22 Julho 2021
Em Fortaleza, perseguição bolsonarista a padre mostra nova face da intolerância religiosa no Brasil. Já não basta demonizar cultos afros e apagar cosmovisões indígenas, é preciso impor fé de mão única, baseada na estupidez e brutalidade, escreve Roberto Malvezzi (Gogó), em artigo publicado por OutrasPalavras, 21-07-2021.
Padre Lino Allegri. Foto: Thiago Gadelha
Em 4/7, na Paróquia Nossa Senhora da Paz, em Fortaleza, após o padre Lino Allegri citar as 500 mil por covid-19 no Brasil e o descaso com a vacina, um grupo de fiéis bolsonaristas invadiram a sacristia para agredir verbalmente o pároco. Outros ataques foram realizados nas missas seguintes, inclusive ao padre Oliveira Braga Rodrigues.
Neste domingo, 18/7, bolsonaristas foram à missa vestindo camisetas da seleção brasileira ou com nome e rosto do presidente. Na segunda, os padres aceitaram serem incluídos no Programa Estadual de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH/CE).
Um dos demônios alimentados pelos fundamentalistas religiosos é que nos países comunistas não há liberdade religiosa. Lá seriam proibidas missas, celebrações, procissões, assim por diante. Aqui, no Brasil, muito pelo contrário, a liberdade religiosa é total e completa.
Talvez, se fôssemos perguntar aos terreiros de candomblé e outras expressões religiosas de origem africana, eles nos diriam que nem sempre têm liberdade religiosa. Antigamente a Igreja Católica se sentia no direito de perseguir os cultos afros no Brasil, até pichados como coisas do demônio. Na verdade, foi um comunista chamado Jorge Amado que introduziu na Constituição Brasileira de 1946 a liberdade religiosa para os cultos afros. Hoje, muitos pastores e igrejas evangélicas se sentem no direito de perseguir os cultos afros.
O mesmo com os povos indígenas. Como me dizia um jovem indígena num dos preparativos do Sínodo para a Amazônia: “o pastor vai lá na tribo, a gente o acolhe bem, ele diz que nossa religião é coisa do demônio. A gente escuta, quando ele vai embora, a gente faz os nossos ritos”.
Mas, alguma coisa de pior está acontecendo. A Paróquia da Paz, em Fortaleza, está sendo invadida por “católicos” durante as celebrações, que se sentem no direito de berrar, atacar o padre, criar confusão e divisão durante a própria celebração da Eucaristia. Não são os perseguidores dos cultos afros e nem dos índios, são católicos, os que se julgam verdadeiros intérpretes do Evangelho e da doutrina da Igreja Católica. Não são comunistas, muito ao contrário, são militares, defensores da pátria, da família, dos “Deus acima de todos”, inclusive da liberdade religiosa. Enfim, são os bolsonaristas, os fascistas de estilo brasileiro.
Assim será se permitirmos que se instale no Brasil uma ditadura religiosa, uma teocracia, sempre a pior de todas as ditaduras, porque feitas em nome de Deus, ou o tal do “cristofascismo”. Sei lá o que quer dizer “terrivelmente evangélico”, ou “terrivelmente católico”, o certo é que estas pessoas se sentem no direito de infernizar a vida dos outros, de ofender o Papa Francisco, ofender padres, bispos e leigos que tem um mínimo de fidelidade ao Evangelho. Enfim, querem impor suas ideias religiosas ao resto do país na estupidez e brutalidade.
Ou esse país acorda, ou até nossas paróquias e comunidades vão se tornar um inferno.
Toda solidariedade aos padres Lino, Ermanno e Luís Sartorel, italianos no Brasil, nossos amigos desde a década de 80, que saíram do conforto do primeiro mundo para estar a serviço dos setores mais descartados da sociedade brasileira.
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A ultradireita ameaça padre no Ceará - Instituto Humanitas Unisinos - IHU