16 Abril 2024
A entrevista é de Eleonora Camilli, publicada por La Stampa, 14-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Stefano Levi Della Torre, crítico de arte, ensaísta e professor de arquitetura no Politécnico de Milão, é uma das Vozes Judaicas pela Paz. O coletivo formado por pensadores do mundo da cultura (entre os quais Gad Lerner, Renata Sarfati, Eva Schwarzwald) reunidos no apelo “Nunca Indiferentes”, promoveu um encontro público na Casa da Cultura de Milão para refletir sobre as atrocidades cometidas nesses seis meses na Faixa. Mas também para “quebrar a unidade da comunidade judaica”, muitas vezes acrítica em relação ao governo de Netanyahu.
Professor Levi Della Torre, por que vocês sentiram a necessidade de levantar a voz?
Somos uma rede de pessoas que se encontraram convergentes em achar intolerável o que está acontecendo. Também estamos em polêmica com o apoio acrítico a Israel. Naturalmente condenamos a agressão de 7 de outubro, mas consideramos que a resposta de Israel é do mesmo nível de civilidade do ataque do Hamas. Existe uma simetria da violência, mesmo que a violência de Israel em Gaza seja extensa e duradoura e a outra tenha sido uma agressão pontual. Lançamos, portanto, um apelo enfatizando o fato de que somos vozes judaicas. Não achamos que tudo o que Israel faça esteja certo. E a hostilidade antijudaica só pode crescer diante do extermínio em curso em Gaza.
Vocês falam também sobre o discurso de ódio. Uma das palavras em que colocam atenção é “antissemitismo”. Existe risco de seu retorno?
Já está acontecendo, o extermínio de Gaza une e cruza o preconceito antijudaico com o pós julgamento sobre a ação de Israel. Estamos diante de um ponto perigoso na história: a questão dos judeus como vítimas, cruza-se com o fato de o Estado que se declara judaico estar realizando um extermínio de população tanto em Gaza como na Cisjordânia. Se a memória do Holocausto tem sido até agora uma espécie de garantia para os judeus, agora corre o risco de se transformar numa acusação.
Ou seja?
Há duas explicitações da memória do Holocausto: por um lado diz-se que temos um crédito com a humanidade pelo que nos foi feito, por outro pensa-se que todos são responsáveis pelas atrocidades em massa, incluindo os judeus. Se o Holocausto é um crime contra a humanidade, diz respeito à responsabilidade de todos, não excluindo aqueles que foram vítimas do genocídio.
Você acredita que o que está acontecendo em Gaza possa ser definido como um genocídio?
Não vou me pronunciar sobre a palavra, ainda não sei. O que sei, porém, é que o governo Netanyahu aproveitou a agressão do Hamas para tentar avançar para a solução final da questão palestina, que está pendente há anos e é considerada uma espécie de doença interna. Estamos diante do que chamo de ‘antagonismo colusivo’ entre o Hamas e o governo de Israel.
Antagonismo porque são inimigos jurados, colusivo porque, como afirma o escritor Amos Oz, ambos desejam algo muito semelhante. O Hamas quer que Israel não exista, a atual direita israelense quer que não existam os palestinos na Palestina. A solução para ambos é o desaparecimento de um dos dois.
Sem possibilidade de um compromisso.
Ambos concordam que não se possa falar de dois povos e dois estados, mas que deve haver um povo e um estado. Ou palestino ou israelense. Sem qualquer compromisso.
Nas últimas semanas, as universidades italianas mobilizaram-se para Gaza contra Israel. E foram criadas duas frentes: há quem diga que as relações devem ser mantidas e quem peça para boicotar os editais de pesquisa para evitar qualquer cumplicidade. Como você se coloca?
Considero certo que os jovens se movam e prestem atenção ao que está acontecendo no mundo. Mas considero igualmente importante manter os contatos com aqueles que se opõem em Israel. Criminalizar globalmente as universidades israelenses é errado.
A crítica dirige-se às tecnologias de dupla utilização, isto é, que poderão ter finalidades tanto civis como militares. O medo é de uma possível cumplicidade com o governo israelense.
Esse risco sempre existe, alguma pesquisa básica também pode ir nessa direção. E é correto criticar. Outra coisa é interromper as relações. Os centros de pesquisa são lugares interétnicos onde trabalham judeus israelenses e palestinos. Não é bom que mais uma divisão seja criada.
Houve fortes críticas nos últimos meses contra uma parte do movimento feminista que não teria condenado claramente os estupros cometidos pelo Hamas contra as mulheres israelenses. E uma crítica que você compartilha?
O antissemitismo tem algo afim com a luta universal contra as mulheres. E nós o vemos reaflorar em todos os lugares: desde a luta contra o aborto dos Estados Unidos até o apedrejamento de mulheres no Afeganistão. Se quisermos ficar do lado dos palestinos e defender os seus direitos, não devemos esquecer a essencialidade da luta cultural em relação à questão das mulheres. Os estupros foram propagandeados pelo Hamas pelo seu significado simbólico de humilhação do inimigo, mas também como proposta cultural contra a liberdade feminina no Ocidente. Calar em nome da causa palestina é insuportável.
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“Como judeus denunciamos o extermínio em Gaza. Somos contra o apoio acrítico a Israel”. Entrevista com Stefano Levi Della Torre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU