"O capitalismo para Tronti não era mais apenas um odioso modo de produção, defendido por um sistema político-ideológico igualmente odioso, mas uma vertiginosa construção antropológica, uma ideia e uma prática destrutiva da Terra e da Pessoa que se instalava nas almas, corrompendo os espíritos, minando sua capacidade de discernir o bem do mal. Para ele, não se tratava mais de uma crise do modo de produção ou das relações de classe, ou daquela da política como gestão dos assuntos de Estado, mas de uma vertical 'crise de civilização'”.
O artigo é de Marcello Tari, publicado por Settimana News, 23-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Marcello Tarì é autor e tradutor. Ele tratou dos movimentos antagonistas italianos e de teoria política. São de sua autoria os livros: Il ghiaccio era sottile (DeriveApprodi, 2012) e Non esiste la rivoluzione infelice (DeriveApprodi, 2017). Nos últimos anos, sua pesquisa aborda a espiritualidade e a política da radicalidade evangélica. Com o amigo e professor Mario Tronti animou de 2020 a 2022 a coluna Xeniteia. Contemplazione e combattimento.
Eu amei vocês, agora vou embora
Eu fui comunista
Eu tinha um sonho, uma esperança
Adeus amor, adeus (Baustelle, L’uomo del secolo).
Mario Tronti faleceu no dia 7 de agosto, em sua casa em Ferentillo, aos 92 anos recentemente completados; uma “idade de patriarca”, disse ele no 90º aniversário de Ingrao[1], da mesma maneira que mais tarde diria sobre si mesmo com uma pitada de sua habitual ironia, cortante e doce ao mesmo tempo.
Para grande parte do pequeno e grande público seu nome está ligado ao seu primeiro e juvenil livro Operários e capital, publicado pela Einaudi em 1966[2], que mais tarde foi definido como "a bíblia do operariado". Um livro que, independentemente de como se queira julgar, marcou, no limiar de 1968, e especialmente das grandes lutas operárias de 1969, uma grande novidade, mas também uma forte ruptura teórica no marxismo da segunda metade do século 20, este duro e difícil século ao qual sempre se manteve fiel.
Naquelas páginas Tronti realizava, de fato, a chamada “revolução copernicana” ao interpretar o conflito histórico entre capital e trabalho: primeiro vem o sujeito operário e suas lutas, depois o capital e seu desenvolvimento; portanto, ao partido cabe a tática, ao movimento trabalhista a estratégia, justamente o que numa das passagens mais famosas e cheias de consequências ele chamou de “estratégia de recusa”.
Analisando bem, naquela inversão de perspectiva, já havia um aspecto do radicalismo evangélico ao qual Tronti mais tarde se referiria diretamente: os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros. Conflito radicalíssimo, expressão organizada da força dos oprimidos e ainda assim conflito sem violência: “Conflito é conhecimento. (…) A força é o negativo da resistência, a violência é o positivo da agressão. (…) A greve é por excelência uma decisão coletiva, uma ação que interrompe as atividades, é um dizer não, não à continuação do trabalho, uma luta não violenta, um conflito sem guerra”. O conflito de classes como alternativa civilizacional à guerra de massacre, porque são “as formas da luta [que] revelam os objetivos do movimento”[3].
Operários e capital foi um verdadeiro choque também pela sua linguagem, pelo seu estilo e pelas suas referências teóricas: tudo material estranho à ortodoxia comunista daquela época. A uma cultura militante que na Itália ainda estava enredada no Diamat stalinista conjugado à tríade Croce-Gentile-Gramsci, Tronti opôs o impacto prodigioso do pensamento negativo e da cultura da crise.
Nietzsche e Weber eram introduzidos com grande alarido dentro dos muros das fábricas, as notas de Mahler “entre um adágio desesperador e um majestoso presto”[4] acompanhavam a marcha dos trabalhadores em greve e a grande literatura da crise, de Musil a Mann e Dostoiévski, impregnava até a reflexão sobre o partido. Todos os conceitos da economia política tornavam-se motivo de conflito e isso, da fábrica, transbordava como lava incandescente para investir a sociedade inteira A revista cultural do Partido Comunista Italiano, Rinascita, o barrou horrorizada e assustada.
Mas a sua história teórico-militante certamente não terminou com aquele livro. Nestas linhas gostaria principalmente de recordar o Tronti das últimas décadas, aquele que, depois da fase da “autonomia do político” dos anos 1970[5], uma passagem importante e geralmente mal compreendida, se aventurou no estudo da teologia política, experimentada primeiro em um inédito e ousado casamento da teoria desenvolvida por Carl Schmitt com a tradição marxista – “Karl und Carl”, como intitula um capítulo de seu La politica al tramonto – e, portanto, no cultivo de uma espiritualidade que penetra nas profundezas e nas alturas da Escritura, dos Padres da Igreja e da literatura monástica.
E, finalmente, o comunismo messiânico de Walter Benjamin, o insurrecionalismo escatológico de Ernst Bloch e o São Paulo apocalíptico-revolucionário de Jacob Taubes, todos chamados por Tronti a dar uma forte correção tanto ao apocaliticismo reacionário expresso pela teologia política de Schmitt, como à aridez do materialismo, seja dialético ou histórico.
Foi num diálogo público que tivemos alguns anos atrás num pequeno teatro romano que Tronti disse, articulando bem as palavras, que “basicamente, o materialismo é coisa de burgueses”. É dentro desse horizonte, creio, que se deve compreender a sua autodefinição como um “revolucionário conservador”. Realista sim, materialista não.
A teologia política certamente decorria da leitura precoce que, entre os primeiros da esquerda, fez de Schmitt e dos grandes conservadores, mas também dizia respeito a uma avaliação mais sutil de natureza existencial, pessoal: era preciso “corrigir” a direção da história até a subjetividade, já que “todo o Moderno foi o contrário da Anunciação”[6].
Em 1980, numa discussão sobre o terrorismo, respondendo a Angelo Bolaffi, que sustentava que o limite da esquerda residia no fato de ter produzido uma teologia da revolução, ele, com uma das suas clássicas respostas fulminantes, replicava que: “Justamente porque houve o fracasso da revolução no Ocidente, a revolução tornou-se teologia”[7]. Ou, pelo menos, havia se tornado para ele. A derrota, o fracasso e até a humilhação tornavam-se plenamente categorias teológico-políticas para depois transformar-se em algo mais.
Para o Tronti do período entre os dois milênios, a dimensão teológica, de sintoma e tentativa de resposta a uma catástrofe histórica, devia corresponder à necessidade de uma resistência subjetiva, expressa paradoxalmente por meio de um aprofundamento da crise. Porque é o próprio Cristianismo, o Evangelho, que é "krisis”, no seu sentido mais verdadeiro de escolha e decisão. Crise da subjetividade, crise da história, crise do “mundo”. Mas especialmente crise revolucionária porque vivida para e com os últimos, os despossuídos, os oprimidos, os humilhados e ofendidos: a parte da humanidade à qual Tronti sempre sentiu intimamente “pertencer”, com o seu ponto de vista de resistência que deve lutar sempre e novamente contra a totalidade “deste mundo” assim como é: injusto, violento, egoísta, niilista, individualista.
O capitalismo para Tronti não era mais apenas um odioso modo de produção, defendido por um sistema político-ideológico igualmente odioso, mas uma vertiginosa construção antropológica, uma ideia e uma prática destrutiva da Terra e da Pessoa que se instalava nas almas, corrompendo os espíritos, minando sua capacidade de discernir o bem do mal. Para ele, não se tratava mais de uma crise do modo de produção ou das relações de classe, ou daquela da política como gestão dos assuntos de Estado, mas de uma vertical “crise de civilização”.
O problema do marxismo, dizia Tronti, era precisamente o de não ter sido capaz de propor uma antropologia à altura dos tempos e dos desafios que eles colocavam. E é também nesse sentido que se deve compreender aquele seu constante lamentar, como uma ferida aberta, o embate que ele considerava absurdo e que, no entanto, existiu entre movimento comunista e cristianismo, chegando a conclusões muito próximas daquelas do Padre Turoldo, um homem, um monge, um homem da resistência e um poeta para quem partilhávamos uma grande paixão, que certa vez escreveu: “o comunismo poderia ser a verdadeira revolução dos pobres; com uma condição, que não fosse traída justamente a lei da pobreza. Em vez disso, tudo fracassou miseravelmente. Não foi levada em conta a cupido rerum, a possibilidade do pecado (...) pensou-se que se poderia fazer um comunismo desconsiderando a força da religião, quando a essência da verdadeira religião é ‘manter-se puros deste mundo’”[8].
Mas a assunção do paradigma teológico-político permitia também a revelação de uma verdade inconfessável para muitos militantes de esquerda: se com Schmitt se assumia que “todos os conceitos da doutrina do Estado são conceitos teológicos secularizados”, então, seguindo uma sugestão benjaminiana, também é verdade que “todos os conceitos da doutrina revolucionária são conceitos teológicos secularizados”, como escrevemos num texto de 2020 intitulado Xeniteia. Contemplazione e combattimento [9].
O artigo pretendia abrir um pequeno espaço de pesquisa por meio do qual, com a contribuição de outros amigos, quisemos tentar pensar novamente a ligação "originária" entre cristianismo e comunismo, especialmente por meio daquela tradição monástica que inspirou profundamente a reflexão de Tronti das últimas décadas e sua própria vida, atravessada pela amizade com o camaldulense dom Benedetto Calati e com Enzo Bianchi junto com suas comunidades.
"Originária" porque, discutimos muito sobre isso nos últimos anos, Tronti por fim havia se convencido que o comunismo não era reduzível ao marxismo, que no entanto continua a ser um seu importante episódio, mas que tinha uma profundidade histórica mais ampla e uma dimensão magnética transcendente, indicando uma “forma de vida” que contemplamos nas linhas luminosas dos Atos dos Apóstolos e que depois é possível ser seguida pelo fio da contra-história dos pobres e dos oprimidos: “Que a ideia do comunismo tenha a ver com o cristianismo primitivo é um fato que o movimento comunista do 20º século não contemplou. É uma grave falta"[10]. E, por outro lado, essa talvez seja a única maneira de salvar o espírito do comunismo do esquecimento aniquilador a que “este mundo”, a história dos vencedores, destina os seus antagonistas.
Mas então, se por um lado a teologia política diz respeito às categorias fundamentais da política moderna, do Estado e dos conflitos sobre o poder – digamos, para simplificar, as categorias de “o que fazer?” – por outro lado, aquela revelação das raízes teológicas do comunismo significa voltar o olhar para o tema da espiritualidade, isto é, para o “como fazer?”, ou seja, para o “como viver” aqui e agora, talvez como derrotados, como admitia o próprio Tronti, mas sem nunca abjurar a antiga promessa da libertação.
Em suma, o tema da espiritualidade como forma de vida, pois isto havia sido segundo Tronti o comunismo para muitos da sua geração: uma forma de ser antes mesmo de uma doutrina ou o sonho de uma instituição alternativa. Numa troca de cartas, que tivemos em torno de um meu texto sobre a espiritualidade[11], escreveu: “Afinal, de alguma forma a civitas Dei, em contraste com a civitas hominis, agora do último homem, ainda está aí à espera da força do espírito que se proponha a realizá-la. O homem novo é então aquela força geradora propositiva, não o produto final da realização”.
Novamente inversões de perspectiva: primeiro a força do espírito, depois a realização; primeiro o homem novo, depois as estruturas. O oposto do que haviam feito as revoluções do passado. Nas quais, no início, dizia Turoldo, há sempre a presença poderosa desordenadora do Espírito, mas os revolucionários não souberam ou não quiseram segui-la e por isso perderam-se na crença de que o homem novo deveria ser o resultado das unidades de produção, como cantavam os C.S.I. (Consorzio Suonatori Indipendenti): “Sonho tecnológico bolchevique/ Ateia mística mecânica /Máquina automática – não alma” (C.S.I., Unità di produzione, 1998).
Na realidade, se nos atermos ao que escreveu Tronti, a própria teologia política é algo do passado[12], deve ser estudada e utilizada, para compreender o nexo entre "política e transcendência"[13], mas sem ilusões sobre o presente, portanto o que resta fazer com urgência é o cultivo de uma espiritualidade forte e talvez visar outro continente, aquele do "misticismo e da política" a que no final Tronti muitas vezes se referia, também por meio de autores contemporâneos como o teólogo indiano-catalão Raimon Panikkar, que conheceu por mediação de sua filha Antônia, profunda conhecedora de Panikkar[14].
Ele o menciona, por exemplo, numa conferência realizada em Roma em 2006, na qual tentava explicar o que significava para ele “espiritualidade”: “Ora, a espiritualidade tem uma longa história. Chega até nós de longe. Panikkar fala daquele terceiro sentido que é – diz ele – como um vislumbre mais ou menos claro de consciência de que há algo mais na vida do que aquilo que é percebido pelos sentidos ou entendido pela mente. (…) não é uma extensão horizontal, rumo ao que ainda não conhecemos ou ainda não somos, é mais um salto vertical para outra dimensão da realidade (…) Estar na terra andando para o alto, ou seja, não se curvando sob alguma coisa. Que é também a condição de ser livres (...) E ainda assim aquela conflitualidade da espiritualidade - porque é disso que eu estou falando, da conflitualidade da espiritualidade - acredito que seja possível encontrá-la mais e melhor na nossa tradição, a tradição judaico-cristã (...) A minha tese é esta: a espiritualidade é uma linguagem da crise”[15].
Em vez de continuar a expandir de forma niilista a secularização dos conceitos teológicos, Tronti parecia empenhado na direção oposta, isto é, na reteologização dos conceitos secularizados do político, como bem apontou o filósofo e teólogo sueco Mårten Björk.[16].
Aliás, é o próprio Tronti que em 1992, num ensaio significativamente intitulado “Além do amigo-inimigo”, escreveu: “Deveríamos assumir nós, como filosofia do futuro, o projeto de uma reteologização dos conceitos secularizados? É um problema de pensar sobre o político, mas também de praticar o político. Talvez precisemos voltar a distinguir entre ‘novos céus’ e ‘novas terras’. É preciso assumir a coragem de propor novamente o ‘reino’ utópico de outro mundo dos homens e para os homens”[17].
Um dos laboratórios de pensamento mais interessantes que Tronti ajudou a animar na virada dos anos 1980 e 90, junto com crentes e não crentes, foi o da revista Bailamme que trazia como subtítulo programático não “revista de teologia e política”, mas de “espiritualidade e política”[18].
Apreciar-se-á a diferença. Onde também é importante aquele ‘e’ que fica ali no meio como para mostrar uma possível conjunção, mas também um possível conflito, uma tensão nunca totalmente resolúvel e que, justamente por isso, é capaz de gerar pensamento alternativo e até orientar uma vida e dar-lhe uma forma[19].
Portanto, existem dois campos: não opostos, aliás estreitamente conectados, e ainda assim diferentes. Por um lado, aquele teológico-político da pesquisa sobre o poder e as formas de conflito que o rodeiam, sem nunca esquecer a dimensão transcendente que tudo agita e informa, por outro, aquele da espiritualidade como “armadura” da subjetividade contra o culto da ego propagandeado pelo liberalismo existencial, como impulso da liberdade do espírito dentro e contra o deserto mundano, como aquela da esperança contra toda esperança que te dilacera até a carne, como a utopia concreta de um outro mundo, aquele que " só se torna possível (...) quando se torna necessário”[20]. É sobre tudo isso que trata seu último grande livro, muito importante para ele, Dello spirito libero [Do espírito livre], em que reivindicava a escolha de uma espiritualidade “não para si, mas contra o mundo (…) Estar em paz consigo mesmo significa entrar em guerra com o mundo”[21].
E por falar em esperanças, num dos seus mais belos textos recentemente escritos[22], Tronti finalmente deu a sua definição de teologia política, que acredito merece ser aqui recordada e meditada: “No Magnificat lemos: derrubar os poderosos, elevar os humildes. Aqui está o teológico. Como derrubar os poderosos, como elevar os humildes. Aqui está o político". Mais uma vez: o Espírito inspira e guia, o político segue e tenta atuar pela realização do reino.
Dizia-me que devíamos retomar e aprofundar o nosso conhecimento da teologia da libertação porque, escrevia ele, “ali efetivamente há o combate”. E, portanto: contemplação – olhando para os padres do deserto – e combate – olhando para as barricadas evangélicas do sul do mundo.
A sua dúvida, que compartilho, era se um discurso como o da teologia da libertação poderia realmente ser implantado aqui, no Ocidente, onde os pobres, os últimos, como sujeito, são "por nós além de não reconhecidos, também irreconhecíveis, para a causa, como se dizia antigamente”.
Essa invisibilidade dos últimos, que creio começou a reconhecer graças à intensa amizade que mantinha com o jesuíta Pio Parisi, tocava-o profundamente[23]. Precisamos ser capazes de “ver além”, justamente, e em sua última manifestação pública em junho passado, parafraseando o Jesus de João 9,39, expressava assim a sua esperança, que também era um incitamento à luta: “quem não vê, verá, quem vê será cegado”.[24].
Gigi Roggero, que foi o organizador daquele último encontro, escreve que naquela frase há “um Jesus que não oferece a outra face. Um Jesus muito benjaminiano, que luta para vingar o passado. Um Jesus que divide o mundo em dois. Ricos e pobres, para o cristianismo primitivo. Operários e capital, para nós. Amigo e inimigo, no léxico do realismo”[25].
Acredito que nesse comentário ressoe um aspecto quiliástico que está realmente presente em um certo Tronti - aspecto que, devo dizer, eu mesmo cultivei há muito tempo - e, portanto, uma impaciência, logo uma tentação, pela qual a divisão final não é, como está no Evangelho e como Benjamin dizia na realidade[26], nas mãos do Messias, mas se seculariza e por isso deve ser feita aqui e agora com as nossas próprias mãos, e má sorte, se junto com o joio forem arrancadas algumas espigas de trigo.
E, no entanto, Mario Tronti, como toda vida humana, é um mistério e havia nele também outra tensão, um corpo a corpo com a Palavra, por meio da qual creio sentisse que a última, verdadeira e definitiva revolução, a grande divisão escatológica, a “ruptura total”, como dizia Bonhoeffer, não está ao nosso alcance e que, em vez disso, cabe a nós agora, talvez, deslocar aquele “fogo na mente”, que sempre nos conduziu à batalha, para fazer com que arda no coração, enquanto viramos o olhar para o alto, lutando, com certeza, para apressar a vinda do reino; mas é um apressar que não corresponde a uma nossa imposição sobre o mundo, a uma descarga da vontade de poder, mas à força e à intensidade do nosso desejo.
Naquele artigo que escrevemos em conjunto, à frase “nos foi anunciado um reino, que já está entre nós”, foi a sua mão que acrescentou “se o quisermos”. É algo que tem a ver com uma conversão do coração e com um desejo de comunhão no espírito, a partir do qual deriva uma política.
Pelo menos é assim que entendo as palavras que ele me escreveu dois anos atrás “Se bem entendo, a direção da marcha se configura no sentido de voltar a conjugar, dentro e contra todas as réplicas da história, liberdade e comunismo. Liberdade do espírito para resistir ao mundo, comunismo dos espíritos para ascender ao reino”. É interessante a escolha do verbo: “ascender”. Mas está certo, porque o Seu reino não é “deste mundo” e para o alto está a direção da liberdade.
Ainda haveria muito a dizer e haverá o momento, mas agora, caríssimo Mário, enquanto nós continuamos a olhar as coisas “per speculum in aenigmate” e nos preparamos para morder ainda o pó, talvez você já veja, conheça e ame “facie ad faciem” na comunhão dos espíritos. Que assim seja.
[1] “A idade de patriarca” em Mario Tronti, Non si può accettare, editado por Pasquale Serra, Ediesse, Roma 2009, pp. 133-141.
[2] Recentemente reeditado pela editora DeriveApprodi.
[3] M. Tronti, La politica al tramonto, Einaudi, Turim 1998, pp.58-59.
[4] M. Tronti, Politica e destino, Luca Sossella, Roma 2006, p.19.
[5] M. Tronti, Sull’autonomia del politico, Feltrinelli, Milão 1977.
[6] M. Tronti, La politica al tramonto, cit., p.10
[7] Horst Mahler, Per la critica del terrorismo. Com um confronto entre G. Amato, A. Bolaffi, S. Rodotà, M. Tronti, De Donato, Bari 1980, p.116.
[8] David Maria Turoldo La profezia della povertà, Serviço, Milão 2012, pp. 31-32.
[9] O texto foi publicado em dois sites que não estão mais online, dellospiritolibero.it e quieora.ink, e teve grande repercussão internacional.
[10] “Ensaio em forma de entrevista com Mario Tronti” em La rivoluzione in esilio. Scritti su Mario Tronti, editado por Andrea Cerutti e Giulia Dettori, Quodlibet, Macerata 2021, p.349. Esse livro foi publicado por ocasião do 90º aniversário de Tronti.
[11] Marcello Tarì, Prima viene lo spirito.
[12] M. Tronti, "Nosso Mestre Eckhart, de Agostino" em M. Tronti, Cenni di Castella, Cadmo, Fiesole 2001. “Houve teologia política. Não há mais teologia política. Ao analisar e utilizar conscientemente, as categorias do político como conceitos teológicos secularizados, muitas coisas foram aprendidas. Mas trata-se também é uma temporada que passou. Já passou há muito tempo”, pp.161-162.
[13] “Por que Teologia Política” em M. Tronti, Dell’estremo possibile, editado por Pasquale Serra, Ediesse, Roma 2011, pp.83-87, p.86.
[14] É útil aqui assinalar a conferência que Tronti proferiu na igreja de San Gregorio al Celio, em 9 de maio de 2021, para os “Diálogos monásticos” organizados por Antonia Tronti e don Mario Zanotti e que naquele ano se debruçaram sobre o livro de Raimon Panikkar, beata semplicità. La sfida di scoprirsi monaco, Cittadella, Assis 2007. A conferência, intitulada “O monge entre história e contra-história”, pode ser acessada neste endereço.
[15] “O espírito que desordena o mundo” (16 de novembro de 206) em M. Tronti, Il demone della politica. Antologia di scritti (1958-2013), org. por M. Cavalleri, M. Filippini e J.M.H. Mascat, il Mulino, Bolonha 2017, p.618 e p.619. Esse texto foi reunido por Tronti, com título diferente, em seu Dello spirito libero. Frammenti di vita e di pensiero, Il Saggiatore, Milão 2015.
[16] Mårten Björk, “A reteologização do político. Mario Tronti e a luta contra a história”. La rivoluzione in esilio, cit., pp.
[17] M. Tronti, Con le spalle al futuro. Per un altro dizionario politico, Editori Riuniti, Roma 1992, p.26.
[18] Vários de seus artigos publicados em Bailamme foram republicados mais tarde em Con le spalle al futuro.
[19] A esse respeito, escreveu-me: “Insistimos naquele 'e' entre política e espiritualidade”.
[20] M. Tronti, Dello spirito libero, cit., p.219.
[21] Idem, pp. 226-227.
[22] M. Tronti, DIsperate speranze.
[23] Tronti falou várias vezes sobre Pio Parisi em relação aos "invisíveis", por exemplo na Introdução ao volume, editado pelo Centro de Estudos para a Reforma do Estado, La teologia di San Paolo può interessare il politico? Franco Angeli, Milão 2021. Di Parisi e outro jesuíta, Pino Stancari, dizem aqui na p. 19: “Chamo-lhes de existentes invisíveis (…) as pessoas que não se veem são as únicas com quem vale a pena ter uma relação de troca humana, porque todos aqueles que se veem estão perdidos”. Sobre os “invisíveis” Tronti disse também “São personalidades em luta com o mundo e que o mundo retribui, não os conhecendo, ou não os reconhecendo. As ditaduras, rudemente, os atingiam. As democracias, sutilmente, os ignoram”, in M. Tronti, Non si può accettare, cit., p.36 Pessoalmente, tomei conhecimento da experiência de Pio Parisi e Pino Stancari por meio de outra “invisível”, Maria Luisa Matera.
[24] Trata-se do diálogo entre Tronti e o filósofo Adelino Zanini que aconteceu por ocasião do Festival DeriveApprodi em junho passado. O vídeo do encontro, cujo acesso recomendo bastante, pode ser encontrado aqui.
[25] Gigi Roggero In guerra con il mondo. Per Mário Tronti.
[26] “O próprio Messias, apenas ele, é que perfaz todo o advir histórico, no sentido que só ele liberta, cumpre, leva ao cabo a sua relação com o próprio messiânico”. É a primeira e contundente frase do "Fragmento Teológico-Político", em Walter Benjamin, Il concetto di critica nel romanticismo tedesco. Scritti 1919-1922, Turim 1982, p.171.