Cartas de Irmã Dorothy - 3. Artigo de Felício Pontes Jr

Arte: IHU

18 Março 2025

"Como se não bastasse, Irmã Dorothy também possuía extrema gratidão e cuidado pela Criação. Escreveu que 'trabalhar com a floresta é algo muito delicado'", recorda Felício Pontes Jr., em sua terceira carta de memória aos 20 anos do martírio de Irmã Dorothy Stang, que foi celebrado no dia 12 de fevereiro de 2025.

martírio da Irmã Dorothy Stang será lembrado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU durante os doze meses de 2025. Em cada mês, Felício Pontes Jr., Procurador da República junto ao Ministério Público Federal, em Belém, e assessor da Rede Eclesial Pan-Amazônica – Repam, publicará uma carta em memória à religiosa.

Confira a versão em áudio do Especial Irmã Dorothy Stang – 20 anos de martírio e profecia.

Felício Pontes Jr. era amigo da irmã Dorothy e como procurador segue os seus passos, atuando nas causas defendidas pela missionária. Em entrevista à IHU On-Line, em 2009, ao lembrar do trabalho da missionária, ele a classificou como “o Anjo da Amazônia”. “Tudo que ela tentou estabelecer foi o desenvolvimento integral dos povos da floresta. Isso implica também na relação do homem com a natureza”, disse na ocasião.

Eis o artigo. 

Irmã Dorothy, sem nunca ter ouvido falar na expressão Ecologia Integral, a exercia na prática. Isso se deve por sua atuação, em primeiro lugar, como integrante da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Era preciso construir comunidades entre migrantes de todas as regiões do Brasil, que eram, em verdade, trabalhadores e trabalhadoras rurais sem-terra. Buscavam na Transamazônica-Leste um pedaço de terra, já que 75% da região é terra pública que poderia ser destinada à reforma agrária.

A primeira tarefa era, portanto, construir comunidades. A partir daí, não faltavam assuntos: formação de técnicos agrícolas, cultivo de plantas medicinais, criação das Comunidades Eclesiais de Base, agregar valor aos produtos agrícolas, construção de escolas e, sobretudo, a luta pelo direito à terra.

O trabalho fortalecia a comunidade. E como dizia a letra de uma música cantada nesses encontros: “nossa força é nossa união.” A união deu força para que o esquecido Anapu conquistasse sua emancipação em 1995. Irmã Dorothy comemorou ter o Poder Público bem perto para lutar pelos diretos fundamentais dos migrantes.

Em 1997, foi lançada a pedra fundamental da Igreja de Santa Luzia, a primeira de Anapu. Irmã Dorothy, ao escrever sobre a comemoração, disse: “Nós recebemos cerca de 1.500 pessoas, vindo de 50 comunidades… Para alimentar toda essa gente, nós pedimos que as comunidades enviassem, feijão, arroz, milho, mandioca, café, frango e porco.” As comunidades estavam criadas.

Depois, foram criadas as organizações não-governamentais, como o Centro Nazaré, que transformava alimentos in natura em processados – como a banana que se tornava farinha de banana e obtinha maior valor de venda. Irmã Dorothy comemorava: As pessoas terão um lugar par vender o que produzem, onde os frutos podem ser processados e enviados.”

Como se não bastasse, Irmã Dorothy também possuía extrema gratidão e cuidado pela Criação. Escreveu que trabalhar com a floresta é algo muito delicado”. E completou: “Nós estamos tomando consciência da grande riqueza ambiental de nossa rica floresta com toda sua biodiversidade.” Mais adiante, ao ver que seu projeto era pequeno diante de tanta destruição da Amazônia, profetizou que “Somente uma profunda mudança em nossa forma de viver – valores e atitudes – pode trazer nova vida ao nosso mundo.”

Em uma de suas passagens mais famosas, sintetizou algo que compreende Ecologia Integral: “Não vou fugir, nem abandonar a luta desses agricultores, que estão desprotegidos no meio da floresta. Eles têm o sagrado direito a uma vida melhor, numa terra onde possam viver e produzir com dignidade, sem devastar.”

O Texto Base da Campanha da Fraternidade deste ano ensina que Ecologia Integral “reconhece a conexão entre a preocupação com a natureza, a justiça social, o engajamento na sociedade e a paz interior” (50). Baseado no ensinamento de Papa Francisco em sua Encíclica Laudato Si’, parte-se do pressuposto de que tudo está interligado e, portanto, a alteração de um aspecto da vida terá consequência em toda a vida – “a solução para os problemas socioambientais requer uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e cuidar da natureza (LS, n. 139).

Foi exatamente isso que Irmã Dorothy fez.

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