16 Novembro 2022
"Não é de estranhar, portanto, que este Papa anticapitalista, ecológico, anticlericalista, popular e pacifista termine na coluna das curiosidades", escreve Daniela Ranieri, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 15-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Suspeitamos que o Papa não seja mais tão simpático à imprensa patronal. Caso contrário, é difícil explicar por que seus discursos, suas coletivas de imprensa do avião, seus Angelus desapareceram de todas as primeiras páginas para terminar nas colunas laterais ao lado dos problemas da ginástica rítmica e do último best-seller de um influenciador.
Sabe-se que o Papa não é do agrado da direita de Salvini, de marca trumpiana, aquela beguina dos rosários e do Sagrado Coração de Maria a quem consagrar as piores ações para com o próximo, caso não seja branco caucasiano, pela principal razão que Bergoglio prega os valores evangélicos e não aqueles dos teoconservadores estadunidenses. Também a direita de Meloni, aquela de "Deus, Pátria e Família", não pode apreciar um Papa que prega o acolhimento, tendo como principal preocupação a defesa da "tradição" e da "identidade" contra a "islamização da Europa".
Basta ler as chamadas "Teses de Trieste", o manifesto ideológico dos Fratelli d’Itália: aqui um tecido de direita puríssima é costurado com citações do Evangelho ("Ame o próximo como a si mesmo") para justificar o princípio "primeiro os italianos”; “a imigração não é um direito, e a cidadania menos ainda”; o refugiado "é um imigrante ilegal até prova em contrário" e deve ser detido em um centro e repatriado ou, melhor, mantido em sua casa (como, aliás, prevê a doutrina Minniti).
Agora, aos conservadores teóricos da conspiração que veem no Papa um aliado da "teoria de gênero", da homossexualidade e da mestiçagem, ou seja, definitivamente, de Satanás, acrescentam-se novos inimigos silenciosos que - desprovidos de um aparato ideológico soberanista e anticonciliar - se limitam a ignorar o que ele fala. Para aquele centro-esquerda que há décadas segue políticas neoliberais que reduziram à pobreza milhões de pessoas (5,6 em pobreza absoluta), que adotou a política de rejeições ao fazer acordos com a Líbia e que abraçou totalmente a linha belicista OTAN-EUA, Bergoglio é um espinho no flanco.
No domingo, almoçando com os sem-teto, migrantes, adultos pobres e crianças assistidas pela Caritas, pela Comunidade de Santo Egídio e pela ACLI, o Papa fez um esboço inequívoco: “Não nos devemos deixar enganar. Não nos deixemos encantar pelas sereias do populismo, que explora as necessidades do povo propondo soluções demasiado fáceis e precipitadas. Não vamos seguir os falsos messias que proclamam receitas úteis apenas para aumentar a riqueza de poucos".
Com a palavra “enganar” o Papa quer dizer que há alguém que realiza uma torção semântica para nos fazer acreditar que a realidade é diferente do que é. Revolta-se com a vertente política que afirmou a tese segundo a qual o sujeito social perigoso para os que estão um pouco melhor é o pária, não o detentor de privilégios. Essa parcela política não é apenas a direita: o pobre não é apenas o migrante, mas também o beneficiário da renda básica, que agora se tornou o inimigo público número um de todos os partidos, exceto o M5S.
Aquele que "persegue a riqueza dos poucos" não é apenas o partido (transversal) do imposto único, mas também aquele que desmantelou os direitos dos trabalhadores para favorecer empresas e empregadores. Também a palavra "populista", usada pelo Papa, não deve induzir em erro. Ele não está dizendo que o establishment mundialista e neoliberal é melhor (a prova: para nossos liberais, alguns dos quais são colunistas do Corriere, del Foglio, etc., é o Papa argentino que é um perigoso "populista", se não mesmo um peronista antiocidental): ele está dizendo que o populismo é um produto daquelas políticas.
O Papa diz que o tráfico de seres humanos e o tráfico de armas andam sempre de mãos dadas. Os torturadores líbios que mantêm as pessoas em campos de concentração em troca da moeda viva dos nossos governantes "democráticos" são frequentemente os mesmos que vendem armas. Por isso, deixou de ser simpático até dos lib-dem atlantistas, que desde 24 de fevereiro só falam a língua dos tank e torcem pela marcha sobre Moscou. Ao dizer: "Senti vergonha ao ler que um grupo de estados se comprometeu a gastar 2% do PIB na compra de armas, loucos!", o Papa estava irritado com o governo Draghi e com os que votaram aquela resolução.
Ao dizer que as guerras também são feitas para "testar armas", deu um bom chute nos dentes dos exaltados defensores da democracia e dos "nossos valores" por meio dos blindados Iveco (e não só políticos, mas também editores e diretores de jornais). A sua frase "fabricar armas é um comércio assassino" deveria tocar não só a consciência do ministro da Defesa que até há poucos dias negociava armas, mas também de todos aqueles que torcem pela escalada até o limiar da guerra nuclear. Não é de estranhar, portanto, que este Papa anticapitalista, ecológico, anticlericalista, popular e pacifista termine na coluna das curiosidades.
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O Papa anticapitalista e pacifista não agrada mais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU