22 Março 2024
"A agonia da Amazônia no ano passado gerou lições. Estas foram ou estão sendo aprendidas em 2024?", escreve Ivânia Vieira, jornalista, professora da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), doutora em Processos Socioculturais da Amazônia, articulista no jornal A Crítica de Manaus, cofundadora do Fórum de Mulheres Afroameríndias e Caribenhas e do Movimento de Mulheres Solidárias do Amazonas (Musas).
Nossos olhos viram os rios secarem na Amazônia. O fundo dos rios ficou a amostra como terra torrada, partida em centenas de pedaços. Botos, peixes e outras espécies morreram, não sabemos quantos se foram e não tivemos chance de aprender mais sobre eles. Nossos corpos sofreram, milhares de pessoas ficaram isolados, com fome de água, de comida e de moradia. Isso foi ontem, em 2023.
A agonia da Amazônia no ano passado gerou lições. Estas foram ou estão sendo aprendidas em 2024? Quais iniciativas estão realmente sendo realizadas para mudar condutas da sociedade, das políticas de governo combinadas com as de grupos empresariais e de pesquisadores? Qual é o tamanho da disposição do Governo do Amazonas para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas e se aproximar do cumprimento de uma das metas Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), a de número 6 - “até 2030, alcançar o acesso universal e equitativo à água para consumo humano, segura e acessível para todas e todos”.
O Igarapé do Gigante, na Zona Oeste de Manaus, pede socorro, um pedido aos humanos para que compreendam, antes que seja tarde, a importância de mantê-lo viso, para além do verniz do projeto mosaico e das demais investidas destruidoras. Quer alianças pela vida e não como arremedo que libera para a morte. Não é o único, todos os igarapés da capital amazonense estão moribundos, alguns destruídos pela contaminação de dejetos domésticos e industriais.
É pelos igarapés, os rios, as bacias e as vidas que neles e em seu redor habitam, e pelas vítimas humanas que o Fórum das Águas de Manaus fará, nesta sexta-feira (22 de março), a Romaria das Águas, quando grupos de defensores das águas e da Natureza seguirão em barcos até o encontro dos rios Negro com o Solimões. A romaria faz parte de uma série de atividades do Dia Mundial da Água, criado em 1992, pela ONU e, desde 1993 é comemorado com atos em diversos países nesta data.
Ativistas, artistas, religiosos, representantes de coletivos indígenas, do povo preto, da juventude, das mulheres, de professores, sindicalistas e de instituições da área ambiental devem se integrar à romaria que reafirma o compromisso de avançar no processo de conscientização, mobilização e participação das comunidades de fé e de toda a sociedade no sentido de contemplar, a partir do caldoso rio Amazonas a vida humana e o planeta dentro da mística do cuidado e da fraternidade.
A Romaria das Águas é também uma denúncia de que as empresas não podem fazer o que querem ignorando a legislação. “A economia não pode ter essa autonomia em relação à política e à ética, mas deve estar voltada realmente para o bem coletivo. Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única complexa crise socioambiental”, diz documento do Fórum das Águas refletindo a encíclica Laudato Si' - Louvado Sejas – de autoria do Papa Francisco ao tratar do “cuidado da casa comum".
No Brasil, o tema adotado pelo governo federal para o Dia Mundial da Água é “A Água nos Une, o Clima nos Move”. O tempo corre, a voracidade da destruição avança. A escassez de água se torna endêmica, alerta a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). São 2 bilhões de pessoas em todo o mundo sem acesso à água em condições de consumo. Um dos resultados da mudança climática, aponta documento da Unesco, é o aumento da escassez sazonal de água em regiões onde atualmente o recurso é abundante – como África Central, Ásia Oriental e partes da América do Sul; em regiões onde já há baixa disponibilidade de água – como o Oriente Médio e o Sahel, na África, a situação deve ser agravada. “Em média, 10% da população mundial vive em países com estresse hídrico alto ou crítico”, indica a agência.
De acordo com a Unesco, países de renda baixa, média e alta apresentam sinais de riscos relacionados à qualidade da água. “A má qualidade da água ambiente em países de baixa renda frequentemente está relacionada a baixos níveis de tratamento de águas residuais, enquanto em países de renda alta os efluentes da agricultura são um problema mais sério”.
“Os perigos do aquecimento global não são palpáveis, imediatos ou visíveis no decorrer da vida cotidiana, por mais assustador que se afigurem, muita gente continua sentada, sem fazer nada de completo ao seu respeito. {...} esperar que eles se tornem visíveis e agudos para só então tomarmos medidas sérias, por definição, será tarde demais”. Assim, construir canais de comunicação entre os diferentes atores ligados a questão hídrica de forma que as informações geradas por estudos como o desenvolvido aqui sejam de fato relevantes ao processo de adaptação e que sejam transmitidas de forma clara e no tempo adequado para a tomada de decisão.
Por fim, é importante lembrar que o desenvolvimento dessas estratégias de adaptação tem que ser amparado por políticas públicas inovadoras, capazes de criar as circunstâncias necessárias ao enfrentamento das consequências da mudança climática, numa perspectiva de longo prazo e numa abordagem baseada na construção de sistemas de aprendizagem para ação em situações de complexidade e incerteza. Este conjunto de informações produzidos no estudo Impacto da Mudança Climática nos Recursos Hídricos do Brasil – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), além de orientar os tomadores de decisão e formuladores das políticas públicas, permitirá também contribuir na construção desse sistema. Nossos olhos veem o dia seguinte em Manaus cheio de ameaças sendo realizadas.
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A agonia das águas da Amazônia: reflexões e iniciativas. Artigo de Ivânia Vieira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU