08 Janeiro 2025
Bergoglio nomeou o cardeal Robert McElroy, um clérigo alinhado com suas orientações, como arcebispo de Washington. A nomeação, realizada poucos dias antes da posse do magnata republicano, pode ser interpretada como uma mensagem para o presidente eleito, com quem o clérigo teve divergências em temas como deportação em massa de imigrantes ilegais e mudanças climáticas. Questões financeiras e sequelas de abusos sexuais cometidos por eclesiásticos estão na agenda do novo arcebispo.
A reportagem é de Washington Uranga, publicada por Página/12, 08-01-2025.
Aos 88 anos, o papa Francisco continua demonstrando que quase nada do que faz ou diz está fora de uma estratégia eclesial e política, na qual cada movimento tem uma explicação, como se fosse executado em um tabuleiro de xadrez. Agora, a poucos dias da posse do ultraconservador Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, Jorge Bergoglio nomeou como novo arcebispo de Washington o cardeal Robert W. McElroy, de 70 anos, um homem considerado em círculos eclesiásticos como “progressista” e alinhado às orientações papais.
A nomeação do cardeal McElroy ocorre logo após Trump anunciar que o ultraconservador Brian Burch será o embaixador dos Estados Unidos junto à Santa Sé. Burch é presidente e cofundador do grupo conservador CatholicVote, além de um feroz crítico do Papa. Além disso, na próxima sexta-feira, 10 de janeiro, o Papa receberá no Vaticano Joe Biden, católico praticante e presidente em fim de mandato dos Estados Unidos, com quem Francisco manteve ótimas relações durante sua gestão. O Papa permitiu que Biden comungasse, apesar de sua posição favorável ao aborto, motivo pelo qual os católicos conservadores haviam pedido sua excomunhão.
Massimo Faggioli, teólogo e historiador da Igreja que trabalha na Universidade de Villanova, declarou ao National Catholic Reporter (NCR) dos Estados Unidos, sobre a nomeação de McElroy: "Acredito que o Vaticano quer esse tipo de líder eclesiástico como arcebispo de Washington agora que Trump está prestes a assumir o cargo e ameaça cumprir suas promessas sobre a deportação de imigrantes".
Na mesma ocasião, Faggioli admitiu: "Muitos de nós pensávamos que ele era progressista demais para ser arcebispo de Washington DC e que nomeá-lo para a capital do país seria uma declaração ousada demais, muito forte, porque ele é muito mais progressista do que o centro da Conferência de Bispos Católicos dos Estados Unidos em questões como direitos dos homossexuais, sinodalidade, imigração, praticamente em tudo".
Em sua trajetória eclesiástica, especialmente em seu cargo anterior como bispo da diocese de San Diego, o cardeal McElroy destacou-se por seu apoio incondicional ao papa Francisco, particularmente em temas como o cuidado com o meio ambiente (“a casa comum”), a inclusão de mulheres em cargos de liderança na Igreja, o apoio à comunidade LGBTQ+ e a participação comunitária baseada na ideia de sinodalidade, que Francisco sintetiza na frase “todos, todos, todos” para reforçar que todos são bem-vindos à Igreja Católica.
McElroy, doutor em Ciências Políticas pela Universidade de Stanford e também doutor em Teologia, foi um crítico contundente de Trump durante seu primeiro mandato. Em uma coletiva de imprensa ao assumir sua nova responsabilidade, afirmou que as mudanças climáticas são “um dos maiores desafios que o mundo enfrenta”, destacando uma clara diferença em relação ao presidente eleito.
“A Igreja Católica ensina que um país tem o direito de controlar suas fronteiras, e o desejo de nossa nação em fazê-lo é um esforço legítimo”, afirmou o novo arcebispo da capital norte-americana. No entanto, “ao mesmo tempo, somos chamados a ter sempre um senso da dignidade de cada pessoa humana. Portanto, os planos mencionados de realizar deportações em massa, indiscriminadas e mais amplas em todo o país seriam incompatíveis com a doutrina católica”, disse McElroy, em referência direta às declarações de Trump sobre o tema.
No mês passado, o cardeal assinou, junto a outros bispos norte-americanos, um documento afirmando que “reconhecemos que os chamados a deportações em massa e a operações contra pessoas indocumentadas e famílias migrantes têm gerado um medo genuíno em muitas pessoas que pastoreamos em nossas dioceses”.
Em sua primeira declaração como arcebispo de Washington, o cardeal McElroy optou por adotar um tom mais moderado em relação a suas divergências com Trump. Quando questionado sobre o anúncio de possíveis deportações de pessoas indocumentadas, o arcebispo afirmou: “Todos nós, como americanos, deveríamos esperar e rezar para que o governo de nossa nação consiga ajudar a melhorar nossa sociedade, nossa cultura, nossa vida e toda a nossa nação. Essa é minha oração”, declarou.
A Arquidiocese de Washington, confiada ao cardeal McElroy, abriga em seu território a Basílica da Imaculada Conceição, o maior santuário dos Estados Unidos, e possui uma população total de 3.050.847 pessoas, das quais 671.187 se identificam como católicas. O novo arcebispo enfrentará desafios significativos, incluindo a busca por soluções para os problemas financeiros e a gestão da crise herdada dos abusos sexuais cometidos por membros da Igreja.
Sobre este último tema, McElroy já se manifestou anteriormente. “É essencial que todos tenhamos em mente que foi o fracasso moral daqueles que abusaram diretamente de crianças e adolescentes, e o fracasso moral igualmente grande daqueles que os reassignaram ou foram negligentes, que levou às feridas psicológicas e espirituais que ainda esmagam os corações e as almas de tantos homens e mulheres entre nós”, afirmou o cardeal recentemente. Na mesma ocasião, ele pediu que “Deus nunca permita que essa vergonha saia de nossa vista, e que a ternura de Deus envolva as crianças e adolescentes inocentes que foram vítimas”.
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Francisco define as regras do jogo para Trump - Instituto Humanitas Unisinos - IHU