02 Dezembro 2022
Na Itália, os padres homossexuais não querem mais se esconder e o dizem em um documento. O texto, que se intitula Com todo o coração e foi apresentado em setembro durante o curso para agentes pastorais em Bolonha, está circulando entre as bancadas do sínodo italiano, o processo de reforma da Igreja Católica desencadeado pelo Papa Francisco até 2023.
A reportagem é de Marco Grieco, publicada por Domani, 01-12-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Enquanto o senador de FdI, Lúcio Malan, tira a poeira do Levítico para condenar a homossexualidade, a resposta ideal à política que manipula a religião chega exatamente de cinquenta sacerdotes que criticam sua igreja, onde "o silêncio aparece como a única forma de sobrevivência".
Depois da posição assumida pelo chefe dos bispos alemães sobre questões como a bênção dos casais homossexuais, na Itália são os sacerdotes que pedem uma mudança: “Não podemos falar abertamente sobre a nossa orientação homossexual com a nossa família, os amigos e as amigas; muito menos com outros padres ou leigos empenhados. A Igreja não é um contexto onde encontrar uma acolhida imediata, especialmente para nós”. Palavras fortes, que colocam sob o raio-X um ambiente onde a homofobia internalizada pelas hierarquias fere a psique dos padres: “Vive-se uma dolorosa laceração entre como nos descobrimos, criados por Deus, e o que os outros esperam de nós”.
A igreja italiana carece de uma pesquisa sobre os padres como aquela lançada pela Conferência Episcopal Francesa em 2021: das mais de 2.000 respostas enviadas por presbíteros com menos de 75 anos, surgiu que 9% - ou seja, 239 padres - estão deprimidos. 40 por cento deles não se sentem gratificados, muitas vezes entram em conflito com hierarquias ou têm uma carga de trabalho que causa uma síndrome de burnout. O relatório francês revela que 2 em cada 5 padres abusam do álcool e 8% são dependentes. São sinais importantes, que revelam um desconforto pessoal. A investigação francesa foi de fato lançada pelo sétimo suicídio de um sacerdote em 4 anos.
Diante da falta de dados sobre a saúde mental dos padres italianos, a sua carta fala hoje: “Muitas vezes somos obrigados a renegar a nós mesmos em nome de uma espiritualidade hipócrita, com efeitos devastadores. Ouvimos histórias de pessoas consagradas dilaceradas pela culpa, a ponto de deixar a vida sacerdotal e, em alguns casos, tirar a própria vida: uma terrível tentação, também para alguns de nós”.
O psiquiatra Raffaele Iavazzo falou sobre isso na revista Il Regno: “Antes ao psicólogo clínico se solicitava fazer um diagnóstico por certos distúrbios nos quais a homossexualidade emergia lentamente. Hoje muitos padres homossexuais vêm ao meu consultório e sua narração se torna cada vez mais transparente e consciente; usam uma linguagem direta, como quem assumiu o leme do seu próprio barco e o dirige com aparente segurança em águas que, por outro lado, pelo menos em teoria, são agitadas por muitas declarações de princípio”.
Para os padres homossexuais, portanto, o caminho sinodal se torna uma oportunidade de diálogo com uma Igreja que sempre teve uma “palavra dura” sobre a homossexualidade e o sexo em geral, a começar pelos seminários. Com efeito, é na formação dos jovens sacerdotes que a refratariedade da instituição eclesiástica provoca o desentendimento interior do padre homossexual. É visada a Ratio de 2016, o documento que regulamenta a admissão ao sacerdócio atualizado sobre a Instrução sobre os critérios de discernimento vocacional em relação às pessoas com tendências homossexuais, aprovada em 2005 pelo Papa Bento XVI: “A motivação, que parece estar baseada em dados psicossociais, na realidade não tem e não pode ter outro fundamento senão o de um preconceito superficial e as nossas histórias o testemunham".
Esse é um ponto essencial, que supera o ceticismo muitas vezes expresso por Bergoglio sobre a suposta ideologia de gênero e ainda invocado por altas figuras da Igreja: há alguns dias, o cardeal Wim Eijk pediu que o papa emitisse uma encíclica contra essa suposta deriva ideológica. É a sua voz contra a de tantos padres italianos que, depois de anos de silêncio sofrido, traçam hoje uma análise implacável daqueles “padres gays homofóbicos, que descarregam para fora o conflito que têm dentro de si; não expressam paz, mas vivem um ministério distônico sufocando seu ser com o clericalismo".
O fenômeno italiano também é único, porque nas Igrejas locais as instâncias são levadas adiante pelos bispos: na Igreja italiana, porém, o desejo de mudança vem de baixo, onde o sacerdócio é vivido como um ministério aberto à liberdade do Espírito.
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Sínodo, a “saída do armário” dos padres italianos: “Contra nós, a Igreja só tem palavras duras” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU