20 Dezembro 2023
Decisão da COP28 de “transicionar dos combustíveis fósseis” foi celebrada como histórica nas negociações climáticas, mas manteve lacunas que favorecem indústria do petróleo e gás.
A reportagem é publicada por ClimaInfo, 18-12-2023.
A criatividade diplomática característica dos processos multilaterais de negociação ficou evidente no resultado final da Conferência do Clima de Dubai (COP28), terminada na semana passada. Ao invés de indicar o abandono dos combustíveis fósseis, defendido pela ciência como o caminho para manter vivo o limite de 1,5ºC para o aquecimento global, o texto final saiu com uma recomendação aos países para “transicionar dos combustíveis fósseis”.
A formulação é propositadamente vaga. Por um lado, faz um chamamento aos países para que se distanciem das fontes fósseis de energia nas próximas décadas. Por outro, dá margem para que a indústria dos combustíveis fósseis siga o business-as-usual no curto prazo, sem mudanças significativas em relação ao cenário atual. As ações da petroleiras não despencaram, CEOs receberão bônus milionários, a Rússia continuará financiando a invasão da Ucrânia com o petróleo vendido à China e Índia, a ANP continuará com seus leilões de novas áreas de exploração etc. etc.
A referência aos combustíveis fósseis talvez seja um ponto significativo da decisão da COP28, especialmente por conta da oposição dos países petroleiros, que não queriam qualquer citação ao setor no texto, mas que tiveram que dar o braço a torcer em alguma medida.
O pequenino avanço foi comemorado por alguns: “A decisão não é impecável e há brechas complicadas nela, mas ela é tudo que eles [indústria dos combustíveis fósseis] não queriam”, disse Natalie Unterstell, do Instituto Talanoa, à Folha. “Eles perderam, pois a decisão não ficou circunscrita a emissões, que é a costumeira linha de defesa saudita, tampouco ficou limitada a um tipo de combustível fóssil”.
Mas a ambiguidade do texto final da COP28 não trouxe conforto a quem defende mais rapidez à transição energética. “Substantivamente é fraco, bastante fraco”, classificou ao Estadão o professor Eduardo Viola (USP e FGV-SP). “Um acordo ideal seria um que definisse que no ano que vem as energias renováveis aumentariam tantos por centro, e redução de fósseis reduziria tantos por centro. Em 2025, as renováveis aumentariam outro tanto, e as fósseis outro tanto, no ano seguinte a mesma coisa, e assim por diante”.
Ironicamente, o próprio presidente da COP28, Sultan Al-Jaber, acabou dando argumento àqueles que desconfiam da seriedade do compromisso final de Dubai. Em conversa com o Guardian, Al-Jaber se desfez do figurino de negociador climático e vestiu novamente o terno de CEO da petroleira ADNOC ao defender que a empresa continue investindo na expansão da produção de petróleo e gás mesmo depois da decisão da COP28.
“O mundo continua precisando de petróleo e gás de baixo carbono [oi??] e petróleo e gás de baixo custo. Quando a demanda parar, a história será completamente diferente. O que precisamos agora é descarbonizar o sistema energético atual, enquanto construímos o novo sistema energético”, disse Al-Jaber. O Valor também repercutiu essa fala. Nada inesperado, afinal como ele mesmo disse, “we are what we do, not what we say”.
A Arábia Saudita, que lidera a OPEP, concorda com Al-Jaber. “No que existe agora, a questão do descarte imediato e gradual [dos combustíveis fósseis] foi enterrada”, classificou o príncipe Abdulaziz bin Salman, ministro saudita de energia, citado pela Folha. Ele afirmou que a decisão da COP28 não teria “nenhum impacto” sobre a indústria de óleo e gás.
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‘Game over’ ou ‘business as usual’: ambiguidade da COP28 deixa em aberto futuro dos combustíveis fósseis - Instituto Humanitas Unisinos - IHU