03 Julho 2023
"Na França, nunca se ouviu falar de um traficante morto pela polícia num bairro periférico". Por isso, o cientista político Olivier Roy, que leciona no Instituto Universitário Europeu de Florença, identifica a atitude das forças da ordem como uma das principais causas que desencadearam a onda de violentos protestos no país. Mesmo que as raízes do problema sejam muito mais profundas.
A entrevista é de Danilo Ceccarelli, publicada por La Stampa, 02-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Professor Roy, como se deve interpretar o que está acontecendo hoje na França?
Em primeiro lugar, existe uma dimensão social. A maioria dos jovens que participaram dos tumultos é filha da imigração, talvez da segunda ou terceira geração, porque quem acaba de chegar à França não participa dos protestos. Nessa faixa da população são muitos aqueles que pertencem à burguesia. Por isso, as primeiras vítimas das revoltas são as classes médias muçulmanas, que veem suas lojas saqueadas e destruídas por estarem localizadas em zonas onde as desordens acontecem.
Você está dizendo que aqueles que participam dos motins foram excluídos da sociedade?
O elevador social na França funcionou parcialmente, deixando para trás algumas zonas que foram abandonadas pelo Estado. Então existe esse elemento social, onde quem está integrado não tem problema. Esse é o ponto central da questão.
Mas essa nova onda de violência começou depois que um jovem perdeu a vida durante uma blitz de trânsito.
Há 40 anos, todos as desordens que explodiram nos subúrbios tiveram como ponto de partida a morte de um jovem pela polícia. Não estou dizendo que são todos bons garotos, mas é um absurdo ver traficantes agindo tranquilamente naqueles bairros enquanto um jovem de 20 anos que cruza um sinal vermelho é morto pelos agentes.
Então tudo depende apenas da atitude violenta da polícia?
É o gatilho. Nos últimos 40 anos, nunca houve um verdadeiro esforço para a formação de uma polícia republicana, capaz de falar sem sacar imediatamente uma arma. Neste momento estamos numa situação semelhante àquela dos Estados Unidos. Por isso há um sentimento de profunda injustiça naquelas zonas: a polícia atormenta os jovens, mas nunca se envolve com os verdadeiros delinquentes. Além disso, existe um background que diz respeito ao estado de abandono em que se encontram aqueles bairros.
Eles quase pareceriam cortados do resto do país.
São áreas esquecidas pelo Estado. Mas ali vivem pessoas que trabalham, têm negócios, vão para as fábricas.
Não estamos falando de zonas reguladas por uma autoridade local, como as mesquitas por exemplo, pois em tal caso não haveria protestos. O verdadeiro problema está na falta de socialização que levou a uma atomização dos habitantes.
Mas por que nada está sendo feito para resolver a situação?
O problema foi identificado há mais de 20 anos, mas se tentou dar uma resposta com uma falsa política. Já na época da presidência de Nicolas Sarkozy foi traçado um paralelo entre as guerras de periferia e o terrorismo islâmico. Os distúrbios de 2005 foram islamizados, dizia-se que era uma questão ligada a uma série de fatores, como as mesquitas, por exemplo. Assim foi criada a ideia de que as revoltas nos bairros são obra de jovens jihadistas que ocasionalmente se revoltam. Mas não é isso: nenhum dos terroristas processados nos últimos anos jamais participou dos confrontos.
E isso levou a que?
Os muçulmanos foram estigmatizados, enquanto os aspectos sociais e geracionais de tais eventos acabaram sendo marginalizados.
Então o Islã não tem nada a ver com o que está acontecendo?
Zero. Isso seria como dizer que os tumultos afro-americanos nos Estados Unidos são protestantes ou católicos. Também porque aqui na França muitas vezes costumam se juntar aos tumultos black blocs e ambientalistas radicais. A prova também é dada pela marginalização dos imãs, que são todos contrários à violência, mas ninguém os ouve.
Nem mesmo sob a presidência de Macron nada foi feito algo para melhorar a situação?
Ele é um neoliberal, fala de empreendedorismo com os jovens da periferia. Ele os aconselha a criar seu próprio pequeno negócio ou uma start up. No final, é um modelo que os traficantes adotaram, com um sistema muito eficaz de venda de drogas!
Agora o governo recorre à violência para acalmar as tensões. Não há risco de uma escalada?
Estamos falando de uma desordem, não de uma insurreição. Daqui a uma semana, começará a se acalmar. Depois da chegada de Macron ao Eliseu, a França viu muitas, como aquelas dos coletes amarelos ou os mais recentes protestos contra a reforma da previdência. Com ele, a violência na França aumentou claramente, porque o sistema de solidariedade social foi destruído.
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França. “Polícia forte só contra os fracos, por isso as periferias explodem”. Entrevista com Olivier Roy - Instituto Humanitas Unisinos - IHU