16 Dezembro 2022
Duas lideranças indígenas, ligadas ao agronegócio, estão no epicentro dos protestos golpistas em Brasília. Bolsonaristas, eles não aceitam o resultado das eleições presidenciais. Um deles, o cacique mato-grossense Rony Pareci, leu uma carta aberta no Congresso cobrando que o presidente Jair Bolsonaro (PL) e as Forças Armadas se pronunciem a favor da anulação da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O outro é José Acácio Serere Xavante, conhecido como cacique Tsererê, que foi preso na noite de segunda-feira (12), data da diplomação de Lula. Após a prisão do indígena Xavante, atos violentos eclodiram na capital federal. Aliados do presidente tentaram invadir a sede da Polícia Federal e incendiaram carros.
A reportagem é de Keka Werneck, publicada por Amazônia Real, 14-12-2022.
Rony Walter Azoinayce Pareci é cacique da aldeia Wazare, na Terra Indígena (TI) Utiariti, entre Campo Novo e Sapezal, no Mato Grosso. O personagem que agora aparece ao lado de extremistas bolsonaristas é filho de Daniel Matenho Cabixi, uma liderança já falecida, em 2017, e respeitada pelo povo Pareci e também pelo movimento indígena. Pai e filho eram muito próximos. No velório de Daniel, foi Rony quem discursou: “Viajou ao encontro de Enore, o Criador”.
O pai dele foi destaque internacional, em 1979, quando a ditadura lhe negou o visto para o México, onde participaria da 3ª Conferência dos Bispos Latino-Americanos, a convite do então papa João Paulo II. Quem narra essas passagens é o professor amazonense José Ribamar Bessa Freire, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), que coordenou durante 30 anos o Programa de Estudos dos Povos Indígenas (Proindio), e tem uma longa trajetória como indigenista.
Ao seguir os passos do pai, Rony caminhou junto do movimento indígena, como relata a presidente da Federação Dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), a Eliane Xunakalo, do povo Bakairi.
“Ele já esteve na linha de frente conosco, mas o bolsonarismo ficou muito radical, aprofundando divergências. Então o que ocorreu foi o distanciamento de Rony. Mas temos a esperança de ainda dialogarmos. Não podemos negar sua história, não vamos subjugá-lo e de forma alguma atacá-lo. Cada um é livre para tomar seus rumos, vivemos em um país democrático”, afirma Eliane. Ela considera ainda outros motivos para essa guinada ideológica, tais como as dificuldades financeiras e a história de plantio no cerrado.
Rony Pareci com apoiadores de Bolsonaro | Reprodução/Redes sociais
Eliane acaba de ser eleita presidente da Fepoimt. A votação foi realizada na assembleia dos povos de 5 a 9 deste mês. Nessa eleição, indígenas ligados a Rony, ao agronegócio e ao presidente Bolsonaro tentaram “ganhar a Fepoimt” como espaço político de poder. “Em um determinado momento, eu perdia por 60 votos. Achei que não ia dar, porém sou grata ao apoio do cacique Raoni (Metuktire), que me fortaleceu muito”. Já o cacique Rony não esteve presente na assembleia da Fepoimt, mas seu grupo fez questão de apoiar o candidato de oposição, Valdemilson Umutina.
Apesar das divergências, Eliane defende a união dos povos indígenas. “A corda sempre arrebenta do lado mais fraco, o nosso lado. Veja essa situação em Brasília. Quem foi preso? O cacique Tsererê. Foi ele que queimou os carros e ônibus sozinho? Cadê a responsabilização de quem está financiando esses atos de vandalismo? Não concordo com o que os parentes estão fazendo, quero deixar isso bem claro. Mas quem agora está exposto na mídia? São os fazendeiros envolvidos nesses atentados? Qual o nome deles? Qual a cara deles? E o que querem com a gente (indígenas). Querem é regularizar o plantio em nossos territórios”, desabafa.
A prisão por 10 dias de Tsererê foi determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ato que deflagrou a revolta dos bolsonaristas em Brasília. Cacique, Tsererê é pastor evangélico e disputou a prefeitura de Campinápolis em 2020 pelo partido Patriota, de sustentação de Bolsonaro, mas não se elegeu.
Em Brasília, Tsererê foi financiado pelo fazendeiro Didi Pimenta, de Araçatuba (SP), que tem propriedade em Campinápolis (MT). O próprio financiador confirma, em vídeo que circula pela internet, que passou dinheiro via PIX a ele e outros indígenas.
Com essa situação, o indígena Nedino Cintra Nascimento Maizokie, também do povo Pareci, outra liderança indígena de Mato Grosso, afirma que Rony está “sujando” o nome da etnia. Nedino mora na aldeia Jatobá, na TI Rio Formoso, em Tangará da Serra (MT).
“Falem por si e não por todos nós. Vocês são minoria. A maioria somos nós e sabemos muito bem que temos é que buscar melhorias para nosso povo e o bolsonarismo não defende a nossa pauta”, afirma. “O que temos que fazer é dialogar com todos os governos, sempre atentos, porque homem branco nenhum gosta de nós. Por isso só devemos brigar por nós e não entre nós e não ao lado de quem é contra nós.”
Nedino é membro da Associação Halitinã, que emitiu nota de repúdio dia 25 de novembro, contra bloqueios na rodovia MT-235, em Tangará da Serra. “Como entidade representativa das 46 aldeias Pareci, a Associação Halitinã vem a público expressar sua reprovação e indignação com as ações de bloqueio na MT-235, a rodovia que passa no âmbito do território indígena (…) por grupos que visam atentar contra a democracia, pelo inconformismo com o resultado das eleições democráticas”, afirma a nota.
Nedino Cintra Nascimento Maizokie | Foto: Condisi
Mato Grosso possui oito territórios do povo Pareci e um total de 73 aldeias, onde vivem mais de 3 mil pessoas. Nedino afirma que o bolsonarismo só se aproximou dos indígenas por ter interesse nesses territórios, com o discurso de expandir o plantio nestas áreas. “Fico triste e irritado, evito até de ver notícias sobre isso, porque nós, Pareci, nunca tínhamos sido usados pela política dessa forma”, diz.
Símbolo dessa aproximação considerada interesseira de fazendeiros aos indígenas é uma cooperativa criada pelo Sindicato Rural de Primavera do Leste, do Mato Grosso. A Cooperativa Indígena Sangradouro/Volta Grande (Cooigrandesan), do povo Xavante, é resultado de uma parceria entre o governo de Mato Grosso com o sindicato e a Fundação Nacional do Índio (Funai). O projeto é denominado Independência Indígena, porém divide opiniões. Os contrários defendem que, ao invés de independência, isso é uma forma de invasão e dominação amistosa. A região é forte no agronegócio e faz um cerco ao território Xavante.
O governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), reeleito apoiando e sendo apoiado pelo bolsonarismo, vê com bons olhos essa prática de aliança com indígenas. Mendes levou Rony Pareci à COP27, no Egito, realizada de 6 a 18 de novembro, para tentar limpar a imagem de seu Estado, mundialmente apontado como um dos responsáveis pelo desmatamento na Amazônia.
Procurado pela reportagem da Amazônia Real, Rony esquivou-se de explicar seu apoio ao golpismo. “Não estou com cabeça para falar disso. Temos coisa mais relevante para pensar a nível de País”, limitou-se a responder.
Bolsonaro e José Acácio Tserere Xavante | Foto: Reprodução/Redes sociais
Em um vídeo gravado nesta terça-feira (13), e postado na rede da fotógrafa Rosa Gauditano, 80 líderes das aldeias Xavante das Terras Indígenas Pimentel Barbosa, Areões e Marãiwatsédé, todas no estado do Mato Grosso, os indígenas declaram não apoiar as ações de José Acácio Tsererê. “Ele já foi preso antes e não representa a nação Xavante”.
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Indígenas bolsonaristas apoiam golpismo em Brasília - Instituto Humanitas Unisinos - IHU