14 Fevereiro 2019
São sete frases bem curtas, como um sopro que escapa dos lábios de Jesus agonizante na cruz. No entanto, sua densidade é tal que exortou ao longo dos séculos uma profunda reflexão teológica e espiritual, e também conquistou a cultura ocidental que se questiona sobre o mistério universal da existência, do sofrimento, da morte e sobre o esperar. Com um leitura exegética, enriquecida por percursos de meditação, o cardeal Gianfranco Ravasi convida o leitor a redescobrir o poder daquele legado no livro, publicado pela Queriniana, Le sette parole di Gesù in croce (As Sete Palavras de Jesus na cruz, em tradução livre), da qual vamos publicar alguns trechos da introdução.
O texto foi publicado por Avvenire, 10-02-2019 . A tradução é de Luisa Rabolini.
Gianfranco Ravasi
Le sette parole di Gesù in croce
Itália: Queriniana
278 p., € 20
O olhar de Ravasi, presidente do Pontifício Conselho da Cultura, estende-se também à tradição espiritual e artística que cantou e meditou sobre as sete palavras. Dentro da realidade da morte de Cristo amplamente narrada pelos evangelistas e que é, portanto, também anotada nos anais da história romana clássica, vamos escolher apenas um pequeno número de momentos dramáticos, confiados a um punhado de palavras do Crucificado, as últimas que ele pronuncia enquanto está pregado na cruz e, lentamente, a asfixia está condenando-o a uma agonia excruciante.
Na edição grega dos Evangelhos, são apenas sete frases compostas por 41 palavras, incluindo artigos e pronomes. Elas receberam um título codificado: As sete palavras de Cristo na cruz e foram colocadas em sequenciadas de acordo com diferentes enumerações.
A ordem de sequência, que adotaremos quase inteiramente, é aquela proposta pelo monge cartuxo Ludolfo da Saxônia, autor da provável primeira Vita Jesu Christi, uma biografia publicada em 1474, em Estrasburgo, e desde então já reeditada por 88 vezes. Eis, então, a sequência proposta por ele para a qual acrescentamos as especificações essenciais, introduzindo uma pequena variação, agora seguida por muitos, ou seja, antecipando a palavra à mãe e ao discípulo amado em relação àquela dirigida ao ladrão arrependido (portanto, em ordem inversa àquela sugerida por Ludolfo):
O próprio Ludolfo lembrava, porém, que em seu tempo havia outra sugestiva listagem de oitos frases aos pares que podemos assim visualizar:
Aos pecadores: "Pai, perdoai-os, porque não sabem o que fazem." “Hoje estarás comigo no paraíso”.
Para os bons: "Mulher, eis aí o teu filho". "Eis aí tua mãe."
Para o mundo: "Tenho sede". "Esta consumado." Ao Pai: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?". "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espirito".
Curiosa é, aliás, a disposição concêntrica e mais livre, segundo a qual Santo Inácio de Loyola, em seus Exercícios Espirituais (1548), no n. 297 – à insígnia dos "mistérios realizados na cruz" - distribui as sete últimas palavras de Jesus colocando no centro desse ideal “candelabro de sete braços" a sede de Cristo, assumida em seu valor metafórico de sede de salvação de toda a humanidade.
Eis o esquema proposto por Santo Inácio: "Ele disse sete palavras na cruz: orou por aqueles que o crucificavam; perdoou o ladrão; confiou João à sua mãe e a Mãe a João; disse em voz alta: "Tenho sede"; e deram-lhe fel e vinagre; ele disse que tinha sido abandonado; disse: "Está consumado"; disse: "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito”. Jesus, portanto, na cruz quase lança seu testamento ideal, muito mais essencial, mas igualmente poderoso em relação àquele mais amplo dos discursos da última ceia de acordo com o Quarto Evangelho (Jo 13-17).
Não é verdade, portanto, aquilo que afirma um famoso cântico espiritual afro-americano: "Foi pregado na cruz e não murmurou uma única palavra ...", mesmo que este verso se refira ao seu deixar-se crucificar sem uma lamentação, como o Servo Messiânico do Senhor, celebrado por Isaías: " Ele foi oprimido e afligido, mas não abriu a sua boca; como um cordeiro foi levado ao matadouro, e como a ovelha muda perante os seus tosquiadores, assim ele não abriu a sua boca." (53,7).
Entre outras coisas, esse silêncio foi transformado pelo escritor alemão Heinrich Böll no título de um seu romance, E não disse nem mais uma palavra (1953), a história de um casal de "seres humanos crucificados". Na realidade, mesmo entre tormentos, Jesus fala e essas suas frases conquistaram não só a fé, mas também a tradição cultural ocidental.
Em seu Cristo na cruz, datado "Kyoto1984" e, portanto, composto a uma curta distância da sua morte, em 1986, o escritor argentino, apreciado também pelo Papa Francisco, que o conheceu, Jorge Luis Borges, nascido em Buenos Aires em 1899, escrevia: " A negra barba pende sobre o peito. O rosto não é este das gravuras. É áspero e judeu. Mas não o vejo. E vou buscá-lo sempre até o dia de meu último passo sobre a terra.”.
Por outro lado, sempre impressionou o silêncio do Pai em relação ao Filho crucificado.
O escritor Giuseppe Berto (1914-1978) em seu ideal “Evangelho de Judas” La Gloria, publicado no mesmo ano de sua morte, após o grito "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” escrevia: "Não há resposta. Então, com um grito, libertas o espírito ... Oh Eterno, clamo-lhe de lugares muito profundos: Senhor, não escute a minha voz”. Lucas, como veremos, tempera esta ausência desolada com uma invocação de confiança depositada nos lábios moribundos de Jesus, isto é, a sétima e última palavra.
A Encarnação do Filho de Deus pressupõe, no entanto, a travessia também pela escuridão interior, vivendo em alguns aspectos a experiência de Jó, uma figura bíblica muitas vezes reinterpretada em chave cristológica. É o que expressa o padre David M. Turoldo (1916-1992), outro escritor que queremos convocar em díptico com Borges, em um de seus Cantos últimos (1991): "Não, acreditar na Páscoa não é fé correta: belos demais sois na Páscoa! Verdadeira fé está na sexta-feira santa quando Tu não estavas lá em cima! Quando nem mesmo um eco responde ao seu alto brado e mal e mal o Nada dá forma à tua ausência”.
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Quando Jesus na cruz disse sete palavras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU