17 Junho 2023
"O fracasso da CPI foi denunciado por lideranças da sociedade civil e jornalistas locais", escreve Sandoval Alves Rocha, SJ, doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos/RS, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (MG), membro da Companhia de Jesus (jesuíta), trabalha no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), em Manaus.
As investigações dos serviços de água e esgoto, iniciadas em fevereiro de 2023, foram abortadas depois que a concessionária propôs acordo com a CPI na Câmara dos Vereadores. A negociação entre a empresa e os parlamentares causou frustração na população que esperava um rigoroso inquérito sobre as irregularidades cometidas pela empresa e a sua responsabilização judicial. Mais uma vez, o poder econômico se sobrepõe à ética e à vontade popular, numa parceria abominável com os poderes públicos.
Com o acordão, evitou-se a investigação de inúmeras denúncias que poderiam desembocar no pedido de quebra do contrato de concessão. Entre essas denúncias destacam-se a utilização de recursos públicos nas obras da empresa privada, a falta de fiscalização da concessão, as cobranças irregulares, o descumprimento de metas contratuais, a devastação ambiental e o impacto na saúde pública, a falta de transparência na gestão do serviço público, o desabastecimento das periferias, a ausência dos serviços de esgotamento sanitário, o rompimento de adutoras e a violação do direito humano à água e ao saneamento.
O fracasso da CPI foi denunciado por lideranças da sociedade civil e jornalistas locais. Em artigo do Portal do Holanda (25/05/2023), o editor expressa a insatisfação de quem ansiava por justiça e maior empenho dos vereadores. Holanda afirma que os avanços foram escassos. Para ele “a CPI encerra tristemente, sem apurar o óbvio: a concessão concedida à empresa e suas antecessoras foi marcada por vícios que de certa forma ainda persistem. A privatização ‘vendida’ para a sociedade amazonense como solução para os problemas de abastecimento, se revelou uma expropriação de patrimônio público”.
O editor ainda aponta que a expansão dos serviços de água na cidade não foi financiada pela empresa, mas bancada pelo contribuinte. Mais uma vez o poder público transferiu para a concessionária o bônus, cabendo à população da cidade o ônus de um negócio que só foi bom para a Águas de Manaus. Se apurou que havia cobranças indevidas, cabia o ressarcimento dos valores cobrados de forma extorsiva dos consumidores. Cabia estabelecer multas. Cabia punir os administradores. Nada disso foi feito.
O jornalista conclui, então, que os objetivos que justificaram a criação da CPI não foram alcançados nem de perto. Infelizmente, um acordo que reduziu temporariamente a tarifa de esgotamento sanitário soterrou investigações valiosas que poderiam alterar a trajetória das políticas de saneamento da cidade. Ilegalidades patentes que prejudicam a população há décadas foram relegadas a um simples acordo com a empresa. Os vereadores não cumpriram com o prometido, fazendo vista grossa para as irregularidades da empresa. A concessionária saiu ganhando enquanto a população continuará padecendo sob o olhar indiferente do poder público.
Moradores e lideranças sociais não escondem a insatisfação com o desfecho da CPI da Águas de Manaus. Representante do Fórum Amazonense de Reforma Urbana reage ao término da CPI dizendo: uma tragédia! Pífio essa apresentação dos resultados da CPI. Um horror... Liderança do Movimento Nacional do Luta pela Moradia – MNLM - desabafa: É uma vergonha. Onde estão a Tarifa social e a Tarifa 10 para quem delas precisa? Onde está a anistia das dívidas de consumidores irregularmente cobrados? Outra liderança comunitária afirma: pagar pelo que não recebeu é crime! É o mesmo que o padeiro cobrar o pão que você não comeu.
Os direitos humanos à água e ao esgotamento sanitário permanecerão em último plano para dar lugar aos interesses rentistas da concessionária. Não há perspectivas de universalização dos serviços, pois os mais pobres não têm poder suficiente de pagamento. O Estado se omite diante da sua obrigação, permitindo que a exclusão social e a espoliação urbana sejam eternizadas. Nunca se viu uma parceria tão bem-sucedida: Estado e Mercado (Prefeitura e Águas de Manaus) se unindo contra a população visando o enriquecimento de uns poucos às custas da multidão de manauaras.
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Acordo desmantela CPI da Águas de Manaus que investigava irregularidades. Artigo de Sandoval Alves Rocha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU