25 Setembro 2023
Apoio incondicional ao acolhimento dos migrantes, esta paixão do soberano pontífice vem da sua própria história familiar. Desde o início do pontificado, o papa tem apoiado os migrantes como uma de suas prioridades, incentivando uma acolhida incondicional. Uma posição que corrigiu recentemente face às tensões europeias.
A reportagem é de Jean-Marie Guénois, publicada por Le Figaro, 24-09-2023.
A paixão do Papa Francisco pela questão da migração vem de muito longe. Seus avós italianos tiveram que deixar o país em busca de trabalho na Argentina. Em Buenos Aires, a vida do jovem Bergoglio foi banhada pela nostalgia do seu querido país. Se o pai impôs aos filhos a língua espanhola e a cultura argentina para que não aparecessem como imigrantes, chegando ao ponto de corrigir o sotaque, tudo na casa respirava Itália. Os Bergoglio trabalharam muito e conseguiram se integrar à classe média baixa local. Uma das crianças até se juntou aos jesuítas, uma ordem religiosa elitista que não admite qualquer pessoa nas suas fileiras.
O traço íntimo deste passado de imigrantes europeus na América Latina residirá sempre no Padre Bergoglio, então bispo. Depois acrescentou uma aversão às políticas dos Estados Unidos – um país capitalista que se recusou a visitar por princípio, exceto quando se tornou papa – e que criticou abertamente durante a era Trump, escandalizado pela rejeição dos migrantes latinos no México.
A missa que Francisco presidiu em Ciudad Juárez, no México, perto da fronteira com os Estados Unidos, em fevereiro de 2016, diante de centenas de milhares de migrantes, permanecerá como um dos grandes momentos do seu pontificado. Um dos mais simbólicos também. Entre o seu passado como imigrante e o seu conhecimento, no terreno, da realidade da migração, Francisco é o papa mais consciente da questão. Principalmente porque ele foi eleito para Cátedra de Pedro num momento em que o problema explodia.
De certa forma, Francisco permanecerá como o papa da imigração. Isto é evidenciado pelo grande monumento de bronze que ele impôs em 2019 na Praça São Pedro para lembrar aos católicos a seriedade deste assunto: num barco de seis metros estão representados migrantes de todas as origens e de todas as épocas, em tamanho real, guiados por um anjo. Mas estes dez anos de pontificado foram marcados por três desenvolvimentos notáveis nesta questão. Primeiro houve a fase de recepção incondicional de todos os migrantes, com o dever dos países ricos de abrir as suas fronteiras para lhes dar estatuto, documentos, um teto, um emprego, uma educação.
Monumento aos Migrantes, Praça São Pedro (Foto: Vatican Media)
Assim foi a primeira viagem do seu pontificado à ilha de Lampedusa, em julho de 2013, onde protestou contra “a globalização da indiferença” para com os migrantes que morriam no Mediterrâneo. Houve também as suas duas viagens à ilha de Lesbos, na Grécia, em 2016 e 2021, infelizmente conhecida pelos seus campos de refugiados. Em 2016, Francisco regressou de Lesbos com várias mulheres muçulmanas no seu avião. O papa queria provocar a consciência europeia e dar o exemplo. Nesta primeira fase, surgiram também mensagens anuais da Igreja Católica para o Dia Mundial dos Migrantes, cada vez mais exigentes, tendo pouco em conta as capacidades de acolhimento dos países.
Então, em outubro de 2016, ocorreu um ponto crítico com sua viagem à Suécia. Convencido a visitar um país que elogiou como modelo de integração de migrantes na Europa, encontra autoridades totalmente sobrecarregadas e desencantadas com as ondas migratórias e os problemas sociais. Isso parece ter provocado nele o início de uma tomada de consciência, levando recentemente a uma mudança em seu discurso sobre o tema. Se não se desarma no acolhimento incondicional dos pobres que batem à porta, está agora a adiar a responsabilidade dos Estados.
Com o exemplo italiano diante dos seus olhos, onde uma forte política de direita, mesmo de extrema-direita, não consegue conter o fluxo de migrantes, o Papa defende agora a gestão dos fluxos migratórios ao nível das autoridades europeias, e não mais nação por nação. Como a posição francesa. Um assunto que está na ordem do dia do encontro, este sábado de manhã em Marselha, entre o Papa e Emmanuel Macron.
O terceiro desenvolvimento é muito recente. Francisco deveria expressar isso claramente na manhã deste sábado em seu discurso nos Encontros do Mediterrâneo, esta assembleia de bispos de todo o Mediterrâneo reunidos na cidade de Focea, motivo da visita papal. Francisco regressa assim a outra grande tradição católica sobre a questão da imigração, defendida por Paulo VI na década de 1970, depois fortemente por João Paulo II e Bento XVI: encorajar e agir a favor dos países em desenvolvimento, especialmente economicamente, para permitir que as populações vivam e permaneçam na sua cultura e no seu país.
Uma espécie de direito de ficar em casa. Esta dimensão do assunto, Francisco preferiu mantê-la em segredo até então para não cair num registo colonialista que ele odeia. Mas os efeitos políticos da ascensão da extrema-direita na Europa, precisamente devido às tensões migratórias, preocupam muito este papa de sensibilidades de centro-esquerda. Este contexto, que ele teria favorecido indiretamente, segundo alguns, pelos seus discursos migratórios rejeitados por grande parte dos católicos, não é à toa na evolução de Francisco.
Resta ainda uma última questão: o Islã na Europa. O papa é acusado por alguns de vender a herança cristã europeia. Dois vetores o orientam nesse ponto. A primeira é a sua experiência argentina do Islã que, ali, está totalmente integrada, e num elevado nível social, na sociedade. Francisco tem em mente este plano que não corresponde à realidade do Islã na Europa, que ele conhece muito pouco. O outro vetor veio das ondas de ataques islâmicos em 2015, alguns dos quais visaram explicitamente os cristãos. Como líder mundial de uma Igreja Católica cujo peso é quase equivalente ao do Islã em escala global, recusou-se a superar-se. E imediatamente contatou os líderes muçulmanos para evitar qualquer escalada entre estas duas religiões.
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Papa Francisco: está nos seus genes a questão da migração - Instituto Humanitas Unisinos - IHU