17 Outubro 2023
"A insistência de Francisco é para que saiamos de uma abstração sobre o que são os pobres e façamos do espaço proposto pela Economia de Francisco e Clara global cada vez mais um espaço de reverberação das vozes das vítimas deste sistema. Porque beber dos desafios socioeconômicos e políticos e articular experiência de cuidado, acolhimento e protagonismo deve ser o nosso sentido, beleza e chamado", escreve Eduardo Brasileiro, em artigo enviado pelo autor ao Instituto Humanitas Unisinos — IHU.
Eduardo Brasileiro é sociólogo (Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da PUC Minas), pesquisador e educador no ANIMA PUC Minas pelo Núcleo de Estudos Sociopolíticos e o Grupo de Reflexão e Trabalho para a Economia de Francisco e Clara. Integrante da Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara (ABEFC).
Ocorreu no dia 06 de outubro o IV Encontro Anual Economia de Francisco, um ano depois do encontro presencial em Assis que reuniu mais de mil jovens para construir uma outra economia em Assis.
Neste quarto discurso, o papa Francisco iniciou sua reflexão provocando os jovens a se moverem na busca da ‘unidade dos opostos’. Criticando a economia abstrata afirmou que esta precisa assumir o ‘concreto da vida’, porque a economia, “(...) de enormes riquezas para poucos não se harmoniza internamente com os muitos pobres que não têm onde morar; o gigantesco negócio de armas nunca terá nada em comum com a economia da paz; a economia que polui e destrói o planeta não encontra síntese com aquela que o respeita e preserva”.
Neste sentido Francisco aponta que a busca pela nova economia está no compromisso das juventudes de todo o mundo em confrontar as injustiças que deflagram um mundo de violências financeiras/econômicas causadas pelas guerras, pela fome, pelas migrações, pelos desastres climáticos e assim sucessivamente na espiral de danos causados pelo neoliberalismo.
“A economia da terra vem do primeiro significado da palavra economia, que é cuidar do lar (...) Até agora, o olhar sobre o lar que foi imposto foi o dos homens, dos machos, geralmente do Ocidente e do Norte. Deixamos de fora por séculos - entre outros - o olhar das mulheres: se elas estivessem presentes, teriam nos feitos ver menos bens e mais relacionamentos, menos dinheiro e mais redistribuição, mais atenção aos que têm e aos que não têm, mais realidade e menos abstração, mais corpo e menos conversa. Não podemos mais continuar a excluir diferentes olhares da prática e da teoria econômica, bem como da vida da Igreja. Portanto, uma alegria especial para mim é ver quantas mulheres jovens são protagonistas da Economia de Francisco. A economia integral é aquela que é feita com e para os pobres - em todas as formas de ser pobre hoje em dia -, os excluídos, os invisíveis, aqueles que não têm voz para serem ouvidos.” (Mensagem do Papa Francisco aos participantes do IV Encontro anual da Economia de Francisco, Assis, 06 de outubro de 2023 – tradução livre)
A novidade do discurso do Papa Francisco se deu pela crítica a visão de economia construída pelo ocidente e pelo Norte global, e assim, ele faz um destaque ao reconhecer que são as finanças do norte global (Europa e EUA) que drenam as riquezas produzidas pelos países do sul e que vão para o bolso dos super ricos de todo o globo. Ao mesmo tempo que ele reconhece que o protagonismo de uma nova economia, sobretudo, se dará pelas mulheres. E, desse modo abraça de maneira especial a Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara. Clara é assumida pelo grupo brasileiro desde 2019, buscando uma economia que supere o paradigma patriarcal estabelecido em toda a cultura, inclusive na forma da economia.
Assim, segundo o Papa Francisco é preciso uma economia integral, o que para nós latino-americanos pode ser compreendido como uma economia popular, porque é capaz de articular comunidades empobrecidas, a lideranças das mulheres e o compromisso da Igreja com a transformação social ao mesmo tempo que um agiornamento aos Estados confluírem uma nova circulação econômica desde as economias populares. O pontífice certamente conhece os movimentos de Economia Popular Solidária na América Latina, através da forte atuação do cooperativismo na Argentina e a própria experiência de economia solidária no Brasil, sob os escritos inspiradores de Paul Singer. O horizonte da economia popular, conforme nos aponta a socióloga argentina Verônica Gago, emerge face à desestruturação neoliberal do mundo do trabalho assalariado como um modelo capaz de incluir as massas majoritariamente urbanas, e face ao aprofundamento de regimes de trabalho predominantemente flexíveis e desprotegidos dentro desse esquema global. Em termos espaciais, aparecem mais genericamente como uma experiência dos bairros marginais ou periféricos das metrópoles latino-americanas e do Terceiro Mundo ou do chamado Sul Global.
Deste modo, a economia da terra, ao qual se refere o papa Francisco é a economia real (informal e popular), do chão das pessoas, do lugar onde bem habitar e bem conviver. A economia da terra é um convite as hermenêuticas econômicas periféricas, o que podemos chamar de arranjos econômicos contra hegemônicos através das forma de cooperação, associação e construção de riquezas. Contudo, o que se intensificou na última década no Brasil foi uma experiência econômica de desterritorialização aguda, causando a desmobilização de conselhos de participação popular no orçamento público e na gestão comum das cidades a partir de um modelo de trabalho de desamparo total do Estado para com as comunidades.
De imediato, a solução para este impacto está em retomar uma nova relacionalidade econômica nas comunidades. Para isso, é necessário caminho. E o Papa Francisco ao apontar o seu segundo elemento, a economia do caminho, faz uma alusão ao evangelho de Lucas 9, dizendo que ‘cristãos são aqueles que estão a caminho’, porque o “bem comum exige um compromisso que suja suas mãos”. Papa Francisco nos convida a ‘sujar as mãos’ abrindo espaços de encontro e partilha e reformulando as arquiteturas econômicas dos nossos bairros e cidades.
“Sei que não é imediato inserir seus esforços e compartilhar seus sonhos dentro de suas Igrejas e entre as realidades econômicas dos territórios que habitam. A realidade parece já configurada, muitas vezes tão impermeável quanto o solo em que não choveu por muito tempo. Não lhes falte paciência e desenvoltura para se tornarem conhecidos e estabelecerem conexões gradualmente mais estáveis e frutíferas.” (Papa Francisco IV Encontro anual da Economia de Francisco, Assis, 06 de outubro de 2023– tradução livre)
Para finalizar, o papa Francisco convocou a todos participantes a insistirem em construir espaços de Economia de Francisco e Clara. Contudo, mas alertou, que essa presença efetiva, se desdobra em conflitos e tensões que emergem da realidade. Portanto, habitar o conflito e as tensões, é assumir a espiritualidade do confronto às realidades de sofrimento vividas nas comunidades pela mãe terra e pelos empobrecidos.
Neste ano, completa-se 4 anos da convocação feita em 1º de maio de 2019 e durante esses anos uma inclusão tímida tem sido feita pela Igreja do Brasil, por exemplo. Poucas Dioceses e muito menos ainda paróquias tem feito o aprofundamento do chamado do papa Francisco. Desde 2019 vemos pastorais e movimentos populares muito animados em construir a Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara, mas a análise conjuntural é uníssona: o clericalismo e o conservadorismo barram de apresentar as comunidades essa experiência de sinodalidade econômica a ser promovida efetivamente.
O movimento necessita cada vez mais fazer brotar espaços que sintam e pensem a realidade dos bairros dentro da cidade, e assim, mobilizar ações de articulação de forças políticas e sociais para construir uma nova economia. E, esta é também uma tarefa das comunidades eclesiais que devem ir ao encontro das favelas, das periferias e dos povos marginalizados. Porque assim, um sinal de renovação eclesial ocorre de maneira efetiva nas comunidades. O alerta do papa Francisco prefigura uma atenção especial àqueles que constroem projetos a nível universitário e empresarial: não é ensinar uma fórmula milagrosa ao povo, porque certamente ela não existe, é se fazer presente com o povo e com ele construir caminhos de inserção comunitária de economias para a vida.
Finalizando seu discurso o papa Francisco alertou que é preciso construir articulações nacionais e internacionais, porque não se pode negar que toda essa mobilização comunitária necessita apontar para uma transformação global. A Economia de Francisco e Clara é um grito, uma urgência. Construir uma onda crescente de reflexão sobre as economias populares e pressionar os Estados e nações a assumirem compromissos de transição ecológica e econômica de caráter popular e participativo, e por isso, a presença da Economia de Francisco e Clara nas comunidades é sinal de maior conexão entre os apelos populares firmados a partir do combate às desigualdades, às riquezas e a superação dos colonialismos.
A insistência de Francisco é para que saiamos de uma abstração sobre o que são os pobres e façamos do espaço proposto pela Economia de Francisco e Clara global cada vez mais um espaço de reverberação das vozes das vítimas deste sistema. Porque beber dos desafios socioeconômicos e políticos e articular experiência de cuidado, acolhimento e protagonismo deve ser o nosso sentido, beleza e chamado.
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Papa Francisco e o apelo ao desenvolvimento de economias populares nas comunidades eclesiais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU