13 Junho 2025
Para Flávia Lefèvre, lei deve ser complementada para lidar com as novas tecnologias
A reportagem é de Adele Robichez, José Eduardo Bernardes e Larissa Bohrer, publicada por Brasil de Fato, 12-06-2025.
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para modificar o artigo 19 do Marco Civil da Internet, alterando o regime de responsabilidade das plataformas digitais sobre conteúdos publicados por usuários. A mudança é vista com preocupação pela advogada Flávia Lefèvre, especialista em telecomunicações e direitos digitais. Em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, ela opina que a lei não deveria ser alterada, mas complementada.
Para Lefèvre, a falta de responsabilização das plataformas não se deve ao artigo 19, mas à omissão dos órgãos públicos. “O fato de as empresas não estarem respondendo hoje por danos causados a crianças e adolescentes, às eleições e às instituições democráticas do país se devem muito mais à inação dos poderes públicos competentes do que à redação atual do Marco Civil”, diz.
Ela discorda da avaliação de ministros que consideram o Marco Civil defasado. Para a advogada, a legislação segue atual, mas precisa ser complementada, e não alterada. “O que precisamos é de uma legislação específica para regular a moderação de conteúdo, considerando o avanço das tecnologias, especialmente com a inteligência artificial”, defende. “O Marco Civil é uma lei principiológica, mas não insuficiente.”
A especialista também critica o que chama de lobby “pesado e ilegal” das big techs contra projetos que tratam da regulação das plataformas, como o projeto de lei (PL) 2.630, voltado à responsabilização de redes sociais, e o PL 2.338, que trata do uso de inteligência artificial. Segundo ela, a atuação política das empresas de tecnologia precisa ser enfrentada com firmeza pelo Estado. “Essas empresas devem se submeter à legislação e ao poder regulador e fiscalizador do Estado, como está expresso na nossa Constituição”, ressalta.
Ela conclui que, se o STF confirmar a mudança, caberá às empresas se adaptar. “Se querem permanecer no país, e o Brasil é um mercado muito interessante para elas, terão que se submeter à jurisdição brasileira. É o mínimo que podem respeitar”, aponta.
Legislação é insuficiente
A jurista acredita que a mudança representa um risco à liberdade de expressão. “Tudo aponta para que haverá um reconhecimento de inconstitucionalidade completa do artigo 19. Vai se alterar radicalmente o regime de responsabilidade, com riscos de impactos negativos na liberdade de expressão”, afirma.
Embora o julgamento ainda não tenha sido encerrado, há maioria para que o artigo 19, que condiciona a responsabilização das plataformas a uma ordem judicial que determine a remoção de conteúdo, deixe de ser a regra. A tendência é que essa exigência judicial passe a valer apenas para casos de crimes contra a honra (como calúnia e difamação) e conteúdos jornalísticos, o que Lefèvre considera “o menos ruim nesse cenário”.
Ela alerta para o risco de adoção do modelo notice and take down, em que denúncias extrajudiciais seriam suficientes para a retirada de conteúdos, além da criação de um novo regime de atuação das plataformas em situações consideradas de “risco sistêmico” ou “de segurança”. “As plataformas deverão operar independentemente de receberem notificação. Serão obrigadas a criar mecanismos para identificar conteúdos criminosos”, explica.
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