01 Fevereiro 2023
O Papa Francisco ajeitou outra peça importante do governo da Igreja: aceitou a renúncia dada por limites de idade pelo prefeito do poderoso Dicastério dos bispos, órgão que administra as nomeações episcopais em todo o mundo, o cardeal canadense Marc Ouellet, de 78 anos. Francisco depois nomeou seu sucessor, Robert Francis Prevost, religioso agostiniano, 67 anos, natural de Chicago, mas bispo de Chiclayo, Peru, país onde passou muitos anos como missionário.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada por Domani, 31-01-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Prevost assumirá ao mesmo tempo o cargo de presidente da Pontifícia Comissão para América Latina, sempre no lugar de Ouellet. Uma mudança importante quando se considera que o cardeal de origem canadense, ocupava o cargo desde 2010, quando foi chamado por Bento XVI; era, portanto, um dos últimos "sobreviventes" do pontificado de Ratzinger em um posto-chave na cúria do Vaticano.
O novo prefeito, por sua vez, tem uma espécie de dupla identidade: estadunidense e latino-americana, sem contar que, como o papa, vem da vida religiosa (foi prior geral dos agostinianos). Ele também poderia se tornar cardeal, precisamente em virtude do cargo que ocupa, o que levaria aos EUA um novo cardeal provavelmente mais próximo da sensibilidade do Papa Francisco do que àquela tradicionalista dos líderes do episcopado de estrelas e listras.
Por fim, não se deve esquecer que Prevost foi escolhido por Francisco em 2020 como administrador apostólico da diocese de Callao, no Peru, até então governada pelo bispo José Luis del Palacio, espanhol, pertencente ao caminho neocatecumenal e em sintonia com o ex-arcebispo de Lima Juan Luis Cipriani, da Opus Dei, substituído por Francisco em 2019 e considerado um porta-estandarte da igreja reacionária, bem como um apoiador de governos de direita na América Latina pelos círculos eclesiais progressistas.
Novo prefeito do Dicastério dos bispos Robert Francis Prevost (Foto: Fray Jhonattan | Wikimedia Commons)
A chegada de Prevost ao Vaticano, um religioso experiente, que conhece bem a igreja norte e sul-americana e que, por pertencer à ordem agostiniana, teve possibilidade de cultivar uma ampla competência também em relação a outras realidades eclesiais, pode representar uma virada no governo da Cúria vaticana.
Ao mesmo tempo, termina a longa temporada de Marc Ouellet à frente do Dicastério dos Bispos. Com fama de conservador, o ex-arcebispo de Quebec havia inclusive sido envolvido recentemente em duas acusações distintas de assédio sexual contra duas mulheres; havia reagido às denúncias negando firmemente qualquer irregularidade e processando a primeira das duas acusadoras.
Segundo o que o Vaticano deu a conhecer, as investigações não teriam levado ao esclarecimento da validade das denúncias, porém é um fato que poucos dias após a divulgação da notícia do segundo caso de assédio (publicada pelo jornal francês Golias, e confirmada pela diocese de Québec), o papa decidiu aceitar a renúncia de Ouellet por ter atingido o limite de idade (75 anos, de acordo com a lei da igreja).
Enquanto isso, em 13 de janeiro, a primeira acusadora decidiu sair do anonimato revelando sua verdadeira identidade, renunciando assim à cobertura de que usufruía legalmente para sua própria proteção. "Não sou mais F., sou Pamela Groleau", revelou seu advogado à imprensa canadense. A mulher havia acusado o cardeal de assédio sexual em agosto passado e sua denúncia fazia parte de uma "ação coletiva" mais geral contra a arquidiocese de Québec por 130 vítimas de abusos por padres. Pamela Groleau, que afirma ter sido assediada pelo cardeal em várias ocasiões em 2008, explicou que até agora protegeu sua identidade "para proteger seus familiares, seu trabalho e sua saúde mental severamente testada pelos fatos".
Mas agora ela sente que "sua luta não é mais só sua" e que a igreja a que ela ainda pertence deve acolher melhor as pessoas que se declaram vítimas. “Gostaria de ver a igreja – disse – enfrentar os abusos em vez de negá-los e gostaria de ouvir a igreja acolher qualquer um que afirme ser uma vítima, com processos neutros, imparciais, independentes, rigorosos e profissionais”.
Ouellet entrou com um processo de difamação contra a mulher em dezembro, pedindo um ressarcimento de 100 mil dólares por danos morais. Na ocasião, o cardeal emitiu uma declaração na qual afirmava: “Na verdade, quero frisar, nunca cometi os atos de que me acusa a queixosa. Após uma investigação preliminar, o Papa Francisco considerou que não há elementos suficientes para iniciar uma investigação canônica por violência sexual contra mim. Tendo primeiro me assegurado de proteger o anonimato da queixosa, obtendo uma ordem nesse sentido, estou entrando com uma ação por difamação hoje nos tribunais de Québec para provar que as acusações feitas contra mim são falsas e restaurar minha reputação e minha honra."
Ex-prefeito do Dicastério dos bispos (no centro da imagem), Marc Ouellet, acusado de assédio sexual (Foto: Marcin Mazur CCN | Flickr)
“Nunca fui culpado de comportamentos condenáveis – acrescentou o cardeal – e muito menos daqueles contestados a outros membros do clero mencionados na ação coletiva. Essa associação inadequada, intencionalmente construída e amplamente divulgada para fins impróprios, deve ser denunciada."
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O papa retoma o Dicastério dos bispos. Acaba a era do ratzingeriano Marc Ouellet - Instituto Humanitas Unisinos - IHU