20 Dezembro 2023
"A luta do Papa Francisco é fruto da Providência do Espírito, que parece compreender os sinais dos tempos e a crise de um edifício milenar que agora vaza por todos os lados. E opta por enfrentar a crise da civilização ocidental – e do cristianismo com o qual o Ocidente está tecido – com a radicalidade tornada necessária pelas tensões teológicas e políticas que marcam esta época da história", escreve Flávio Lazzarin, padre Fidei Donum, italiano, atuando na diocese de Coroatá, MA, em artigo publicado por Settimana News, 20-12-2024.
Segundo ele, "comporta-se como se não fosse Papa, como se não fosse chefe de Estado, como se a Cúria não existisse. Com o seu comportamento recusa-se a repetir o roteiro secular da peça fundamental da máquina institucional, cada vez mais distante do Evangelho de Jesus".
"A profecia pode desvanecer-se", conclui, "mas para quem lê a história a partir da Cruz, permanece o apelo para compor as minorias abraâmicas, que, guiadas pelo Ágape, apesar da sua pequenez e irrelevância, enfrentam e conquistam ‘martirialmente’ os infernos da história".
A profecia de Francisco não se revela apenas naquilo que ele nos diz todos os dias, mas emerge sobretudo no fato de o Papa não parar de falar. Evidentemente ele tem consciência de viver em constante exposição, o que reserva a atenção da opinião pública mundial para os seus pronunciamentos, dividida entre o assentimento incondicional, a dissidência feroz ou os pântanos silenciosos, majoritários, indiferentes ou oportunistas.
Ele decide se comportar de acordo com a inspiração de sua biografia, com suas grandezas e suas limitações, e assim aparece aos olhos de muitos como um latino-americano original e indisciplinado.
Acredito, porém, que esta aparente desatenção aos resultados das suas frequentes declarações, pelo contrário, ataca intencional e deliberadamente a fixidez dogmática e doutrinária das teologias doentias, que são capazes de dizer pouco ou nada aos homens e mulheres de hoje, neste momento de crise.
A luta do Papa Francisco é fruto da Providência do Espírito, que parece compreender os sinais dos tempos e a crise de um edifício milenar que agora vaza por todos os lados. E opta por enfrentar a crise da civilização ocidental – e do cristianismo com o qual o Ocidente está tecido – com a radicalidade tornada necessária pelas tensões teológicas e políticas que marcam esta época da história.
Comporta-se como se não fosse Papa, como se não fosse chefe de Estado, como se a Cúria não existisse. Com o seu comportamento recusa-se a repetir o roteiro secular da peça fundamental da máquina institucional, cada vez mais distante do Evangelho de Jesus.
Contudo, as coisas não são tão simples e a dialética carisma/instituição continua e continuará acompanhando a jornada dos crentes.
É óbvio que os mecanismos eclesiásticos influenciam Francisco juntamente com os inimigos tradicionalistas que o perseguem. A contradição está inevitavelmente presente na sua vida: ele não vive como um soberano, mas, na direção oposta ao caminho sinodal, é levado a comportar-se como um soberano monárquico, absoluto, solitário, indiscutível. Na maioria das vezes a liberdade carismática vence, mas o peso da instituição sempre se faz sentir, porque – queiramos ou não – é um aspecto ontológico constitutivo da vida da Igreja.
Contudo, depois da temporada de João XXIII e do Concílio, superada pelas restaurações posteriores, precisávamos certamente de uma primavera carismática. Mas, precisamente como para Francisco de Assis, que inspira Jorge Bergoglio, esta fonte de carisma cedo ou tarde morre, regulada pelos cânones do direito canônico e pelas reinterpretações moderadas, mas sempre traiçoeiras, dos próprios discípulos do carismático, que, como o Santo de Assis vê a profecia se concretizar e morrer antes da própria morte.
A profecia pode desvanecer-se, mas para quem lê a história a partir da Cruz, permanece o apelo para compor as minorias abraâmicas, que, guiadas pelo Ágape, apesar da sua pequenez e irrelevância, enfrentam e conquistam ‘martirialmente’ os infernos da história.
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Notas sobre o Papa Francisco. Artigo de Flavio Lazzarin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU