22 Dezembro 2023
Há uma pergunta que não chega a ser verbalizada, que, na verdade, parece fora de contexto em relação ao brilho das mensagens com bons votos que nos trocamos, mas que talvez seja a verdadeira abordagem ao mistério do ser humano (e ao mistério de Deus). E essa pergunta é: “Por que o Natal faz sofrer?”.
A reflexão é do cardeal português José Tolentino Mendonça, prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação do Vaticano. O artigo foi publicado em Avvenire, 20-12-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Li nestes dias uma carta do escritor Jack London. Ele a escreveu com as entranhas, aos 20 anos de idade, na manhã do Natal de 1898.
O Natal – confessa – obriga-o a trocar a vagabundagem errante de sua natureza pelos conhecidos protocolos das celebrações domésticas. No meio dos rituais familiares, ele descobre que é cada vez mais um estranho, e tudo o que deveria tranquilizá-lo o faz se sentir oprimido.
Ele que passara a adolescência pulando de um centro de reeducação para outro e que, para sobreviver, havia sido jornaleiro, pescador ilegal, corretor de seguros, boxeador e garimpeiro, ele, homem de caráter duro, naquela manhã, sentiu-se vacilar.
Há uma pergunta que não chega a ser verbalizada, que, na verdade, parece fora de contexto em relação ao brilho das mensagens com bons votos que nos trocamos, mas que talvez seja a verdadeira abordagem ao mistério do ser humano (e ao mistério de Deus).
E essa pergunta é: “Por que o Natal faz sofrer?”. Sim, por que os símbolos, com seu discurso incandescente, não nos apaziguam completamente? Por que as tradições nos consolam apenas por alguns momentos? Por que montar o presépio nos pesa e nos desarma? Por que a contemplação daquele menino devolve a nós, adultos, endurecidos como Jack London, a consciência do quanto somos insuficientes, indigentes, dilacerados e sozinhos perante a consumação última do nosso destino?
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O sofrimento do Natal. Artigo de José Tolentino Mendonça - Instituto Humanitas Unisinos - IHU