18 Novembro 2022
Falta pouco para o início da Copa do Mundo de futebol masculino, no Catar, e não se para de falar sobre escalações, seleções favoritas e apostas em finalistas. O país anfitrião quase alcançou seu objetivo: uma lavagem de imagem capaz de acobertar as violações de direitos humanos sofridas cotidianamente por mulheres, pessoas migrantes, imprensa e coletivo LGBTI. A FIFA, outras federações nacionais e alguns meios de comunicação contribuíram para essa lavagem.
A reportagem é de Víctor López, publicada por Público, 17-11-2022. A tradução é do Cepat.
Não obstante, os códigos de conduta que regem o emirado deixam bem claro o que é permitido e o que não é, o que é moral e o que não é de forma alguma. As autoridades catarianas lembram incisivamente suas normas e restrições diante da celebração esportiva, ao mesmo tempo em que compram o silêncio dos visitantes e torcedores mais maleáveis.
Esta é a lista de direitos humanos fundamentais que o Catar, um dos territórios mais conservadores e ricos do mundo, ainda não reconhece.
A população do Catar está profundamente descompensada. Enquanto os homens constituem 75% do censo, as mulheres representam um pobre 25%. Sem dúvida, os homens valem mais na monarquia ultraconservadora do emirado. Por valer, valem em tudo.
Elas não podem fazer nada sem a permissão e a aprovação de um homem. Nem estudar no exterior, nem se casar, nem acessar determinados empregos. Também não podem viajar para outros países, nem receber tratamentos de saúde reprodutiva. As mulheres no Catar vivem na mais absoluta submissão, dependentes para tudo da tutela de um sujeito masculino.
A figura do dono e proprietário é ocupada primeiro pelo pai. Em sua falta, pelo avô, o tio ou o irmão mais velho. No Catar, qualquer homem vale para controlar uma mulher. Uma vez que se casam, a tutela passa para as mãos de seus maridos.
No casamento, a legislação continua discriminando as mulheres, que sofrem agressões e são subestimadas. Caso se atrevam a pedir o divórcio, precisam superar uma dura série de obstáculos. Aquelas que alcançam o objetivo, recebem o troféu em forma de vingança: ficam sem a guarda de suas filhas e filhos.
As mulheres catarianas não podem nem se vestir como querem. Em público, são obrigadas a usar o hijab, um véu para cobrir a cabeça e o peito. Aquelas que demonstram um gesto mínimo de rebeldia sofrem represálias, bem como as que ficam grávidas fora do casamento, que são levadas a julgamento e correm o risco de acabar apedrejadas. Os homens, ao contrário, têm a permissão de se casar até quatro vezes.
No Catar, as relações entre pessoas do mesmo sexo também não são permitidas. No artigo 296 de seu Código Penal, são qualificadas como “sodomia ou depravação”. O coletivo LGBTI sofre perseguições, assédio e desrespeitos de forma arbitrária. Ser homossexual no emirado é considerado um crime, punido com até sete anos de prisão. No Catar, por lei, preferem a homofobia.
De fato, há algumas semanas, Khalid Salman, embaixador da Copa do Mundo, disse em uma entrevista para a televisão pública alemã que a homossexualidade é um “dano mental”. Ele lançou o dardo sem nenhum tipo de pudor. Na sequência, lembrou que no país anfitrião há algumas normas e que “todos devem cumpri-las”.
As pessoas migrantes sofrem abusos e exploração no trabalho de forma autorizada. A kafala é o sistema de trabalho predominante no Catar e em outros países do Golfo Pérsico. Consiste em um modelo de patrocínio que mantém os trabalhadores legalmente vinculados às suas empresas ou empresários.
Não podem atravessar as fronteiras do emirado sem um patrocinador que supostamente os apoie. Uma vez que conseguem, ficam à sua mercê. Têm dificuldades em mudar de emprego e não podem deixar o país prontamente. Precisam da autorização de seus hierarcas para praticamente qualquer movimento.
Além de trabalharem de segunda a domingo, sem medidas de segurança e sob temperaturas extremas, vivem amontoados em acampamentos que as próprias empresas colocam à sua disposição. São moradias comuns, onde dividem um quarto com até oito pessoas, sem higiene e proteção.
Este sistema recebeu inúmeras denúncias e as autoridades catarianas haviam se comprometido a eliminá-lo em 2018, mas tudo indica que continua dominando os cânones do trabalho e dando margens ao despotismo dos magnatas.
A liberdade de expressão também é restrita no país asiático. Os xeiques catarianos não gostam das vozes discordantes. A legislação é tremendamente abusiva nesse sentido e não há escrúpulos na hora de perseguir qualquer posicionamento crítico. São notórias as prisões e as crueldades cometidas contra jornalistas e ativistas de direitos humanos que atuam no Catar.
Agora que a Copa do Mundo se aproxima, o país anfitrião tenta comprar o silêncio dos torcedores estrangeiros, oferecendo viagens gratuitas e ingressos para as partidas. Mas neste mundo não há nada de graça e a moeda de troca tem um valor incalculável: sua cumplicidade.
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Esses são os direitos humanos que o Catar não respeita (nem durante a Copa do Mundo) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU