar as variáveis que estão interferindo no processo de transformação vivenciado pelas festas populares na atualidade. (...) É preciso conviver com todas essas interferências, compreender de forma interligada as mudanças que estão ocorrendo e contribuir para uma reflexão que possa revitalizar essas manifestações na contemporaneidade”.
Na entrevista a seguir, Silva comenta um dos principais eventos de Campina Grande, o “Maior São João do Mundo”, e como as transformações da cultura nordestina têm se manifestado também nas tradicionais festas juninas.
Luiz Custódio da Silva é graduado em Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco, possui mestrado em Administração Rural e Comunicação Rural pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, e doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo – USP. Atualmente leciona na Universidade Estadual da Paraíba.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é a simbologia do São João para o nordestino?
Luiz Custódio da Silva – Acredito que são muitos os símbolos do São João para o nordestino. Símbolos religiosos se misturam com uma simbologia ligada à fartura da colheita do milho, e às festas populares, onde ritmos musicais se entrelaçam e enaltecem aspectos relacionados com as identidades deste povo. Contemplamos um São João casamenteiro, mas também um santo cujo dia coincide com o inverno que é uma estação muito rica para as comidas típicas do milho na região. Além disso, o tradicional forró sobrevive às transformações impostas pela sociedade contemporânea. As fogueiras juninas, os fogos de artifícios, os balões, as comidas típicas da época, os folguedos, as quadrilhas juninas são eventos ainda muito fortes nas festas dos santos reverenciados no mês de junho no Nordeste.
IHU On-Line – De onde surge essa forte ligação popular com essa festividade? Qual é a sua origem?
Luiz Custódio da Silva – As origens dessas manifestações vieram da Europa, mais precisamente através dos portugueses no início do século XVI. Nosso povo soube fazer as devidas adaptações com os ajustes inerentes à nossa maneira de ser. As quadrilhas juninas foram adaptadas das danças típicas da realeza europeia. Há um fenômeno novo a ser observado hoje: as indumentárias sofisticadas, as coreografias utilizadas pelos integrantes das quadrilhas dançadas atualmente, retomam aspectos de suas origens.
IHU On-Line – Como é vivido o São João, o que há de mais típico nas festas, como elas se organizam?
Luiz Custódio da Silva – Os festejos juninos continuam sendo reinventados no Nordeste brasileiro. Há todo um processo de ressignificação por parte daqueles que estão empenhados na dinâmica cultural dessas festas. Há interferência de grupos políticos, de empresários, dos governantes estaduais e, principalmente, municipais. Muitas estratégias de marketing estão sendo usadas para fortalecer essas festas em todo o Nordeste. Quem organiza as festas de São João, hoje, pede apoio logístico em todo o país. Tem sido uma festa responsável pelo aumento do fluxo de turistas nas principais cidades nordestinas, que estão investindo nessa manifestação popular.
Nesse contexto, esses festejos têm despertado a atenção de estudiosos e pesquisadores, das manifestações da denominada “folkcomunicação e manifestações da cultura popular”. Há novos comportamentos entre os consumidores dessa festa. Muitos reclamam do excesso de modernização, e outros defendem que é preciso uma convivência pacífica entre a tradição e a modernidade.
IHU On-Line – Quais são os principais elementos populares e folclóricos que emergem
dos festejos juninos?
Luiz Custódio da Silva – Campina Grande é responsável pela realização do evento “Maior São João do Mundo”, e tem recebido críticas e elogios por esse grande e desafio. Apesar das mudanças e transformações ocorridas nas festas juninas, tem se cobrado muito a necessidade de políticas públicas voltadas para a cultura popular para que essas manifestações façam parte das identidades culturais do povo da região. Artistas e críticos regionais cobram, por exemplo, mais espaço para o autêntico forró pé de serra, mais próximo das origens e raízes dos ritmos musicais do Nordeste. Este ano a prefeitura municipal de Campina Grande inseriu a apresentação de vários grupos folclóricos da própria cidade na programação do evento junino. Várias outras manifestações da cultura popular e da folkcomunicação tiveram um espaço bem maior do que em anos anteriores. É uma excelente articulação entre os elementos populares e folclóricos para um evento grandioso e que tem uma relação muito estreita com as identidades culturais da região.
IHU On-Line – Com a organização do “Maior São João do Mundo” em Campina Grande-PB, assim como as grandes festas juninas de Caruaru-PE e Mossoró-RN, em que há uma intervenção estatal e privada em sua organização, assiste-se a uma ressignificação das festas de São João?
Luiz Custódio da Silva – Assiste-se, sim, a uma ressignificação das festas de São João. Trata-se de uma discussão que é feita anualmente. Sempre tem um olhar mais conservador, e outras percepções mais arejadas sobre o tema. Alguns pesquisadores estão se tornando mais tolerantes com as mudanças que estão ocorrendo com os festejos juninos. Este ano, foram realizados dois eventos acadêmicos na Universidade Estadual da Paraíba com o tema “Festejos juninos na era digital: da roça à rede”. Algumas pessoas me surpreenderam com as novas abordagens de suas falas. Não se podem ignorar as variáveis que estão interferindo no processo de transformação vivenciado pelas festas populares na atualidade. Têm questões políticas, culturais, econômicas, tecnológicas etc. É preciso conviver com todas essas interferências, compreender de forma interligada as mudanças que estão ocorrendo e contribuir para uma reflexão que possa revitalizar essas manifestações na contemporaneidade.
IHU On-Line – Há o risco de uma mercantilização dos festejos juninos?
Luiz Custódio da Silva – Os riscos de uma mercantilização dos festejos juninos ou de qualquer outra manifestação cultural existem, sim, se não houver políticas públicas que disciplinem a qualidade da programação traçada para essas atividades. É preciso critério para quem vai patrocinar, para o tipo de música que vai ser apresentada, os produtos que serão comercializados, os grupos artísticos e culturais que serão convidados, os tipos de interferência política, etc.
IHU On-Line – Como a Igreja reage a esses grandes eventos? Está integrada? É crítica?
Luiz Custódio da Silva – A Igreja Católica tem sempre buscado participar dos festejos juninos em Campina Grande. No próprio Parque do Povo local, onde acontece “o Maior São João do Mundo”, vem sendo instalada anualmente a “Casa dos Santos”, uma iniciativa de Dom Jaime, ex-bispo da cidade. Nesse espaço é distribuído material informativo sobre os santos juninos, com explicações sobre elementos históricos e a relevância de cada um nas tradicionais festas de mês de junho.
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Festa junina: a folkcomunicação da cultura popular nordestina. Entrevista especial com Luiz Custódio da Silva - Instituto Humanitas Unisinos - IHU