18 Outubro 2022
Missas interrompidas, sacristias invadidas e ameaças. Religiosos católicos são hostilizados por ecoar as palavras do Papa. Teólogos veem profanação.
A reportagem é de Marcelo Menna Barreto, publicada por Extra Classe, 17-10-2022.
Utilizada como retórica em campanha eleitoral para a reeleição de Jair Bolsonaro (PL), a perseguição de sacerdotes da igreja católica pelo regime de Daniel Ortega na Nicarágua é um tema que marca o Brasil há séculos. Os casos mais recentes começaram no ano passado e se intensificam nesse ano. Todos por apoiadores do presidente.
O mais recente episódio ocorreu no dia 14. O padre da capela Nossa Senhora do Carmo, em Fazenda Rio Grande, município de 100 mil habitantes localizado na região metropolitana de Curitiba, foi hostilizado por bolsonaristas por se manifestar contra a violência e as armas, duas pautas antissociais que não saem da cabeça dos apoiadores do presidente e candidato à reeleição. Na capela, que integra a Paróquia Nossa Senhora da Luz, da Diocese de São José dos Pinhais, o padre Edson Espírito Santo Menezes estava fazendo a oração do Creio, quando foi interrompido por uma mulher não identificada que o acusou de fazer campanha para o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Isso porque durante a pregação, a homilia que antecede a oração, o religioso tocou em temas sociais que desencadearam a fúria da ativista de Bolsonaro. O sacerdote não disse nada de diferente dos argumentos do Papa Francisco na sua cruzada contra a proliferação de discursos de guerra e armamentismo.
“O Deus da vida nunca vai pactuar com as forças da violência, nunca vai estar ao lado daquele que prega o armamentismo. Porque Deus é amor, Deus é solidariedade”, foi o que afirmou o padre Menezes durante a missa.
Ele nem conseguiu terminar de pronunciar as primeiras palavras da oração do Creio, quando a ativista irrompeu aos gritos: “o Deus da vida é a favor do aborto? O senhor está pedindo voto para o Lula?”. Menezes negou que estivesse aludindo à campanha presidencial e tentou continuar a cerimônia. Novamente foi interrompido. Outros bolsonaristas passaram a gritar ameaças contra o religioso.
Tudo aconteceu dois dias depois da festa da padroeira do Brasil, comemorada no dia 12, quando também foram protagonizadas cenas semelhantes na Basílica Histórica e no Santuário Nacional.
Na cidade paulista que leva o nome da padroeira, bolsonaristas do lado de fora da Basílica Histórica vaiaram um sacerdote que, em sua pregação, falou da importância do combate à fome.
Um tumulto também foi instalado quando apoiadores de Bolsonaro perseguiram fiéis que usavam camisas vermelhas. Equipes da TV Vanguarda, afiliada da TV Globo, e do próprio santuário que estavam registrando as festividades chegaram a ser agredidas.
Após a tradicional Consagração de Nossa Senhora, que acontece há quase 70 anos, o padre redentorista Camilo Júnior que conduzia a cerimônia também foi hostilizado.
No interior do templo, ele foi muito aplaudido quando disse que o dia não era para se “pedir voto”, mas “bençãos”. Em represália, bolsonaristas invadiram a sacristia após para atacar o religioso.
Camilo ouviu até reclamações de que os sinos da igreja histórica e do Santuário tocaram por muito tempo para “supostamente” abafar uma participação mais ativa de Bolsonaro durante o evento religioso.
Com paciência, ao tentar explicar que o que estava acontecendo apenas seguia uma tradição de décadas da igreja, padre Camilo ouviu de uma apoiadora do presidente: “A gente de agora em diante não ajuda mais campanha de devoto e não doa mais dinheiro para padre nenhum. Porque tem padres que valem a pena, mas têm uns outros que estão pregando o islã”, disse, emendando: “a droga, a fome, o aborto, tudo mentira, porque Bolsonaro não deu as vacinas no momento certo, ele não ia ficar picando todo mundo”.
As tensões entre bolsonaristas e o Santuário Nacional de Aparecida começaram no ano passado.
Na homilia do arcebispo de Aparecida, Dom Orlando Brandes, em 2021, o deputado estadual paulista Frederico D’Avila, então no PSL, viu um “recadinho para o presidente e para a população brasileira”.
Em um discurso que acabou rendendo um processo no Comitê de Ética da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), D’Avila utilizou adjetivos como “safados”, “vagabundos”, “imundos” e “pedófilos” para Brandes e o Papa Francisco.
O arcebispo defendeu na ocasião a vacinação em massa contra a pandemia de covid-19, condenou discursos de ódio e alertou sobre a política armamentista. “Pátria amada não é pátria armada”, disse Dom Orlando.
Mesmo pedindo desculpas e dizendo que estava exaltado, D’Avila vai acabar ficando sem mandato político a partir de 2023.
Ele concorreu à Câmara dos Deputados e foi apenas o 22º mais votado do seu atual partido, o PL.
Se o termo profanação é muito usado para o vilipêndio de imagens sacras, templos e a óstia consagrada, há os que viram em especial na interrupção do Creio, no Paraná, o que chamaram de uma profanação teológica.
“O Creio é o momento que, após a homilia feita depois da leitura do Evangelho, visa a reafirmação da fé dos católicos. Houve ali, sim, além do desrespeito ao sacerdote, um ato agressivo em um momento litúrgico importantíssimo”, disse um padre católico que pede para não ser identificado depois de sofrer ameaças.
Pioneiro entre os chamados padres cantores, José Fernandes de Oliveira, conhecido como Padre Zezinho, é outro que tem sido atacado e insultado por bolsonaristas.
“Depois das ofensas contra o papa, contra os bispos, contra mim, com calúnias e palavras de baixo calão, estou fechando esta página até dia 31 de outubro”, escreveu ao cancelar suas redes socais.
Famoso por músicas cristãs que, de uma maneira ou outra tocaram milhões de brasileiros, Zezinho tem uma legião de seguidores pelo país e se indignou com o comportamento de bolsonaristas que usam as redes para ofender e polarizar sobre questões políticas.
“Está claro que não aceitam uma pregação moderada que propõe diálogo político, social e ecumênico”, escreveu.
O padre ainda desabafou: “Continuam a dizer que sou mau padre, que sou comunista e que sou traidor de Cristo e da Pátria porque ensino doutrina social cristã.”
A violência contra padres católicos por grupos que enxergam nos religiosos inimigos do bolsonarismo vem se intensificando nos últimos anos e provocam medo entre as lideranças da igreja. Se o padre Zezinho se sentiu ameaçado recentemente a ponto de abandonar suas redes, no ano passado algo mais radical teve que ser feito para os padres Lino Allegri e Oliveira Braga Rodrigues, no Ceará, em 2021.
Os dois padres foram incluídos no programa estadual de proteção aos defensores dos direitos humanos daquele estado (PPDDH-CE).
A Secretaria de Segurança Pública do Ceará chegou a enviar policiais para “garantir a integridade de Padre Lino”.
Tudo começou quando Allegri passou a lamentar as mais de 500 mil mortes causadas pela pandemia no Brasil naquele momento.
Em 4 de julho de 2021, o sacerdote de 82 anos foi ofendido por um grupo de oito pessoas.
Depois, na celebração de uma missa dominical transmitida pela internet, uma imagem mostrou um homem entrando na Paróquia Nossa Senhora da Paz, gritando com o religioso. “Este padre (Lino Allegri) transformou o altar em um palanque político”, berrou.
Allegri e outros membros da igreja, como o padre Oliveira Braga Rodrigues, receberam ameaças constantes por mensagens privadas nas redes sociais da paróquia e pelo WhatsApp.
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Padres católicos são hostilizados por lembrar mortes na pandemia e pregar contra armas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU