A inteligência artificial está prestes a alterar radicalmente as estruturas de comando militar, que não mudaram muito desde o exército de Napoleão. Artigo de Benjamin Jensen

Foto: Hywards/Canva

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23 Agosto 2025

"Sem essas reformas, é provável que os militares continuem presos na armadilha do estado-maior napoleônico: adicionar mais pessoas para resolver problemas cada vez mais complexos".

O artigo é de Benjamin Jensen, publicado por The Conversation, 18-08-2025.

Benjamin Jensen é professor de Estudos Estratégicos na Escola de Guerra Avançada da Marine Corps University e pesquisador em Residência na Escola de Serviço Internacional da American University.

Eis o artigo.

Apesar de dois séculos de evolução, a estrutura de um estado-maior militar moderno ainda seria reconhecível por Napoleão. Ao mesmo tempo, as organizações militares têm enfrentado dificuldades para incorporar novas tecnologias à medida que se adaptam a novos domínios – ar, espaço e informação – na guerra contemporânea.

Os quartéis-generais militares aumentaram de tamanho para acomodar os fluxos ampliados de informação e os pontos de decisão desses novos aspectos do combate. O resultado é uma queda nos retornos marginais e um pesadelo de coordenação – “muitos cozinheiros na cozinha” – que ameaça colocar em risco o comando de missão.

Agentes de IA – softwares autônomos, orientados a objetivos e alimentados por modelos de linguagem de grande escala – podem automatizar tarefas rotineiras do estado-maior, comprimir os prazos de decisão e possibilitar postos de comando menores e mais resilientes. Eles podem reduzir o tamanho das equipes, ao mesmo tempo em que as tornam mais eficazes.

Como pesquisador em relações internacionais e oficial da reserva do Exército dos EUA que estuda estratégia militar, vejo tanto a oportunidade proporcionada por essa tecnologia quanto a necessidade urgente de mudança.

Essa necessidade decorre do fato de que as estruturas de comando atuais ainda espelham o quartel-general de campanha de Napoleão, tanto em forma quanto em função – arquiteturas da era industrial construídas para exércitos de massa. Com o tempo, esses estados-maiores se expandiram em tamanho, tornando a coordenação trabalhosa. Além disso, resultam em postos de comando extensos, que a artilharia de precisão, os mísseis e os drones modernos podem atingir de forma eficaz, e que a guerra eletrônica pode facilmente interromper.

O chamado “Cemitério de Postos de Comando” da Rússia na Ucrânia ilustra de forma vívida como quartéis-generais estáticos, nos quais os adversários podem concentrar artilharia de precisão, mísseis e drones, se tornam verdadeiras vulnerabilidades no campo de batalha moderno.

O papel dos agentes de IA

Planejadores militares agora enxergam um mundo em que agentes de IAsoftwares autônomos, orientados a objetivos, capazes de perceber, decidir e agir por iniciativa própria – já estão maduros o suficiente para serem implantados em sistemas de comando. Esses agentes prometem automatizar a fusão de múltiplas fontes de inteligência, a modelagem de ameaças e até mesmo ciclos de decisão limitados, em apoio aos objetivos de um comandante. Ainda haverá um humano no processo, mas os humanos poderão emitir ordens mais rapidamente e receber atualizações mais oportunas e contextualizadas do campo de batalha.

Esses agentes de IA podem interpretar manuais doutrinários, elaborar planos operacionais e gerar cursos de ação, acelerando assim o ritmo das operações militares. Experimentos – incluindo iniciativas que conduzi na Marine Corps University – demonstraram como até mesmo modelos básicos de linguagem podem acelerar estimativas do estado-maior e injetar opções criativas, baseadas em dados, no processo de planejamento. Esses esforços apontam para o fim dos papéis tradicionais de estado-maior.

Ainda haverá pessoas – a guerra é um empreendimento humano – e a ética continuará a ser um fator nos fluxos de algoritmos que tomam decisões. Mas aqueles que permanecerem em campo provavelmente terão a capacidade de navegar em grandes volumes de informação com o auxílio de agentes de IA.

Essas equipes tendem a ser menores do que os estados-maiores modernos. Agentes de IA permitirão que elas administrem múltiplos grupos de planejamento simultaneamente.

Por exemplo, será possível usar técnicas mais dinâmicas de red teaming – simulação de papéis da oposição – e variar premissas-chave para criar um menu mais amplo de opções do que os planos tradicionais. O tempo economizado por não precisar construir apresentações em PowerPoint nem atualizar estimativas de estado-maior será realocado para análises de contingência – fazendo perguntas do tipo “e se...” – e para a construção de estruturas de avaliação operacional – mapas conceituais de como um plano provavelmente se desenvolverá em determinada situação – fornecendo assim mais flexibilidade aos comandantes.

Projetando o próximo estado-maior militar

Para explorar o design ideal desse estado-maior aumentado por agentes de IA, liderei uma equipe de pesquisadores do Futures Lab, do think tank bipartidário Center for Strategic & International Studies (CSIS), para investigar alternativas. A equipe desenvolveu três cenários de referência que refletem o que a maioria dos analistas militares consideram os principais problemas operacionais na competição contemporânea entre grandes potências: bloqueios conjuntos, ataques de fogo de saturação e campanhas conjuntas em ilhas. O termo conjunto refere-se a ações coordenadas entre diferentes ramos das forças armadas.

No exemplo de China e Taiwan, os bloqueios conjuntos descrevem como a China poderia isolar a ilha e, assim, ou levá-la à fome ou criar condições para uma invasão. Os ataques de fogo de saturação descrevem como Pequim poderia lançar salvas de mísseis – semelhante ao que a Rússia faz na Ucrânia – para destruir centros militares-chave e até mesmo infraestrutura crítica. Por fim, na doutrina chinesa, uma Campanha Conjunta de Desembarque em Ilha descreve a invasão transfronteiriça que suas forças armadas vêm aperfeiçoando há décadas.

Qualquer estado-maior aumentado por agentes de IA deveria ser capaz de gerenciar funções de combate nesses três cenários operacionais.

A equipe de pesquisa descobriu que o melhor modelo mantinha os humanos no processo e focava em ciclos de retroalimentação (feedback loops). Essa abordagem – chamada Modelo de Estado-Maior Adaptativo, baseada no trabalho pioneiro do sociólogo Andrew Abbott – incorpora agentes de IA em ciclos contínuos de interação homem-máquina, recorrendo à doutrina, à história e a dados em tempo real para ajustar os planos em movimento.

Nesse modelo, o planejamento militar é contínuo e nunca finalizado, focado mais em gerar um menu de opções para o comandante considerar, refinar e executar. A equipe de pesquisa testou essa abordagem com múltiplos modelos de IA e constatou que ela superou as alternativas em todos os casos.

Os agentes de IA não estão isentos de riscos. Primeiro, eles podem ser excessivamente generalizados e até tendenciosos. Modelos de base – modelos de IA treinados em conjuntos de dados extremamente grandes e adaptáveis a uma ampla gama de tarefas – sabem mais sobre cultura pop do que sobre guerra e precisam de refinamento. Isso torna importante estabelecer benchmarks para os agentes, a fim de compreender seus pontos fortes e limitações.

Segundo, na ausência de treinamento em fundamentos de IA e raciocínio analítico avançado, muitos usuários tendem a usar os modelos como substitutos do pensamento crítico. Nenhum modelo inteligente pode compensar um usuário despreparado ou, pior, preguiçoso.

Aproveitando o “momento agente”

Para tirar proveito dos agentes de IA, os militares dos EUA precisarão institucionalizar a criação e adaptação de agentes, incluir agentes adaptativos em exercícios de guerra e reformular doutrinas e treinamentos para contemplar equipes humano-máquina. Isso exigirá várias mudanças.

Primeiro, os militares precisarão investir em mais poder computacional para construir a infraestrutura necessária para operar agentes de IA em todas as formações militares. Segundo, será necessário desenvolver medidas adicionais de cibersegurança e realizar testes de estresse para garantir que o estado-maior aumentado por agentes não seja vulnerável a ataques em múltiplos domínios, incluindo o ciberespaço e o espectro eletromagnético.

Terceiro, e mais importante, os militares precisarão mudar drasticamente a forma como educam seus oficiais. Os oficiais terão que aprender como os agentes de IA funcionam, incluindo como construí-los, e começar a usar a sala de aula como um laboratório para desenvolver novas abordagens à antiga arte do comando e da tomada de decisão militar. Isso pode incluir a reformulação de algumas escolas militares para focar em IA, um conceito mencionado no Plano de Ação de IA da Casa Branca, divulgado em 23-07-2025.

Sem essas reformas, é provável que os militares continuem presos na armadilha do estado-maior napoleônico: adicionar mais pessoas para resolver problemas cada vez mais complexos.

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