21 Dezembro 2023
"O nascimento de Jesus é uma interrupção cósmica e uma suspensão do continuum temporal, uma espécie de despertar de toda a criação, um novo começo, o cumprimento redentor de toda a história anterior e o início de um novo curso. Toda a criação, que 'geme e sofre as dores de parto' (Rm 8, 22), retém a respiração por um momento".
O comentário é de Marcello Tarì, pesquisador independente italiano, em artigo publicado por Settimana News, 18-12-2023.
Sentado em um banco na igreja do mosteiro das freiras agostinianas, onde a cena está montada a poucos metros de mim: encostada ao altar, que hoje se apresenta envolto em um denso manto de céu estrelado, a imagem parece surgir do chão e, ao mesmo tempo, pairar na abóbada em toda a sua redonda simplicidade.
Meu olhar, assim como o de todos os personagens do presépio, naturalmente se fixa em seu centro, localizado dentro da cabana que se projeta da gruta: um cocho, que em poucas horas acolherá o corpinho de um recém-nascido. É assim, por meio da comunhão do olhar, que, imperceptivelmente, eu mesmo me torno um personagem daquele presépio. A imagem antecede o pensamento.
O anjo é capturado em sua descida íngreme enquanto aponta suavemente para Ele; os pastores, os agricultores e os artesãos vêm das mais diversas direções da terra e parecem ao mesmo tempo surpresos e aliviados enquanto O contemplam, cada um exibindo seu próprio gesto que, tradicionalmente rude, se torna gentil e cuidadoso; até mesmo o boi, o burro e o camelo, assim como as árvores, as flores e a grama, parecem curvar-se em direção a Ele, como se impulsionados por um vento suave, atraídos por uma voz profunda e inconfundível que os chama; Maria, ajoelhada com as mãos juntas no peito, ao lado de José, de pé com um longo bastão, cercam encantados a cesta de onde vem o pão da vida.
Observo mais de perto e percebo que até mesmo as grandes pedras e vigas da cabana, encaixadas por uma estrela, parecem sofrer a mesma força de atração. Eu mesmo agora me sinto atravessado por essa força irresistível. O céu está prestes a invadir a terra: a realidade, o cosmos, a vida, o universo, tudo se contrai em torno daquele ponto, capturando-se imóvel no momento da maravilha. Tudo está envolto em silêncio no instante anterior à explosão de alegria.
Neste instantâneo que o presépio nos permite contemplar, há o início de todas as reversões, da transvaloração de todos os valores.
Surge um pensamento: platonicamente, deveríamos conseguir escapar da caverna, ou seja, rejeitar e evadir-nos de nossa própria vida feita de carne, terra e história, para contemplar a Luz. A alma deveria separar-se do corpo, considerado um obstáculo volumoso ao conhecimento da luminosa realidade ideal do bem, situada além da matéria, da carne e de suas ideias toscas. No entanto, o homem antigo, sua ordem suprema, seus deuses, sua filosofia e sua Luz permaneciam todos dentro dos limites do mundo.
Aqui, com o Evangelho, devemos, ao contrário, imergir com todo o corpo nos elementos cósmicos e percorrer as vias acidentadas da história. Devemos caminhar por estradas íngremes, escalar os caminhos do possível e, portanto, curvar-nos, tornar-nos pequenos e, finalmente, entrar na caverna para adorar a Luz do mundo, que, quer a verdade; não consiste em uma bela ideia instalada no firmamento como se fosse uma grande lanterna, mas emana do corpo de uma criança que se instalou aqui.
No entanto, tudo nesta cena, neste indefeso recém-nascido, alude a um além deste mundo. Aquela caverna, com seus "cheiros" e seus pobres utensílios, desconstrói toda a arrogância de nossa cultura e civilização. É um convite permanente para furar os limites do conhecido e do desconhecido, e para nos orientarmos, só temos que seguir o que é frágil, indefeso, pobre, necessitado e, portanto, real. O Messias vem ao mundo e é apenas uma criança, mas é tão perfeito em sua nudez e pobreza que é o "Rei dos Céus".
Atrás da aparente serenidade do presépio, vislumbram-se tronos que se invertem e corações orgulhosos que ficam confusos, porque aqui os últimos, os pequenos, os humildes, são os primeiros a chegar. E aqueles que depois espalharão essa boa nova são "those who have turned the world upside down" – "aqueles que colocam o mundo de cabeça para baixo", como soa a acusação contra São Paulo e os outros discípulos na versão do Novo Testamento de King James (Atos 17, 6), que inspirou uma antiga canção popular inglesa. Mas essa cena parece de cabeça para baixo apenas para aqueles que não querem cair desses tronos.
Enquanto observo o presépio, penso que hoje, em vez do platonismo, temos o transumanismo, o pós-humano, a aristocracia digital e a gnose selvagem. O Evangelho, no entanto, é sempre ele, sempre a mesma Palavra que vem habitar o mundo, sempre aqui para nos contar a divina Encarnação. Sempre aquele bebê, sempre aquele homem, sempre aquele Senhor que anunciará, curará, libertará, suará sangue, será crucificado, morrerá e ressuscitará.
O presépio permite-me contemplar a imagem desse novo começo e, se possível, ser atingido por uma revelação. O corpo não é uma prisão amaldiçoada, mas sim a santa morada do espírito. A vida não é uma caverna escura da qual fugir, mas o sopro de Deus na carne que me permite conhecer e amar. A salvação passa pela terra, pelos homens, pelas mulheres, pelo sangue e pela história. Redimido por esse corpo, carne de Deus e do homem, que unindo céu e terra sussurra "Eu sou". Daquele momento em diante, para ver um pouco do céu, será suficiente olhar daquela perspectiva para o homem e a mulher comuns que encontro no caminho.
Para ir em direção à Luz, então, devo também me colocar em viagem a cada vez, sujar-me, despir-me, reconhecer a direção certa da realidade e tornar-me apenas o que sou. Fazer espaço, criar vazio, "fazer pobreza" e permitir que aquele bebê nasça na caverna da minha interioridade. Justamente célebre é o ditado de Silesius sempre lembrado nestes dias: "Mil vezes Cristo nasceria em Belém, mas não em ti: estás perdido para sempre".
E penso: um presépio em cada coração, milhares, milhões, uma multidão de presépios "encorajados", em Calais e Kiev, em Gaza e Moscou, em São Paulo e Kinshasa, em Oslo e Sydney, em Jerusalém e Roma, seriam suficientes para vencer todo o mal do "mundo", dessa terra que quer permanecer fechada em si mesma, sem céu, sem criança, sem misericórdia, perdida.
Stillstand, que significa em alemão estado de parada, estase, suspensão, interrupção, imobilidade, é uma das palavras mais importantes do vocabulário benjaminiano. Aquilo que ele chama de "dialética em estado de parada", Dialektik im Stillstand, está no centro de sua filosofia teológica da história e, de fato, pode-se defini-la, com um toque de ironia, como o seu "motor imóvel".
A história não é uma linha progressiva "homogênea e vazia", mas procede por descontinuidades, saltos, interrupções e "despertares", afirma Benjamin, e essas descontinuidades podem ser descritas como fotogramas dialéticos nos quais um passado se concentra, ao entrar em contato com a atualidade, alcança sua legibilidade, assim se salvando e compondo a cada vez uma nova "constelação" de significado, de vida, de história: "imagem é aquilo em que o que foi se une fulminantemente com a hora em uma constelação.
Em outras palavras, imagem é a dialética na imobilidade. Mas nesse encontro/confronto de tensões temporais também há a oportunidade, o kairós que Benjamin chama de "tempo-hora", o Jetztzeit por meio do qual a imagem pode significar repentinamente a redenção de todo o passado oprimido na explosão messiânica da atualidade.
Por analogia sonora, é fácil associar essa palavra composta, Stillstand, àquela do canto festivo Stille Nacht, a noite silenciosa, a noite suspensa do Natal do Senhor, a noite em que todo o nosso falar e gesticular só pode ser interrompido porque é o próprio Verbo que se faz carne ao vir habitar entre nós.
Naquela noite em que as estrelas se movem rapidamente como se estivessem compondo um "canto novo", a história e todo o universo sofrem um choque que obriga a primeira a se interromper e começar a girar em outra direção e o movimento do universo a parar por um instante, imobilizado pela maravilha. Todos percebem que algo está acontecendo. O Evangelho narra como não apenas Herodes, como que "o poder", mas toda Jerusalém, que é como dizer "a civilização", foi perturbada por isso (Mt 2, 3).
A suspensão testemunhada pela imagem dialética faz parte de um léxico salvífico, messiânico nas intenções de Benjamin. O presépio, percebo de repente, é uma representação perfeita disso, e podemos encontrá-lo fixado em um belo trecho do protoevangelho de Tiago, que captura plasticamente o instante antes do nascimento de Jesus:
Eu, José, caminhava e não caminhava. Olhei para o ar e vi o ar atingido de espanto; olhei para a abóbada celeste e a vi imóvel, e imóveis os pássaros do céu; olhei para a terra e vi um vaso deitado e operários deitados com as mãos no vaso: mas aqueles que mastigavam não mastigavam, aqueles que pegavam a comida não a levantavam do vaso, aqueles que estavam levando-a à boca não a levavam; os rostos de todos estavam voltados para cima. Vi ovelhas sendo conduzidas à frente, mas permaneciam paradas: o pastor levantou a mão para batê-las, mas sua mão ficou suspensa no ar. Olhei para a corrente do rio e vi as bocas dos cabritos apoiadas na água, mas não bebiam. Então, num instante, todas as coisas retomaram seu curso.
O nascimento de Jesus é uma interrupção cósmica e uma suspensão do continuum temporal, uma espécie de despertar de toda a criação, um novo começo, o cumprimento redentor de toda a história anterior e o início de um novo curso. Toda a criação, que "geme e sofre as dores de parto" (Rm 8, 22), retém a respiração por um momento.
O Deus bíblico age no mundo por meio de causas secundárias, ou seja, por meio da história e da natureza. Sua criação não é um evento concluído de uma vez por todas, mas continua sempre, a cada dia, a cada momento, e os seres humanos são chamados a colaborar com ela. Acredito que Walter Benjamin queria nos dizer isso com sua "dialética em estado de suspensão", para que, ao capturar a intensidade desse momento de saturação histórica, em que tudo parece imóvel, pudéssemos contemplar, penetrar, conhecer e participar intimamente do eterno se manifestando na história, nas gerações da natureza e de Deus, na própria dinâmica da criação. Na mesma maneira que o nascimento de Cristo ocorre aqui e agora.
As memórias da humanidade são redimidas no presente da atualidade, que se move em direção à plenitude escatológica. Benjamin dizia: "O agora do conhecimento é o instante do despertar". É o agora da verdade. O despertar, que segue a interrupção, é o gesto que visa vencer as potências obscuras do mito sempre presentes nas fantasias que encantam a humanidade, mantendo-a em um estado de narcose. O passado é assim transfigurado no agora do conhecimento: ressuscitado na verdade.
Se tivéssemos a capacidade de perceber e meditar sobre as interrupções, suspensões e silêncios que ocorrem em nossas vidas e a coragem de preparar um presépio em nossos corações, acredito que tudo começaria a girar de maneira diferente. Infelizmente, na maioria das vezes, estamos tão distraídos que se uma estrela cadente aparecesse diante de nós, não prestaríamos muita atenção e, se percebêssemos, em vez de segui-la, provavelmente ficaríamos olhando para a tela do celular para ver o que estão dizendo nas redes sociais. É por isso que a Luz precisa penetrar a carne, a interrupção precisa ocorrer dentro de nós, a suspensão na vida.
Um jovem filósofo francês, Foucauld Giuliani, ilustra de forma eficaz que essa suspensão é exatamente o que a fé exige ao entrar em contato com seu conteúdo: "O objetivo de toda transmissão cristã pode ser formulado da seguinte maneira: não racionalizar o Evangelho, mas levar o novato até a fronteira da loucura, entendendo que esta última não significa uma desordem do pensamento, mas a suspensão da razão". É nessa suspensão que se manifesta a metanoia, a conversão, quando a vida começa subitamente a girar em outra direção e, ao acordar, sabe que nada será como antes. Aqui, agora, diante do presépio, na fronteira da loucura do amor.
[1] Refere-se ao Mosteiro dos Santos Quatro Coroados em Roma.
[2] Angelus Silesius, O Peregrino Querúbico, Edizioni Paoline, Milão 1992, p. 118.
[3] Walter Benjamin, Obras Completas IX. Os "passages" de Paris, Einaudi, Turim 2000, p. 516 [N28, 3].
[4] Apócrifos do Novo Testamento, editado por Luigi Moraldi, vol. I, Utet, Turim 1971, p. 83.
[5] Foucauld Giuliani. La vie dessaisie. La foi comme abandon plutôt que la maîtrise, Desclée de Brower, Paris 2022, p. 70.
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Presépio: a imagem antes do pensamento. Artigo de Marcello Tarì - Instituto Humanitas Unisinos - IHU