27 Julho 2023
"Para ver a autoridade feminina reconhecida de forma diferente, só nos restaria recorrer a outras tradições (protestante, anglicana…). Acho que seria útil deixar claro que nesse julgamento existem várias imprecisões, que levam a conclusões erradas".
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, em artigo publicado por Come Se Non, 24-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na discussão que acompanha a reflexão eclesial rumo à Assembleia do Sínodo dos Bispos, a compreensão da mulher tem como premissa uma convicção espúria, que altera profundamente o debate, e que provém de uma longa tradição, em que a mulher sofreu uma compreensão “menor” de sua dignidade. O fato grave, ocorrido em 1994, foi a suposta “dogmatização” desse impedimento disciplinar. Com um texto bastante lacônico, o magistério pretendia na época reduzir a questão a uma problemática assunção dogmática de um fato histórico: a reserva masculina de acesso ao ministério sacerdotal seria uma pretensão da “divina constituição da Igreja”. Não é difícil perceber que na discussão alguns interlocutores atribuem essa posição à “doutrina católica”. E sugerem que, para ver a autoridade feminina reconhecida de forma diferente, só nos restaria recorrer a outras tradições (protestante, anglicana…). Acho que seria útil deixar claro que nesse julgamento existem várias imprecisões, que levam a conclusões erradas:
a) a posição afirmada pelo magistério em 1994, com pretensões definitivas, é simplesmente uma posição "velha", que caracterizou a longa tradição na qual a Igreja se identificou como "societas perfecta" e "societas inaequalis". Em tal sociedade, que chega até o início do século XIX, a hierarquia dos sexos é uma diferença essencial para a ordem social e para a ordem cósmica: em certo sentido, Deus é a garantia dessa hierarquia. E, por sua vez, só a hierarquia dos sexos respeita Deus e a ordem natural.
b) Esse arranjo deu origem a um trabalho teológico de justificação da hierarquia dos sexos por meio de uma dupla justificação clássica: no plano da autoridade e no plano da anatomia. Por um lado, invoca-se a condição de "sujeição criatural", que seria constitutiva da mulher e, por outro, a "falta de semelhança com a masculinidade do Verbo encarnado": nas duas linhas de interpretação dominicana e franciscana, essas visões arcaicas criaram um arcabouço de argumentações em que a exclusão eclesial correspondia à exclusão civil.
c) Com o aparecimento do mundo moderno tardio, a dignidade da mulher na esfera pública aparece como um dos "sinais dos tempos" mais exigentes para toda a cultura comum e também para a cultura eclesial. Foi fácil confundir a tradição cristã com a tradição velha, a virtude cristã com a falta de reconhecimento da dignidade da mulher também no plano público. E a resistência no paradigma velho pode encontrar, ainda hoje, uma justificativa teológica fundamentalista, que diz “sempre foi assim” e “Deus assim quer”.
d) A escolha de Ordinatio Sacerdotalis é dupla: não apresenta argumentações clássicas (porque sabe que não são mais sustentáveis), refugia-se em uma suposta "evidência histórica positiva" da continuidade com a ação originária do Senhor (que teria livremente chamado apenas "homens") e tenta dogmatizar essa "não-argumentação" como uma verdade a ser acreditada de modo definitivo.
e) O elemento novo e preocupante é a renúncia à argumentação e o deslocamento da "reserva masculina" no plano de uma fé "sem razões". Esse é um modo novo (diríamos meramente afetivo e emotivo) de sustentar algo velho, ou seja, o primado do masculino sobre o feminino em termos de "vida pública". A demanda de “argumentação teológica”, que se gostaria levantada pelo documento, está em contradição com o próprio documento: de fato, todas as tentativas que foram propostas nestes 30 anos nada mais são do que mistificações da “perene hierarquia dos sexos”, como preconceito interno à sociedade fechada.
f) Com a Ordinatio sacerdotalis faz-se o contrário do que o Concílio Vaticano II pediu: enrijece-se uma "formulação de revestimento" e perde-se a substância do depositum fidei. O Senhor chamou "homines" para o anúncio do Evangelho: historicamente essa palavra foi interpretada de diversas maneiras: no primeiro momento como "homens galileus", depois como "homens circuncidados", depois como "homens". Uma abertura a um chamado dirigido a todos os "nascidos de mulher" (homens e mulheres) faz parte daquele caminho confiado à história e à consciência, a respeito do qual a Ordinatio sacerdotalis constitui uma maneira demasiado simples, e demasiado cômoda, de esconder a cabeça na areia e fingir que a história e a consciência (especialmente das mulheres) possam ser reduzidas à irrelevância. Há, em tudo isso, não só “defesa amedrontada”, mas também “violência sem respeito”.
Por isso me parece correto dizer: não se trata da clássica doutrina católica, mas de um golpe de cauda do antimodernismo, de uma maneira velha de pensar a identidade feminina, que busca zerar o dado novo e promissor do “sinal dos tempos”, repetindo uma fórmula que tenta absolutizar uma “reserva masculina”, cujo fundamento sistemático já não consegue explicar. Uma teologia autoritária sem autoridade.
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Existe uma doutrina católica sobre a mulher que tenha autoridade eclesial? Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU