24 Outubro 2022
Para os católicos do coletivo “Agir pour notre Eglise”, a revelação dos abusos cometidos por Mons. Santier e o silêncio em torno da sanção pronunciada contra o bispo emérito destacam a incapacidade do coletivo episcopal "de se adequar às exigências da justiça e da verdade".
O texto é do Coletivo Agir pour notre Eglise, publicado por La Croix, 21-10-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um ano após a entrega do relatório da Ciase, pela primeira vez um bispo é considerado culpado de "abusos espirituais para fins sexuais". Os jornalistas de Golias e Famille Chrétienne prestaram honra à imprensa católica revelando os detalhes sacrílegos das "confissões-strip" feitas pelo bispo emérito de Créteil e a sanção que a Igreja da França, seguindo práticas que se consideravam superadas, havia dissimulado ao falar de "motivos de saúde". Recordamos a intervenção na TV BFM do bispo sucessor que dizia, há um ano: "Não, a Igreja não encobre os abusos". Aquela frase, que já parecia escandalosa na época, é ainda mais à luz das últimas revelações.
No ano passado, "Agir pour notre Eglise" foi criado para participar da mediação do conteúdo do relatório da Ciase e acompanhar todos os batizados que desejassem empenhar-se dentro de sua possibilidade na necessária transformação de nossas estruturas eclesiais. Fazíamos questão de não nos apresentar como um coletivo de oposição aos bispos, mas como uma força complementar. As decisões positivas da Assembleia Geral de novembro de 2021 nos deram esperança e confiança em nossos bispos.
Hoje, o caso Michel Santier estoura no final de um longo caminho de decepção, e não hesitamos mais em mostrar nossa raiva, nossa tristeza e nossa determinação de fazer de nossa Igreja uma "casa segura", apesar dos bispos, em vez de junto com eles, se continuarem a mostrar uma incapacidade de se adequar às exigências da justiça e da verdade. Conhecemos o empenho de alguns deles, mas o coletivo episcopal está longe de atingir o objetivo devido às reticências que a linguagem obscura utilizada não consegue mais esconder.
De fato, o que descobrimos é que, enquanto a Ciase estava trabalhando, os bispos escolhiam manter em silêncio as atrocidades cometidas por um de seus pares. Desta forma, eles levantam suspeitas contra o corpo episcopal como um todo. Devemos esperar novas revelações nos próximos meses?
Mesmo após sua aceitação oficial das causas estruturais dos abusos na Igreja, das quais evidentemente fazem parte a cultura do segredo e a ocultação de crimes, os bispos esperavam preservar o silêncio. E mesmo depois da revelação do caso na imprensa, a Conferência Episcopal Francesa continua a pensar que o silêncio seja a melhor comunicação a adotar no assunto. Aquelas bocas fechadas mostram uma compreensão hipócrita ou superficial das apostas em jogo sistêmicas dos abusos sexuais na Igreja: cabe aos bispos e à instituição serem os primeiros a comunicar o assunto, e é inaceitável que os jornalistas devam fazê-lo em seu lugar.
Quem justificará o silêncio dos bispos? A hipocrisia que considera que se deva calar por respeito às vítimas, enquanto proteger sua identidade não implica absolutamente proteger aquela do agressor, como demonstraram Golias e Famille chrétienne? A falsa misericórdia que invoca a cura do pecador, como se assumir a responsabilidade pelo pecado cometido não fizesse parte dela? A paródia do pudor que quer manter confidenciais aqueles horrores, como se não ofendessem o Corpo de Cristo e não dissessem respeito a todo o seu povo? Porque é precisamente todo o povo de Deus que é vítima colateral da "gestão do silêncio" dos bispos, algo que nunca deveriam ter ignorado e que não podem fingir não compreender um ano após a entrega do relatório Sauvé.
Vamos dizer as coisas com franqueza, como outros falaram na imprensa: o silêncio é uma participação no Mal, e o que descobrimos é que um ano após a entrega do relatório da CIASE, os bispos ainda escolhem ser cúmplices dos crimes de ontem e de amanhã. Para aqueles entre eles que censuram os buscadores da verdade de estar "revirando o lixo", deve-se responder que aquele lixo empesta toda a Igreja. Aos bispos ou porta-vozes da CEF que se julgam dignos porque ficam calados, só podemos dirigir o grito da viúva ao juiz injusto: se não o fizer por justiça, o faça porque não o deixaremos em paz!
Lamentamos muito também que apenas como reação aos artigos da imprensa as comunidades em que Michel Santier atuou tenham ativado grupos de escuta para coletar a voz de potenciais vítimas: a extensão da investigação deveria ter ocorrido desde o momento da denúncia às autoridades eclesiásticas. Finalmente, vamos dizer com força: chega de transferências de padres condenados ou envolvidos! Essas práticas demonstram um desprezo insuportável pelas vítimas obrigadas a permanecerem caladas e pelo conjunto dos batizados, a quem se mente descaradamente sobre o motivo da partida ou chegada de um padre.
"A verdade vos libertará", Jesus Cristo nos diz. Entre os quatro pecados que as Escrituras e a Tradição listam "gritar diante de Deus", dois dizem respeito à destruição do inocente e à violência sexual. É o sufocamento desses gritos em todas as etapas dos processos institucionais da Igreja que se deve desmantelar hoje. Já que Deus nos pede, nós continuamos a oferecer a nossa esperança aos bispos, mesmo com a raiva que eles nos inspiram. A conversão só pode ser drástica, mas somente através dela pode-se alcançar a liberdade da Igreja e do Evangelho.
Convertam-se e creiam em Cristo e no Evangelho!
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Caso Santier: “Quem justificará o silêncio dos bispos?” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU