16 Novembro 2022
Os bispos alemães se encontram com o Papa e conversam com ele sobre o projeto de reforma "Caminho Sinodal". O bispo de Aachen, Helmut Dieser, adverte em uma entrevista à DW: “Não devemos ignorar a voz do povo de Deus”.
O bispo de Aachen, Helmut Dieser, pede uma nova visão da Igreja Católica sobre a sexualidade e a homossexualidade. "O sentimento e o amor pelo mesmo sexo não são uma aberração, mas uma variante da sexualidade humana", afirma o bispo em entrevista à Deutsche Welle em Aachen. De 14 a 18 de novembro, Dieser está no Vaticano com os outros bispos alemães e com o Papa Francisco. Na entrevista, ele diz o que quer levar ao chefe da Igreja.
A entrevista é de Srecko Matic e Christoph Strack, publicada por Deutsche Welle, 08-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Helmut Dieser (60), bispo de Aachen há seis anos, é um dos 27 bispos católicos da Alemanha. Anteriormente, foi bispo auxiliar em Trier por cinco anos. Na Conferência dos Bispos Alemães, ele foi recentemente Comissário para Assuntos relativos aos Abusos Sexuais. No “Caminho Sinodal”, processo de reforma da Igreja Católica na Alemanha iniciado pelo escândalo dos abusos, iniciado no final de 2019, o bispo lidera o Fórum Sinodal 4 junto com a vice-presidente da ZdK Birgit Mock, que trata com o tema “Sexualidade e parceria”.
D. Dieser, a guerra na Europa já dura muitos meses. As pessoas estão preocupadas com o futuro. O que tudo isso causa no senhor?
Estou realmente preocupado. Também pelo fato de ainda não termos atingido a crise em seu clímax. Nossas sociedades estão enfrentando desafios muito grandes. Espero que uma coisa esteja clara: que todos precisamos uns dos outros juntos para viver. E que nós, como Igreja, possamos contribuir para esta comunhão da humanidade.
No momento, fala-se muito em apoiar a Ucrânia por meio das armas. Fala-se demais? O senhor tem a impressão de que não nos empenhamos em ações diplomáticas?
Quando uma potência mundial como a Rússia inicia uma guerra desse tipo contra um vizinho mais fraco, isso basicamente torna a diplomacia impossível. É preciso aceitá-lo, não importa o quão doloroso seja. A Ucrânia tem o direito de se defender militarmente. E para isso, precisa do nosso apoio. Em essência, não está apenas defendendo seu próprio país, mas também nós, da Europa ocidental, e nossos valores.
As controvérsias políticas na Alemanha estão cada vez mais acirradas, devido à guerra, mas também devido a possíveis restrições. O senhor às vezes se sente preocupado pela democracia parlamentar?
Sim. A democracia vive do fato de que existem convicções comuns e valores básicos. E quando esses fundamentos são contestados de maneira cada vez mais dura, a democracia é invalidada. Todos nós precisamos estar vigilantes e chamar as coisas pelo nome que têm muito em breve. Nisso, a Igreja deve ser um chamado à compreensão democrática de base.
No entanto a própria Igreja católica está num estado de convulsão - as palavras-chave Caminho Sinodal e reformas. No exterior, os esforços da Igreja na Alemanha às vezes são vistos com ceticismo. O que vocês gostariam de obter?
O Caminho Sinodal é, afinal, uma consequência da descoberta dos escândalos sobre os abusos. E estudos científicos confiáveis demonstram que esses escândalos têm origens sistêmicas na Igreja. Isso levou a perguntas que há muito pedem uma resposta. Isso se aplica, por exemplo, à avaliação da sexualidade humana. Respostas que acompanham os tempos estão aguardadas há tempo.
O que significa "que acompanham os tempos"?
O estado atual do ensinamento da Igreja não faz justiça a certas realidades no âmbito da sexualidade humana. É simplesmente pouco complexo. Isso vale, por exemplo, para a questão da homossexualidade. Não podemos dar às pessoas homossexuais a resposta de que seus sentimentos não são naturais e, portanto, devem viver uma vida celibatária. Como Igreja, devemos responder a essas perguntas novamente.
O senhor afirmou recentemente que a homossexualidade é desejada por Deus. O que quis dizer com isso?
A homossexualidade - como a ciência demonstra - não é uma falta, não é uma doença, não é a expressão de um defeito e nem mesmo é consequência do pecado original. Então devo dizer: o mundo é colorido e a criação é variada. E também posso aceitar uma diversidade na área da sexualidade que é desejada por Deus e não viola a vontade do Criador.
Deus não tem nada contra um homem que ama outro homem ou uma mulher que ama outra mulher?
O sentimento e o amor para pessoas do mesmo sexo não são uma aberração, mas uma variante da sexualidade humana.
Se até as pessoas que não são heterossexuais são desejadas por Deus, então a Igreja pode mostra-lo a elas as abençoando ou acompanhando?
Sim, ambas as coisas são muito importantes. E o cuidado pastoral para todas as pessoas inclui a promessa: Deus ama você como você é, e assim como você é agora, você é aceito. Porque esta é a possibilidade da vida: ser você mesmo e crescer. Isso vale tanto para as pessoas queer e quanto para aquelas heterossexuais.
Sua visão pessoal sobre o tema mudou com o tempo?
Sim, certamente. Por muito tempo pensei que a homossexualidade fosse uma limitação da identidade masculina ou feminina. Muitas vezes pensei isso. Mas especialmente com os jovens, senti como isso fosse inaceitável. Tenho lidado muito com isso. E aprendi que tais opiniões não são teologicamente convincentes.
Como isso se encaixa em seu pensamento teológico?
A realidade não falha por causa de Deus e Deus não falha por causa da realidade. Estou profundamente convicto desse dogma. Cremos em um Deus que se encarnou neste mundo, assumindo assim a nossa humanidade. Isso deve nos dar tanta confiança que podemos enfrentar a realidade de sermos humanos com confiança. E o seguinte sempre vale: Cristo é maior do que qualquer ensinamento sobre ele.
Concretamente: o que o senhor fala a duas mulheres lésbicas que se apresentam ao bispo e querem que seu filho seja batizado?
Primeiro, eu ficaria feliz com o nascimento do bebê. Em segundo lugar, que elas queiram que a criança seja batizada. Em terceiro lugar, tentaria refletir com elas: como podem fazer seu filho conhecer a fé e crescer nela? Quarto, batizaria o bebê. Qual é o problema, eu pergunto. Onde está o problema agora?
Bem, também existem homens da Igreja que criticam os homossexuais. Principalmente na Igreja Ortodoxa, mas ocasionalmente também na Igreja Católica.
Suspeito que haja medo por trás disso, uma sensação de ameaça. Sente-se a pressão por mudar de opinião, reconhecer certos modos de vida e certas realidades e não apenas condená-las. Mas atacar as pessoas é fundamentalmente contrário ao evangelho.
Atualmente, o Patriarca Ortodoxo russo Kyrill frequentemente apresenta a questão como se a homossexualidade fosse o problema da Europa Ocidental e representasse o declínio de valores.
O valor mais alto do Evangelho é o amor e a aceitação do outro para o seu bem. A Igreja também diz às pessoas homossexuais: Deus aceita vocês, nós aceitamos vocês! Trata-se de um declínio de valores ou da aplicação de valores cristãos? Não vejo nenhum declínio de valores nisso. Pelo contrário, o desafio de nosso tempo é que nossa igreja demonstre ser inclusiva. No Credo há uma antiga palavra grega que o indica: católico. Essa palavra realmente significa “universal”. A Igreja é o espaço vital para o seguimento de Cristo por todos.
Agora, como bispo de Aachen, o senhor e todos os bispos alemães estarão com o Papa Francisco daqui a poucos dias. O que quer dizer a ele?
Nosso Caminho Sinodal é sobre discernimento espiritual. O próprio Francisco nos ensinou várias vezes esse discernimento e nos encorajou a fazê-lo. Trata-se de confiar no Espírito de Deus que guia todos nós. É também um processo de aprendizagem. É preciso coragem. Também os membros do Sínodo precisam de coragem para decidir, para escolher, como diz o Papa Francisco. Eu gostaria que ele entendesse que eu quero fazer tudo o que ele propõe. E eu espero que nos escute.
Francisco diz que a Igreja precisa de tempo para mudar. Agora, o sínodo em nível mundial só terminará em 2024. Por outro lado, como bispo, sente a pressão das expectativas na Alemanha. O senhor pediria ao Papa para enviar um sinal antes disso?
Soluções precipitadas são sempre suspeitas. Eu não sou a favor disso. E não considero certo tentar obrigá-lo a fazer algo.
Voltando a falar concretamente do Caminho Sinodal. O senhor foi considerado como o representante episcopal de um documento de base que defendia uma atitude de abertura em relação à diversidade das formas de vida, incluindo aquelas homossexuais ou queer. Na última reunião plenária do Caminho Sinodal, em setembro, mais de um terço dos bispos se recusou a aprovar o documento. Portanto não foi adotado. Como um dos principais autores, o que vai falar agora ao Papa? Vocês também apresentarão essas posições controversas a ele?
Sim, certamente. Precisamos falar sobre isso também. O texto básico falhou. Mas temos textos que não falharam e que traduzem exatamente o que está no texto básico em opções de ação. E alguns desses textos dirigem-se precisamente ao Papa: queremos pedir-lhe, por exemplo, que continue a escrever o Catecismo dessa forma.
Uma ruptura com a tradição, dizem os críticos.
Costuma-se dizer: ruptura com a doutrina, ruptura com a tradição. Também gostaria de refletir sobre isso com Francisco: isso é realmente uma ruptura? Ou há um desenvolvimento da doutrina, que naturalmente também tem marcos, dos quais emerge num modo de pensar diferente e que faz emergir, aprofundando-a, a verdade de Cristo? Claro que há medos. Mas vamos pensar no exemplo da virada de Copérnico. Quanto tempo depois da descoberta de Copérnico a Igreja temeu que o sol e não a terra estivesse no centro? Quanto temia que isso teria invalidado o relato bíblico da criação?
Mas em determinado momento aprendeu que a realidade que a mente humana explora não pode contradizer a fé? Quando esse ponto de virada foi compreendido, o medo foi superado. E eis que o relato da criação não foi quebrado e ainda hoje nos oferece alimento espiritual. Nenhuma ciência natural pode chegar a descobertas que possam minar a mensagem de Cristo. Então: por que ter medo?
Agora vocês vão falar com o Papa e confiar na verdade maior de Deus. Cinquenta anos atrás, muitos católicos na Alemanha depositaram grande fé no Sínodo de Würzburg e em suas ideias de reforma, enviando questões semelhantes a Roma. Na época, não houve sequer um reconhecimento dessas cartas. E se algo assim acontecer?
Seria um fracasso da autoridade na Igreja. Não devemos ignorar a voz do povo de Deus, e se as reformas chegarem tarde demais, pior seria se não chegassem.
Até que ponto a Igreja também precisa refletir sobre a imagem do sacerdote com todo o seu poder?
Esse é um dos temas centrais do Caminho Sinodal. O que é essa função? Como deve ser entendida teologicamente? E como é vivida hoje para que não seja domínio sobre os outros nem privilégio? Naturalmente, um sacerdote precisa de poder criativo. Mas ele deve sempre querer envolver as pessoas, fazê-las participar e torná-las partícipes. Em termos eclesiásticos, dizemos que deve tornar eficazes os carismas dos outros para o conjunto. Em outras palavras: deve garantir que todos possam valorizar plenamente e colocar em prática as próprias capacidades. E ao mesmo tempo devem testemunhar a mensagem de Cristo na sociedade secular. Esse deve ser o nosso modo de entender a liderança.
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A Igreja e o sexo: bispo alemão quer reformas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU