23 Setembro 2021
“A experiência de democratizar a economia é o processo mais poderoso de autonomia, reflexão crítica e empoderamento de comunidades, juventudes e periferias para reconstruir um projeto econômico que terá como premissa a transição deste modelo vigente”, escreve Eduardo Brasileiro, educador e sociólogo, membro da Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara (Abefc).
O artigo foi escrito a propósito do debate [online] Economia de Francisco e Clara: um convite às juventudes, ocorrido na terça-feira, 21 de setembro.
A iniciativa do CEPAT contou com a parceria e o apoio de diversas instituições: Instituto Humanitas Unisinos - IHU, Núcleo de Direitos Humanos da PUCPR, Espaço Magis Curitiba, Observatório Nacional Luciano Mendes de Almeida - OLMA e Departamento de Ciências Sociais, da Universidade Estadual de Maringá.
A Economia de Francisco e Clara nos convoca a estarmos atentos às vozes e rostos do mundo. Neste mês de setembro, celebramos o centenário do grande educador Paulo Freire e temos uma excelente oportunidade de beber de sua fonte inspiradora, de sua educação, que mostra como delinear esses rostos e escutar essas vozes. A humanidade caminha para um colapso civilizatório que parte do binômio construir novos paradigmas de convivência com o planeta buscando adiar o fim do mundo e, ao mesmo tempo, construir as condições de justiça socioeconômica para este tempo de economia neoliberal.
Cada pessoa ao buscar ler o mundo, o busca no ensejo de dizer a palavra. Esse ensinamento de Paulo Freire nos dá como caminho de aprendizagem a consciência crítica e o ato para libertação dos seres humanos, em especial de todos que estão sobre uma opressão. É assim que as classes dominantes executam sua visão de mundo, a partir de uma economia que mata, que exclui, que depreda a natureza e que tem 1% dos mais ricos do planeta que se tornaram donos de 50% das riquezas produzidas, enquanto 800 milhões de pessoas passam fome.
Eduardo Brasileiro, da Abefc, na atividade "Economia de Francisco e Clara: um convite às juventudes"
A ciência econômica se encontra com os corpos de São Francisco e Santa Clara, a partir dessa inflexão: a inspiração que eles fornecem a pessoas no mundo inteiro (essa é a palavra que Freire se referia), romper a lógica de um sistema desigual e construir novas relações econômicas. A política econômica aplicada atualmente é a dobradiça da porta que dá para a sala da modernidade contemporânea. O neoliberalismo produz a racionalidade de que é mais fácil imaginar o fim do mundo que o fim do capitalismo.
O antropólogo norte-americano David Graeber (1961–2020) denunciou que um terço dos executivos/funcionários no Ocidente está convencido de que está fazendo um trabalho inútil. Esse é um exemplo, de milhares que apontam para o esvaziamento do motivo de ser coletivo, de ser nação, de projetos de sociedade, colocando sob o esgotamento da sociedade a velha fórmula do Italiano Antônio Gramsci: “A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece”. E como uma profecia que se concretiza, apareceram.
A onda de um neoliberalismo de caráter mais autoritário (se já não o fosse com os mais pobres) coloca em plataformas políticas o horror a imigrantes e refugiados, perseguição de maiorias das periferias, as lutas por direitos humanos (que eram toleradas num estágio progressista, como afirma a socióloga Nancy Fraser [2018]), as populações LGBTQIA+, indígenas, idosos e a deformação societária de Estados que minimamente propunham um Estado de bem-estar social. Perante essa ofensiva neoliberal, a Economia de Francisco e Clara se posiciona como fomentadora de um movimento global de economias possíveis a partir da articulação de uma agenda global e territorial.
Eduardo Brasileiro, da Abefc, Vinicius Riechi, do Espaço MAGIS Curitiba, na atividade "Economia de Francisco e Clara: um convite às juventudes"
O interesse das classes dominantes em manter o debate econômico no hall das bolsas de valores, de subsidiar a democracia ao humor do mercado (“o mercado está confiante”, “o mercado está pessimista”), é dar continuidade ao mecanismo de dominação delas mesmas. A experiência de democratizar a economia é o processo mais poderoso de autonomia, reflexão crítica e empoderamento de comunidades, juventudes e periferias para reconstruir um projeto econômico que terá como premissa a transição deste modelo vigente.
Um compromisso assumido por uma agenda de transição socioecológica, balizada nas premissas da Encíclica do Papa Francisco, Laudato Si: sobre o cuidado da Casa Comum. O caminho para novas arquiteturas sociais se estabelece pela conversão ecológica por meio do fortalecimento de plataformas de discussões fundamentais, que no Brasil se dá por uma ampla agenda político-econômica de justiça socioeconômica como a Renda Básica, Economia Solidária, Orçamento Participativo (SOUZA, 2020).
Igor Sulaiman Said Felicio Borck, do CEPAT, Ana Paula Abranoski, do CEPAT, Vinicius Riechi, do Espaço MAGIS Curitiba, Eduardo Brasileiro, da Abefc, na atividade "Economia de Francisco e Clara: um convite às juventudes"
Urge realmar a organização popular que no aspecto político está por repensar profundamente um processo autodependente e participativo, criando fundamentos para uma ordem que concilia economias solidárias e sociedades democráticas na prática dos bairros, comunidades, entidades, amarrando um projeto coletivo de várias redes de solidariedade.
Para isso, nasce no Brasil o projeto das Casas de Francisco e Clara, espaço de organização coletiva, de territorialização das práticas emancipadoras, e que possui também essa necessidade da economia vivida na dimensão de uma espiritualidade integral, afinal, a espiritualidade de Francisco e Clara não é etérea, abstrata, mas encarnada na vida e na história, possuindo uma capacidade de viver com o divino em toda criatura exigindo uma economia a partir de todos (BRASILEIRO, 2020).
Como diria o teólogo Hugo Assmann, buscamos uma sociedade aprendente, onde no centro dela esteja a capacidade das pessoas retomarem um pacto econômico que gere o protagonismo das pessoas de pensarem o caminho a seguir. E um exercício provocativo de que diante das desigualdades e do nó político causado pelas classes dominantes, a importância da organização por experiências econômicas liberadoras se insurja cada vez mais capazes de gerar um movimento global por novas economias. Portanto, a missão reside em se aproximar das práticas aqui citadas, somadas à espiritualidade ecumênica vivida por Francisco e Clara, e construir um processo educativo de mobilização socioeconômica.
BRASILEIRO, Eduardo. A Economia de Francisco e Clara como mutirão pela vida. In IHU Online. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/608339-a-economia-de-francisco-e-clara-como-mutirao-pela-vida. Último acesso em 22 de set 2021
FRASER, Nancy. O Velho está morrendo e o novo não pode nascer. São Paulo, Autonomia Literária: 2018
SOUZA, André Ricardo. Pilares da Economia de Francisco e Clara. In Revista ANEC. Disponível: https://anec.org.br/wp-content/uploads/2020/02/Sobre-a-Economia-de-Francisco-e-Clara-1.pdf. Último acesso em 22 de set 2021
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Juventudes que constroem justiça socioeconômica e democracia: A inspiração da Economia de Francisco e Clara - Instituto Humanitas Unisinos - IHU