22 Novembro 2022
"Mas esse é o tempo de darmos novos passos. Não se trata de criar algo totalmente novo nem muito menos simplesmente repetir as experiências frutuosas. É bem mais aprender com elas para criativamente, a partir do que o Espírito semeia na história, nos renovarmos como seguidores de Jesus para sermos mais fiéis ao Evangelho e melhor servir na construção do Reino de Deus", escreve Joaquim Jocélio de Sousa Costa, Graduando em teologia pela Faculdade Católica de Fortaleza e seminarista da Diocese de Limoeiro do Norte.
A palavra sinodalidade, que até bem pouco tempo não era muito usada em nosso vocabulário teológico, é agora tema principal das nossas reflexões e debates pastorais. Ela vem da palavra “sínodo” e significa “caminhar juntos”. “A sinodalidade expressa a natureza da Igreja, a sua forma, o seu estilo, a sua missão” (FRANCISCO, 2021b). Por isso seu sentido não é propriamente novo, embora precise ser constantemente redescoberto e assumido criativamente, pois afinal, muitas vezes as estruturas eclesiais mais dificultam que ajudam o caminhar juntos do povo de Deus.
O papa Francisco propôs um caminho sinodal querendo que a Igreja dê novos passos na sua renovação eclesial para ser cada vez menos uma Igreja autorreferencial (EG 94-95) e cada vez mais uma Igreja em saída para as periferias (EG 20, 30, 49). Assumiu um organismo que já havia recebido novo vigor com o Concílio (o Sínodo) e deu-lhe outro formato. Essa assembleia para pensar a caminhada da Igreja, começou dessa vez fundamentalmente a partir das bases, através de uma grande escuta ao povo de Deus de todas as dioceses do mundo, incluindo pessoas de outras Igrejas, outras religiões e até pessoas sem vinculação religiosa. Francisco assume assim que não só o Espírito age em qualquer grupo ou pessoa que se abre a Ele, como através delas o Espírito tem uma palavra para a Igreja.
Mas algo importante a destacar é que os primeiros a serem escutados devem ser os pobres, pois “estes têm muito para nos ensinar. A nova evangelização é um convite a reconhecer a força salvífica das suas vidas, e a colocá-los no centro do caminho da Igreja” (EG 198). Por isso, a sinodalidade não é um caminhar juntos para qualquer lugar. É saída para onde fundamentalmente Deus está, e como nos recorda Francisco (2021a), ao Senhor “não O encontramos quando e onde queremos, mas reconhecemo-Lo na vida dos pobres, na sua tribulação e indigência, nas condições por vezes desumanas em que são obrigados a viver”. Logo, a sinodalidade não pode ser entendida fora desse caminhar em saída para as periferias.
E nesse sentido, a Igreja da América Latina tem profundas e avançadas experiências sinodais intimamente ligadas à vida dos pobres. As Conferências do Episcopado Latino-Americano expressam bem isso. Inclusive, recentemente, Francisco (2022) afirmou que a “‘comunhão’ e a ‘participação’ foram as categorias-chave para a compreensão e implementação da III Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, realizada em Puebla” e afirmou ainda que “além dos documentos, é a própria realidade pastoral da Igreja Latino-Americana que me incentiva a pensar nela como uma experiência na qual a sinodalidade há muito se enraizou”. De fato, foram muito frutuosas as experiências sinodais em nosso chão: CEBs, leitura popular da bíblia, conselhos pastorais, teologias da libertação, Assembleia dos Organismos do Povo de Deus, envolvimento nas lutas sociais, maior participação dos leigos (especialmente das mulheres) etc.
Mas esse é o tempo de darmos novos passos. Não se trata de criar algo totalmente novo nem muito menos simplesmente repetir as experiências frutuosas. É bem mais aprender com elas para criativamente, a partir do que o Espírito semeia na história, nos renovarmos como seguidores de Jesus para sermos mais fiéis ao Evangelho e melhor servir na construção do Reino de Deus. Precisamos assumir os novos meios de comunicação para contribuir com uma evangelização mais sólida do nosso povo; investir mais na formação dos agentes de pastoral; promover a dimensão profética das devoções populares; insistir sempre que “cada um dos batizados, independentemente da própria função na Igreja e do grau de instrução da sua fé, é um sujeito ativo de evangelização” (EG 120).
De qualquer modo, o caminho evangelicamente seguro para isso é sempre começar a partir dos pobres. Como já foi dito, suas vidas têm muito a nos ensinar. Sua alegria sempre contagiante, apesar de tantos desafios e sofrimentos; sua solidariedade mesmo tendo tão pouco; sua determinação mesmo diante de tantos “nãos” e tantas portas fechadas; sua vida oprimida que sabe muito bem o que é a força da centralização e do autoritarismo; sua sabedoria para viver com tão pouco e ainda afirmar que vale a pena viver e lutar. Tudo isso nos ajuda a ser uma Igreja de autêntica comunhão e participação, onde reine a partilha, a simplicidade, estilos de vida austeros, a alegria; uma Igreja que vença os moralismos e rigorismos. Só a partir dos últimos seremos uma Igreja verdadeiramente sinodal. É isso que nos ensina Francisco (2015):
“Que posso fazer eu, recolhedor de papelão, catador de lixo [sic], limpador, reciclador... artesão, vendedor ambulante, carregador, trabalhador irregular... Camponesa, indígena, pescador?... Vós, os mais humildes, os explorados, os pobres e excluídos, podeis e fazeis muito. Atrevo-me a dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas vossas mãos... Não se acanhem!”.
FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual (EG). São Paulo: Paulinas, 2013.
FRANCISCO, Papa. Discurso no II Encontro Internacional com os Movimentos Populares. 09 de julho de 2015. Acesso em 15 de abril de 2021.
FRANCISCO, Papa. V Mensagem para o Dia Mundial dos Pobres. 13 de junho de 2021. Acesso em 28 de maio de 2021a.
FRANCISCO, Papa. Discurso aos fiéis da Diocese de Roma. 18 de setembro de 2021. Acesso em 07 de outubro 2021b.
FRANCISCO, Papa. Mensagem de vídeo por ocasião da plenária da Pontifícia Comissão para a América Latina, 26 de maio de 2022. Acesso em 28 de maio de 2022.
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Francisco e a sinodalidade: Caminhar juntos para as periferias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU