A Assembleia contou com a presença do secretário executivo do Cimi, de missionários do Cimi – Regional Maranhão de lideranças indígenas e de aliados da causa indígena.
A reportagem é de Jesica Carvalho, publicada pelo Conselho Indigenista Missionário - Cimi, 24-10-2022.
“Borduna será sempre borduna, assim como indígena sempre será quem a carrega”, afirma um trecho do documento final da 43ª Assembleia do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Regional Maranhão, que aconteceu entre os dias 21 e 23 de outubro, na Casa de Retiro Oásis, em São Luís (MA).
A Assembleia, que contou com a presença de missionários do Cimi – Regional Maranhão, de lideranças indígenas dos povos Anapuru Muypurá, Akroá Gamella, Ka’apor, Memortumré-Canela e Tremembé de Engenho e da Raposa, de representantes do Conselho Pastoral de Pescadores (CPP) e outros aliados da causa indígena e das comunidades tradicionais, teve como tema “Cimi 50 anos: memória, resistência e caminhada no chão do Maranhão”.
O encontro foi iluminado pelas palavras de Dom Pedro Casaldáliga, quando diz que “ter esperança é um ato de rebeldia”. Na ocasião, o momento foi dividido em três blocos que trataram sobre a memória, a conjuntura, a resistência, a caminhada e a utopia.
“A importância da Assembleia Regional, sobretudo está no contexto de 50 anos de Cimi, se dá de forma bastante rica, no sentido de que, juntos, Cimi e povos indígenas, discutimos ações diante de uma conjuntura bem mais detida, porque examinamos a situação dos territórios e um povo pode ajudar a outro povo a pensar estratégias para o seu território”, afirmou Rosana Diniz, da coordenação colegiada do Cimi-MA.
No primeiro bloco, a memória foi feita a partir da mística inicial que trouxe elementos da caminhada apresentados pelos missionários do Cimi – Regional Maranhão, como a mochila, as camisas, o caderno de campo e outros adereços que compõem o dia a dia do missionário. “Essa camisa da causa indígena é símbolo do compromisso dos 50 anos do Cimi com os povos indígenas”, afirmou Madalena Borges, da coordenação colegiada do Cimi – Regional Maranhão.
Na oportunidade, as lideranças indígenas presentes apresentaram, também, elementos que fazem parte da sua caminhada junto ao Cimi – Regional Maranhão e da luta pelos seus direitos. Tünycwyj Tremembé destacou, nesse sentido, a acolhida aos povos indígenas feita pelos missionários do Cimi – Regional Maranhão. “Eu tenho orgulho do Cimi e em todo os lugares eu defendo o Cimi”, afirmou.
A mística fez memória do Regional: “Quem somos? Quando nascemos? Quem foram os pioneiros dessa caminhada?”. Retalhos da história do regional foi trazido para esse momento, em versos e poesia escritos pelos missionários do Cimi – Regional Maranhão.
O momento seguiu com a apresentação sobre a história do Cimi, dos 50 anos de luta e caminhada, feita por Eduardo Cerqueira, secretário executivo do Cimi. “No processo de luta do Cimi, os povos indígenas, a partir de uma visão crítica, passaram a lutar por seus direitos, não apenas pelo território e o Cimi participou efetivamente disso”, evidenciou Eduardo, afirmando, ainda, que nesse processo de luta “os povos indígenas, juntos às pastorais sociais, conseguiram ser incluídos na Constituição Federal com todos os direitos de um cidadão, mas com suas especificidades”, pontou.
No primeiro dia de Assembleia aconteceu, também, a análise de conjuntura indigenista nacional e regional. Em relação ao país, Eduardo Cerqueira expôs as principais ações que tramitam em relação à causa indígena no país, bem como os projetos que prejudicam o Bem Viver dos povos, como a tese do marco temporal, que está em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).
No julgamento de Repercussão Geral, a tese do marco temporal se contrapõe à tese do Indigenato. Além disso, foram apresentadas outras violações aos direitos indígenas realizadas pelo governo federal. “O discurso neoliberal entende que os povos originários e comunidades tradicionais são entraves para o desenvolvimento econômico”, apontou Eduardo Cerqueira.
Sobre a conjuntura regional, Roberta Figueiredo, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Questões Agrárias (Nera/UFMA), apresentou dados sobre os conflitos agrários no estado e tratou sobre os projetos de Economia Verde, que vêm sendo instalados no estado do Maranhão.
Na ocasião, as lideranças presentes puderam refletir sobre a situação dos povos indígenas no Maranhão, inclusive em relação aos processos de retomada indígena que acontecem em todo estado. Sobre o silenciamento dos povos em retomada, Durval Tremembé apontou que “estamos vendo cada dia mais as pessoas querendo nos apagar. Meu povo passou mais de 60 anos silenciado”.
Já Lucca Anapuru Muypurá destacou a situação vivida pelo seu povo com a falta de território demarcado. “Nosso território está todo desestruturado, sem condições para o Bem Viver”, disse.
Para Gilberto Lima, educador social da CPP, o Cimi é um aliado das lutas e da resistência aos projetos de destruição do capitalismo nos territórios. “Ser essa presença profética faz com que a nossa presença, enquanto CPP, seja mais forte também. Por isso a importância de participarmos dessa Assembleia”, destacou.
O segundo dia de Assembleia teve início com a benção da água e as discussões giraram em torno de questões relacionadas à resistência dos povos indígenas. Pela manhã, na retomada das ações do dia anterior, as lideranças presentes expuseram a importância da participação nos momentos proporcionados pelo Cimi – Regional Maranhão para fortalecer a luta dos povos. “A formação política é importante para nós, temos que fazer trabalho de base, esse é um momento de retomada dos povos, principalmente da juventude”, ressaltou Camila Anapuru Muypurá.
Seguindo as ações deste dia, as lideranças indígenas dos povos Ka’apor e Akroá Gamella apresentaram as suas experiências de resistência. Iratowy Ka’apor destacou a situação do seu território e a decisão que os levou a criar o conselho de lideranças do povo. “O cacique geral do povo Ka’apor era o primeiro a negociar as nossas terras. Então, em 2013, nós decidimos, juntos com jovens e mulheres, retomar o território ocupado pelos madeireiros e retomamos o Conselho Tuxa Ta Pame”, afirmou.
Por sua vez, Pjhcre Akroá Gamella expôs as lutas travadas no seu território para defender a vida, a cultura e a identidade do seu povo. Além das ameaças sofridas por pessoas não indígenas que querem destruir os modos de vida do povo Akroá Gamella. “Enquanto uns estão defendendo o território, outros não têm cuidado”.
O segundo dia contou, ainda, com a exposição sobre o acompanhamento jurídico realizado pelo Cimi – Regional Maranhão, feita pela missionária Meire Diniz, e a apresentação do Relatório de Violência contra os povos indígenas, feita pelo missionário Hemerson Pereira.
“Celebrar 50 anos do Cimi é celebrar a memória e a história de missionários que foram pioneiros no contato com os povos, construindo uma vida plena e abundante. 50 anos depois estamos aqui recontando a história e tecendo uma sociedade do Bem Viver junto com eles”, apontou Meire Diniz. Na oportunidade, os participantes da Assembleia fizeram um trabalho em grupo sobre as propostas para a atuação do Cimi – Regional Maranhão em 2023.
As atividades do segundo dia foram finalizadas com a celebração dos 50 anos do Cimi. De acordo com Madalena Borges, celebrar os 50 anos do Cimi é rememorar a trajetória de luta e teimosia a serviço do reino de Deus e do projeto de vida dos povos indígenas. “O Cimi – Regional Maranhão segue desafiado pela conjuntura e os projetos de morte do estado que são contra os direitos dos povos indígenas, mas também seguimos animados pela mística militante, com a força da resistência dos povos e de suas espiritualidades, combatendo o bom combate”, afirmou acerca dos 50 anos de Cimi.
O último dia, da caminhada e da utopia teve início com o resgate das ações dos dias anteriores, momento em que as lideranças indígenas relataram a situação com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nos territórios: o atraso na realização da visita às suas casas, mesmo com recenseadores presentes nos territórios.
A apresentação das propostas dos trabalhos em grupo deu seguimento às atividades do terceiro dia, que foi finalizado com a leitura e construção coletiva da ata e do documento final da 43ª Assembleia do Cimi – Regional Maranhão. Segundo Gilderlan Rodrigues, a Assembleia é o momento de definir o planejamento das ações que serão realizadas durante o ano junto aos povos indígenas. “Essa Assembleia acontece num momento de preparação para o Congresso de 50 anos do Cimi, que será um momento de celebrar com todos os regionais a memória e de pensar os próximos 50 anos do Cimi”, disse.
Leia abaixo o documento na íntegra:
Documento da 43ª Assembleia Regional do Cimi Maranhão
Acolhidos (as) na alegria do reencontro, os missionários (as), os parentes Anapuru Muypurá, Tremembé, os Akroá Gamella, Ka’apor e Memortumré e demais aliados, celebramos nossa Assembleia Regional, no contexto de aniversário dos 50 anos do Conselho Indigenista Missionário no Brasil.
Iniciamos fazendo a memória de nosso regional junto aos povos indígenas do Maranhão, suas lutas e conquistas, seus desafios, suas alegrias e esperanças.
A leitura conjuntural nos aponta que a caminhada seguirá por: terra, pela retomada das identidades cultural, linguística e espiritual, de preservação e recuperação do ambiente, pelo fim do racismo e da criminalização, pelos direitos coletivos. Apesar de muitos partidos que não representam o interesse dos povos e os demais direitos coletivos terem utilizado o poder econômico para garantir seus assentos nas câmaras legislativas, os povos presentes reafirmaram o compromisso de seguir de pé e em luta, para defender a vida e os territórios, diante dos Projetos de Leis (PLs) e Propostas de Emendas Constitucionais (PECs), em tramitação nessas casas que objetivam desterritorializá-los e retroceder seus diretos coletivos.
Na memória dos missionários (as) e das lideranças, o encontro e reencontro, o testemunho e a aliança do Cimi. Pois somos Igreja também desterrada, junto aos povos saídos das areias movediças que os decretos de extinção do Estado, ainda colonial no trato com os povos indígenas, os submeteu. Junto aos povos reafirmamos: que resistiremos à ventania de areia dos PLs e das PECs de morte. A teimosia continuará: borduna será sempre borduna, assim como indígena sempre será quem a carrega.
Com o coração cheio e alegria, o Cimi recebeu os agradecimentos dos povos presentes, em abraços, cantos e rezas. Nutrimos a nossa coragem, nossa fé, nosso amor e nosso compromisso com a vida.
Que nos próximos 50 anos os povos possam: colher alimentos saudáveis, que as crianças continuem a tomar banho no rio, fazer as rodas de cantoria, falar a língua, respirar ar puro e ter mais saúde. Já não será necessário morrer pela terra e pela defesa da vida, pois os encantados e o Deus da Vida sempre estarão conosco.
Somos todos humanos, e é por esta humanidade, pela solidariedade, por terra, pelas florestas e animais que seguiremos em luta, sempre!!
Conselho Indigenista Missionário – Regional Maranhão