13 Abril 2023
"Um texto extremamente atual". O professor Vincenzo Buonomo, reitor da Pontificia Università Lateranense, não tem hesitações em definir a encíclica Pacem in terris de João XXIII.
A entrevista é de Enrico Lenzi, publicada por Avvenire, 12-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Muitos a definem como o testamento espiritual do Papa Roncalli. Concorda?
Certamente é um testamento espiritual, mas devemos enfatizar que é um testamento "pensado", isto é, escrito olhando para as situações que o próprio João XXIII viveu durante a sua vida. Encontramos aí uma capacidade de ler as situações, de interpretá-las e também de oferecer algum aspecto prático. Um pouco como ele se viu fazendo ao longo de seu ministério. Um convite, uma indicação oferecida a todos. Como não ver nisso o forte apelo ao "diálogo" como instrumento nas relações entre pessoas e entre Estados, com indicação clara também para as organizações internacionais, chamadas a garantir a “confiança” entre as partes.
Você se referiu às experiências vividas por Roncalli em sua vida. Alguns biógrafos, inclusive, encontram antecipações da encíclica nos escritos juvenis de Roncalli.
Eles estão certos. Muitas passagens da encíclica podem ser encontradas já acenadas, por exemplo, no Diário da Alma, que Roncalli escreveu durante sua vida. Podemos ler isso em muitas passagens de sua experiência como visitante apostólico na Bulgária e depois como delegado apostólico na Turquia e na Grécia, onde se vê tendo que abrir um diálogo com um mundo que até então parecia distante, se não mesmo fechado, ao catolicismo.
E, além disso, ter atuado como representante diplomático do Vaticano durante a Segunda Guerra Mundial, de onde deriva a ideia de que não devemos nos resignar nem mesmo antes das situações mais negativas. Além da missão nada fácil de núncio apostólico na França no pós-guerra. Também nesse período de sua vida demonstra uma capacidade de leitura e de diálogo, por exemplo, com a nascente realidade da Unesco, certamente não sobre posições próximas à Igreja, mas com as quais Roncalli soube abrir um diálogo construtivo. Bem, todas essas experiências vividas, mas sobretudo as ações para enfrentá-las, podemos encontrá-las nos quatro cenários que a encíclica oferece: as relações entre os seres humanos; a relação entre as pessoas e a autoridade; entre os Estados; e entre as Nações e a comunidade mundial.
O que diz esse texto de 60 anos atrás à Igreja de hoje?
Lembra a todos que a verdadeira paz requer corresponsabilidade. Que não é possível que cada comunidade tenha condições de enfrentar o dinamismo de hoje, de um mundo em rápida mudança. Que a justiça não consegue encontrar uma solução definitiva diante de uma realidade em constante movimento.
Retorna ao campo o convite ao diálogo, que é uma exigência da comunidade - ou como a define João XXIII, "família" - humana. E a Igreja diante de tudo isso não pode ficar parada assistindo.
O Papa Francisco muitas vezes citou a Pacem in terris em alguns de seus documentos, falando desta “guerra mundial feita em pedaços”. Que analogias existem entre o atual pontificado e aquele de João XXIII?
Em 2013, assim que foi eleito Papa, Francisco, recordando o 50º aniversário da encíclica, concluiu seu discurso perguntando se estávamos prontos para dar respostas ao que aquele texto pedia. Dez anos depois aqui estamos nós numa situação que evidencia como algumas questões críticas já apontadas pelo Papa Roncalli ainda estão presentes. Ambos os Pontífices sublinham a falta de estruturas internacionais realmente capazes de evitar os conflitos e gerir as crises. Persiste uma crise de autoridade, de capacidade de fraternidade, de solidariedade. Também nisto o Papa Francisco chama muitas vezes a atenção dos homens e das mulheres de hoje.
A Lateranense celebrará esse aniversário?
Será celebrado nos próximos dias 11 e 12 de maio com uma conferência em que não só recordaremos os pontos fundamentais da encíclica, mas também tentaremos apontar a nossa atenção sobre a prevenção e a gestão das soluções das crises, à luz do documento do Papa Roncalli. Será também uma oportunidade para recordar um de nossos reitores, o cardeal Pietro Pavan, que foi um colaborador próximo de Roncalli e participou da redação desse texto.
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Vincenzo Buonomo, reitor da Lateranense, explica: hoje como então, persiste uma crise de autoridade, de capacidade de fraternidade e solidariedade. E do ponto de vista internacional, faltam estruturas capazes de evitar os conflitos e gerir as crises.
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“Lembre a todos que a verdadeira paz requer corresponsabilidade”. Entrevista com Vincenzo Buonomo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU