23 Dezembro 2022
Em 22 de novembro, cinco representantes da America Media, dos jesuítas estadunidenses, entrevistaram o Papa Francisco em sua residência em Santa Marta, no Vaticano. Eles discutiram uma série de questões, incluindo a polarização na Igreja dos EUA, o racismo, a guerra na Ucrânia e as relações do Vaticano com a China. Os comentários do papa sobre a ordenação de mulheres em particular atraíram uma forte resposta das leitoras. “O caminho não é apenas o ministério ordenado”, disse Francisco. “A Igreja é mulher. A Igreja é uma esposa. Não desenvolvemos uma teologia das mulheres que reflita isso”.
Confira os comentários enviados à revista America em resposta ao argumento do Papa Francisco contra a ordenação sacerdotal de mulheres.
Os comentários foram publicado por America, 21-12-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo
Finalmente, foi feita ao Papa Francisco a pergunta que sempre desejamos ouvi-lo responder – o que ele diria a uma mulher que sente a dor de um chamado ao sacerdócio sinceramente discernido e não realizado? Infelizmente, quando o editor executivo Kerry Weber fez essa pergunta pastoral, o papa não deu uma resposta pastoral. Em vez disso, ele deu um discurso teológico desajeitado sobre as teorias marianas e petrinas, que o católico médio seria perdoado por não saber de cor, e classificou as mulheres como criaturas com sentidos sobrenaturais para a administração da Igreja e que sabem farejar quando um padre é ruim.
A sugestão de Francisco de que “a mulher é mais, ela se parece mais com a Igreja, que é mãe e esposa” baseia-se em uma interpretação literal da “metáfora esponsal” que reduz a extravagância da relação com Deus e o discipulado a bonecos de plástico em um bolo de casamento. Não apenas um desserviço à imaginação católica, esse literalismo se torna uma ferramenta de opressão. O chamado ao sacerdócio vem de Deus, não das partes do corpo.
A defesa sinuosa do papa é insatisfatória para qualquer um que preste atenção aos movimentos da Igreja hoje. A falta de compreensão de Francisco sobre os dons ministeriais das mulheres contrasta fortemente com os relatórios do sínodo de todo o mundo, que refletem um anseio coletivo por mulheres no ministério.
O sínodo implorou à Igreja global para “alargar o espaço da tua tenda”. Não podemos continuar a permitir que a instituição construa muros com teologia ruim, decorados com vitrais de abstrações de mulheres, em vez de abrir espaço para encontrá-las como iguais encarnadas em Cristo.
Ass.:
Kate McElwee e Katie Lacz
Women's Ordination Conference
Os comentários do Santo Padre sobre a ordenação de mulheres deixam algumas coisas claras. As mulheres não são chamadas ao sacerdócio, mas nossos dons ainda são muito necessários, e não apenas ao redor da lareira ou no altar da paróquia. A influência das mulheres deve ser sentida em toda a Igreja. Ainda estamos no processo de discernir como isso deve acontecer.
É bonito contemplar a sugestão do Santo Padre de que as mulheres reflitam a própria Igreja em nossa feminilidade. É certo que é um pouco difícil entender as implicações disso para uma jovem tentando discernir sua vocação na vida, e confesso que também não entendo totalmente o que ele quer dizer quando fala sobre “o princípio mariano”. Eu entendo que nas sociedades modernas, as mulheres provaram que temos uma enorme variedade de dons, habilidades e interesses, muito mais do que geralmente é reconhecido historicamente. Acho que o Santo Padre também vê isso e está ansioso para aproveitar esses dons para construir o Reino de Cristo e salvar mais almas.
Portanto, precisamos rezar por maior sabedoria, individualmente e como Igreja. Não queremos absolutamente que as moças se sintam envergonhadas por ter uma ampla gama de dons, juntamente com um desejo sincero de servir à Igreja. No entanto, elas devem ser encorajadas a estarem abertas à graça e à orientação providencial, ao considerarem como Deus pretende que esses dons sejam usados. Não se trata de quebrar tetos de vidro, mas sim de construir um novo tecido muscular no corpo de Cristo.
Ass.:
Rachel Lu, editora associada da Law & Liberty.
As conversas sobre a vocação das mulheres na Igreja nunca parecem ir além do tema da ordenação sacerdotal. Embora existam certamente algumas mulheres que experimentam essa tensão, a maioria das pessoas – mulheres e homens – não experimenta o chamado ao sacerdócio. No entanto, repetidamente, voltamos ao mesmo tópico, embora a tradição e o ensinamento da Igreja Católica continuem a sustentar que as mulheres não podem ser ordenadas sacerdotes. Eu gostaria de mudar a conversa para algo que se aplica a todos nós.
Enquanto nos preparamos para celebrar o nascimento de Cristo, acontecimento que depende inteiramente de uma mulher, seria útil olhar para Maria, a mãe de Deus. No primeiro capítulo do Evangelho de Lucas, o anjo Gabriel aparece a Zacarias para lhe dizer que sua oração foi atendida: Ele terá um filho. Zacarias se recusa a acreditar. O anjo então aparece a Maria e lhe dá uma mensagem ainda maior: Ela se tornará a mãe de Deus e conceberá esta criança sem relações sexuais. Sua mensagem é muito maior, muito mais difícil de entender. E ela tem mais força do que Zacarias – um sacerdote! O futuro da humanidade – nosso futuro – dependia dela sim.
Em sua carta de 2004, “Sobre a colaboração de homens e mulheres na Igreja e no mundo”, o cardeal Ratzinger, o futuro Papa Bento XVI, disse que as mulheres têm um papel em todos os aspectos da sociedade e que nossa vocação é modelar para o mundo – incluindo os homens – como ser a Igreja, como ser a noiva de Cristo.
Isso significa que toda mulher, seja qual for seu estado de vida, é chamada a modelar uma realidade dinâmica um tanto nebulosa e difícil de descompactar. Como Maria, que foi a primeira professora de Jesus, somos chamados a ser os principais professores de todos, incluindo os homens, de como responder a Cristo.
Mas gastamos muito pouco tempo desvendando esse mistério, que nos ajudaria a viver vidas mais plenas. Logo depois do Natal, no dia 1º de janeiro, celebraremos a solenidade de Maria, a Mãe de Deus. Talvez no ano novo possamos passar um tempo desvendando o mistério que ela guarda para todos nós.
Ass.:
Pia de Solenni, jornalista, doutora em Teologia Moral, foi chanceler da Diocese de Orange, Califórnia.
Na entrevista com o Papa Francisco, os editores da America estavam certos em fazer uma pergunta sobre as mulheres na Igreja, já que no processo do sínodo global “quase todos os relatórios levantam a questão da participação plena e igualitária das mulheres” (nº 64). No entanto, os editores optaram por se concentrar nas mulheres e no sacerdócio, uma questão que muitas vezes nos leva a roteiros velhos e cansados e inflama a divisão e o desânimo.
Que perguntas podem abrir um caminho mais amplo para caminharmos juntos? O documento de trabalho do sínodo (“Alarga o espaço da tua tenda”), que foi totalmente endossado pelo Papa Francisco, identifica três áreas específicas para o discernimento – mulheres no governo, mulheres na pregação e o diaconato feminino.
A Igreja tem uma história documentada de ordenar mulheres ao diaconato. O tema surgiu no Sínodo da Amazônia em 2019 e os presidentes de pelo menos três Conferências Episcopais (Austrália, Bélgica e Alemanha) o apoiam.
Embora o sacerdócio possa estar enraizado na “Igreja petrina” de que fala o papa, o diaconato surgiu em resposta às necessidades pastorais da Igreja primitiva e incluía mulheres. Talvez possamos imaginar o diaconato como parte de uma igreja sinodal onde o Espírito derrama dons “sobre toda a carne” (Atos 2, 17) e os líderes da Igreja encorajam os fiéis a “receber” mulheres como diáconas como São Paulo fez com o cristão comunidade em Roma (Romanos 16, 1-2).
Ass.:
Casey Stanton e Ellie Hidalgo
Diretoras da organização Discerning Deacons
O debate sobre a ordenação de mulheres está paralisado por campos polarizados. De um lado, há quem veja o sacerdócio exclusivamente masculino como uma instituição patriarcal que deve ser desmantelada para dar lugar às mulheres. Por outro lado, há aqueles que têm tanto medo de tal desmantelamento que resistem instintivamente às tentativas de expandir o papel das mulheres na igreja. Ambos os lados estão dizendo não: ou “não” à longa tradição e teologia da Igreja, ou “não” à elevação da influência das mulheres.
Em vez disso, como seria dizer “sim” – afirmar tanto o sacerdócio masculino, incluindo a teologia da qual depende, quanto a real necessidade de orientação das mulheres em todos os níveis da Igreja?
Esta, creio eu, é a possibilidade aberta pelas recentes observações do Papa Francisco. Há uma terceira opção para sair do impasse: uma reforma estrutural que se apoie nas distinções teológicas das dimensões petrina e mariana da Igreja, com o objetivo de fortalecer cada uma delas e cultivar uma complementaridade visível e robusta entre elas. O Papa Francisco fala do “carisma da mulher”. Como seria dar a esse carisma uma presença institucional, um corpo totalmente distinto do sacerdócio – uma comissão de mulheres, leigas e religiosas, que assessorasse a Santa Sé em assuntos relativos particularmente às mulheres, e cuja presença pudesse ajudar a neutralizar o insularidade de uma hierarquia totalmente masculina?
As recentes reformas de Francisco na Cúria Romana abriram as portas para não-clérigos (leigos e religiosos) supervisionarem os dicastérios dentro do Vaticano; ele também elevou a presença de mulheres em cargos administrativos. No entanto, o princípio mariano, que Francisco destaca ao lado do princípio petrino, não tem uma expressão institucional clara na atual estrutura da hierarquia da Igreja.
Como seria criar um? Não como concorrente do sacerdócio, mas como seu complemento? Tal sinergia visível não abandonaria a teologia fundamentada do mistério nupcial; ao contrário, aprofundaria nossa fidelidade a ele.
Ass.:
Abigail Favale, professora do Instituto McGrath para a Vida da Igreja na Notre Dame University.
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“O chamado ao sacerdócio vem de Deus, não das partes do corpo”: reações aos comentários de Francisco sobre a ordenação de mulheres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU