30 Mai 2023
“A venda de ar limpo para – supostamente – compensar a poluição de indústrias sujas, como as do petróleo, gás, carvão, mineração, agroquímicos e outras, é um negócio florescente, cheio de atividades fraudulentas e violações de direitos”. A análise é de Silvia Ribeiro, em artigo publicado por Nodal, 29-05-2023. A tradução é do Cepat.
A venda de ar limpo para – supostamente – compensar a poluição de indústrias sujas, como as do petróleo, gás, carvão, mineração, agroquímicos e outras, é um negócio florescente, cheio de atividades fraudulentas e violações de direitos. No México existem e avançam projetos que tentam envolver nesses esquemas enganosos comunidades e territórios florestais e agrícolas comunais, que podem ser prejudicados de várias maneiras.
Uma reportagem investigativa do jornal The Guardian, do semanário Die Zeit e da organização Material Source mostrou que a maior empresa padronizadora de crédito de carbono do mundo (a estadunidense Verra/VCS), forjou resultados em 94% dos projetos analisados, criando “créditos fantasmas”. Os autores se basearam em entrevistas diretas e em três estudos da Universidade de Cambridge sobre dezenas de projetos da Verra.
A fraude revelou que esse mercado não faz nada para frear as mudanças climáticas e até mesmo as aumenta. Para as comunidades envolvidas, isso significa que os projetos ficam sem fundamento e, em muitos casos, são obrigados a enfrentar demandas por indenizações. O relatório denuncia violações de direitos humanos, incluindo a evacuação forçada de comunidades que habitavam as florestas, por exemplo, o projeto Alto Mayo no Peru.
A Verra é uma das empresas de padrões de verificação de carbono que está em tratativas com o governo mexicano para criar um mercado de carbono no país, juntamente com a estadunidense Climate Action Reserve e outras. No jogo do carbono mexicano existem outras como a intermediária Mexico2, “coiote” de bolsas financeiras, e ONGs “conservacionistas” como Pronatura, World Resources International (WRI), Conservation International, The Nature Conservancy, muitas vezes financiadas pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID).
Medir com precisão se uma floresta, um mangue ou outro ecossistema sequestra de forma permanente um determinado excesso de carbono gerado pelas indústrias é praticamente impossível, porque são sistemas biológicos dinâmicos e mutáveis, que interagem com seus habitantes e comunidades. Isso não tem impedido que a medição e verificação sejam negócios lucrativos: houve o desenvolvimento de registros, verificadoras, certificadoras e negociantes de carbono que tentam convencer que podem medir o imensurável e especulam com a geração de créditos, títulos ou compensações de carbono nas bolsas financeiras.
Em cada etapa do negócio há uma grande margem de incerteza, desde estabelecer quanto carbono já existia (linha base), o que ameaça esses estoques, formas de medir se há captura, quanto tempo é considerado “permanência”, quais planos de manejo florestal existem para afirmar que o carbono é “adicional” ao que existia, entre outros. A venda de créditos e compensações nos mercados financeiros é em si uma atividade especulativa, mais ainda seus mercados secundários. Os estudos citados pelo The Guardian e outros similares mostram que há uma enorme arbitrariedade em adequar o modo e a conveniência das empresas de registros e certificadoras de medição de linhas base e de créditos de carbono gerados, para favorecer o que é melhor para elas.
Supostamente para controlar as arbitrariedades, foram criados “padrões” internacionais. Mas quem define os padrões? As próprias empresas que se beneficiam, como a Verra, que é a maior do mundo no gênero com seu padrão VCS (Verified Carbon Standard), no qual se baseiam empresas, ONGs e governos.
Isso não apenas significa que são vendidos livremente às empresas para continuar contaminando e aumentando as mudanças climáticas, mas também é uma forma de enganar comunais e comunidades florestais e camponesas, que podem perder o controle de seus territórios e serem enganadas, questão sobre a qual dou exemplos em um artigo anterior (Colonialismo climático, La Jornada, 10-09-2022).
Os atores desse negócio estão à caça de novas comunidades florestais para seduzir e, como já foi feito antes com os programas de serviços ambientais, eles se apresentam às comunidades com formulários pré-preenchidos de supostas assembleias que não aconteceram, onde a comunidade solicita fazer parte do sistema de “reservas de ação climática” e registros de carbono por um período de 30 anos ou mais.
Também lhes entregam formulários que concedem poderes absolutos a intermediários para especular na bolsa de valores com os créditos futuros. Em alguns formulários indicam que qualquer responsabilidade por falhas ou erros dos projetos deve ser assumida pelas comunidades. Por exemplo, se houver um incêndio ou extração ilegal de madeira pelo crime organizado ou outros fatores, isso será cobrado da comunidade.
É útil retomar a experiência anterior de comunidades em programas REDD+ e pagamento por serviços ambientais, como no caso dos moradores do município de Santiago Lachiguiri, em Oaxaca. Formalmente mantiveram a propriedade da terra, mas perderam o controle sobre o seu território e não puderam exercer suas atividades tradicionais, que é o que lhes dá sustento e lhes permite manter suas florestas em excelentes condições. Eles assinaram um contrato de 5 anos, mas tiveram que entrar na Justiça para recuperar o controle.
Agora são contratos de 30 anos ou mais e os supostos créditos vão para o comércio internacional e/ou para empresas transnacionais, que poderiam processar não apenas as comunidades, mas até o Estado mexicano se houver fraudes e prejuízos. Negócios sujos que violam direitos e atrasam efetivamente o enfrentamento das mudanças climáticas.
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Vendas de ar: fraude e violência em mercados de carbono. Artigo de Silvia Ribeiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU