“Sua influência é fortíssima e tem um plano de comunicação explicito”, diz editor e roteirista do “De Olho nos Ruralistas”
O agronegócio é conhecido por sua violência. O primeiro semestre deste ano foi o segundo mais violento no campo nos últimos dez anos, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT). É frequente vermos esse setor exercendo influência sobre as forças policiais estaduais e locais para efetuar despejos e ameaças, e essa dinâmica também se reflete na mídia brasileira.
A prova disso, são as diversas pautas que representantes do agronegócio, como a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), conseguem ter nesses veículos. Podemos citar dois exemplos recentes: o terror feito para não criar taxas para o agronegócio na reforma tributária, falseando que geraria perda de empregos e fome, e o pedido de anulação das perguntas do Exame Nacional de Ensino Médio 2023 (ENEM), que abordavam a questão agrária e que na realidade foram elaboradas pelo governo anterior.
Luís Indriunas, do “De Olho nos Ruralistas” (Foto: Juliana Barbosa)
Na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), durante o encontro da Escola Nacional de Comunicação Popular do MST, tivemos a presença de Luís Indriunas, editor e roteirista do “De Olho nos Ruralistas” e estudioso da comunicação e da questão agrária. Em entrevista para a página do MST, Luís ressaltou que vivemos uma guerra de narrativas na questão da terra. Nesse conflito o agronegócio utiliza seu poder de influência sobre a grande mídia para transformar seu discurso. Ele sugere que a denúncia e a simplificação da mensagem podem ser algumas de nossas ferramentas para confrontá-los.
A entrevista é de Douglas Fortes, publicada por Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), 27-11-2023.
Na sua opinião, qual é a importância de se discutir, estudar e elaborar sobre comunicação e tecnologia na atualidade?
Acho muito importante discutir a questão da terra na comunicação devido à guerra de narrativas que vivemos atualmente. O agronegócio tem sido muito forte nessa área. É fundamental entender as contradições e as falsas verdades deles, quebrar esses discursos, e, ao mesmo tempo, mostrar as alternativas. O agro, e não o agronegócio, é uma coisa super heterogênea com várias possibilidades, como é frequentemente feito pelo MST, especialmente na prática da agroecologia.
A comunicação desempenha um papel crucial nesse sentido. No embate político, apesar da relevância histórica da questão da terra no Brasil e ser um dos principais problemas do país, muitas vezes a questão agrária é diluída por outros debates no discurso político majoritário. É essencial sempre retomar a questão agrária, porque ela está em todo lugar. Ela é a razão do êxodo rural, da super urbanização e da fome no Brasil. Tem várias questões que estão aí, postas e que a gente não discute.
Como você enxerga a evolução do discurso do agronegócio? Existe uma tentativa de humanização com essa mudança no uso da palavra de agronegócio para Agro?
No contexto da cultura mainstream no Brasil, por muito tempo, houve a representação depreciativa do homem do campo, como o Jeca Tatu de Monteiro Lobato, retratando-o como alguém atrasado, pobre e na contramão da revolução industrial. Isso contrastava com a riqueza cultural absurda que tínhamos no campo brasileiro que não era vista, falando na perspectiva urbana.
Acho que podemos dizer que o governo militar já vislumbrava a mudança do discurso para a potência do campo e do agro. A história que o Brasil é o celeiro do mundo começa nos anos 50, toma força na ditadura militar e depois continua. Há uma tentativa atual de criar uma imagem moderna e tecnológica do agronegócio, cultivando certas tradições, um exemplo é a música sertaneja das rádios.
Existe uma clara preocupação em mudar a percepção sobre o agronegócio, apoiada por financiamentos constantes em propagandas e novelas. Ao mesmo tempo, apesar dos esforços para essa modificação, o brasileiro razoavelmente informado sabe do uso de agrotóxicos, dos problemas da monocultura, da especulação imobiliária absurda do agronegócio que permanecem como questões negativas que eles tentam reverter tornando um pouco bucólica a sua imagem.
Outra questão é que o agronegócio tenta suavizar essa impressão dura e ríspida que ele mesmo criou que é relevante para o mercado financeiro e para a Faria Lima, que exalta sua competência técnica. Enquanto isso, ele busca deixar a imagem do agronegócio mais humanizada, evitando o termo ‘agronegócio’ e se transforma em “agro é pop, é tech, é tudo”.
Qual é o tamanho da influência do agronegócio na mídia?
O agronegócio banca a grande mídia brasileira, sua influência é fortíssima e tem um plano de comunicação explicito. São diversos sites, programas de TV e campanhas publicitárias, como a “Agro é Pop” da Globo que fará 10 anos. Essa influência tem origem no próprio financiamento das mídias brasileiras e vem da própria lógica delas, que como a gente sabe, são altamente concentradas.
O discurso que se fazia muito antigamente, era assim, a mídia brasileira está na mão de quatro famílias. Isso ainda persiste. Elas são proprietárias de terra e do agronegócio, então está tudo muito imbricado e a influência do agronegócio é gigante. Como citei anteriormente, é só notar a quantidade de vezes que o agronegócio está presente em novelas e em diversos pontos da mídia.
Quem são as fontes jornalísticas com maior destaque nas entrevistas sobre agricultura nesses veículos?
Essa é uma questão muito forte na mídia em geral, fazendo um paralelo com o agronegócio, a fonte de muitas notícias econômicas são consultores de bancos X ou diretores de relações internacionais de banco Y. Então, quem acaba pautando a economia na mídia brasileira é o mercado financeiro e isso não é diferente com a agricultura.
Às vezes, nós vemos no noticiário o grande produtor de soja, porém apenas como personagem, porque o especialista é outro: o consultor do mercado financeiro. É essa fonte tradicionalíssima do jornalismo brasileiro que dita o que é importante, seja sobre o sucesso do agro ou decisões econômicas como manter os juros altos.
Você poderia nos dizer quem são os principais financiadores do “ir passando a boiada”?
A famosa frase do Ricardo Salles, falando para aproveitar que a atenção da mídia estava voltada para a Covid e a Amazônia para ir passando a boiada de reformas de desregulamentação do tema do meio ambiente e outros, há muito tempo é financiada e cada vez mais foi se sistematizando.
Hoje existe a FPA, a chamada bancada ruralista. Além disso, recebem apoio técnico e ideológico do Instituto Pensar Agro (IPA), financiado por pelo menos 48 associações de produtores rurais, mais de 1000 grandes proprietários e quase 100.000 pequenos proprietários ou médios produtores rurais que estão associados ao IPA, de forma indireta. Financiando as associações que sustentam o IPA, que dá respaldo para a FPA, por exemplo em ajustes de discursos e análise do que está sendo debatido.
O financiamento é claro, quem financia são as grandes empresas como Syngenta, Cosan, Bunge, grandes pecuarista e produtores de Soja, como a AproSoja, esses financiam junto com as cooperativas e com apoio indireto do pequeno produtor que entende que aquilo é para ele.
Fale um pouco sobre o levantamento que o “De Olho nos Ruralistas” fez sobre as reuniões do Ministério do Meio Ambiente no governo Bolsonaro?
Através de dados da agenda do governo tentamos mostrar onde e como o agronegócio estava mandando e quais as pautas prioritárias deles. Nos últimos três anos e meio do governo Bolsonaro, no Ministério do Meio Ambiente, que só não foi extinto por pressão da própria sociedade, foram mais de 700 reuniões com pessoas, empresas e associações ligadas ao agronegócio e apenas 3 ou 4 reuniões com movimentos sociais. É uma influência muito grande.
Qual é a importância da denúncia, da simplificação da mensagem e da soberania tecnológica para conseguir ser mais efetivo e alcançar mais pessoas?
A transformação da comunicação via redes sociais é um desafio atual. Enquanto a grande mídia continua pautando, as redes sociais apresentam uma linguagem direta e curta, por vezes difíceis de alcançar. Por exemplo, os discursos dos ruralistas de “indígena não faz nada” ou quando Bolsonaro afirmou “fui em um quilombo e não vi ninguém trabalhando”. São impactantes, embora falsos e vazios. A comunicação para promover uma sociedade mais justa precisa trabalhar muito os discursos diretos. Muitas vezes, por receio de ofender, de perder embasamento teórico ou de ser superficial, perde-se isso.
A denúncia é importantíssima, pois documenta e prova situações relevantes. Mesmo que aquele fato esteja sendo falado por todo mundo, se você não registra, ele não existe e será apagado da história. Denunciar revela quem manda no Brasil, quem são os donos da terra no país, como atuam na especulação imobiliária e no libera geral de agrotóxicos. É papel da mídia independente e dos movimentos sociais denunciar para expor e romper cercos para pautar a sociedade e a grande mídia.
O massacre de Eldorado dos Carajás foi um marco para a luta pela terra, uma das primeiras vezes que se mostrou nacionalmente o extermínio de camponeses pelas PMs [Policias Militares]. Foi uma denúncia viva, algo que se encontrava só em livro de história ou em notinha de jornal. A tecnologia, especialmente celulares, se tornou uma ferramenta poderosa para denúncias. Publicamos frequentemente vídeos do campo capturados por celulares, como recentemente, um que documentava o roubo de água de um rio por uma fazenda. Hoje temos várias formas de denunciar usando a tecnologia.