13 Outubro 2022
“Tenhamos São José como exemplo. Dificilmente era um 'fraco' ou um 'covarde', nem 'tóxico' e 'agressivo', José era o pai ideal porque corajosamente serviu e se sacrificou por sua esposa e filho adotivo – não apenas por um senso moralista de dever, mas como resposta a um chamado sobrenatural ao amor. O ápice da masculinidade, como demonstrado por figuras como São José, é esse tipo de amor paterno – o mesmo para as mulheres, de uma forma que incorpora seus dons e virtudes únicos”, escreve Stephen G. Adubato, teólogo estadunidense, professor de religião em Nova Jersey, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 11-10-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Em junho, o psicólogo Jordan Peterson assinou contrato com o Daily Wire, um site multimídia autoproclamado de “centro-direita”, para o qual ele já gravou uma infinidade de conteúdo em vídeo. Um de seus vídeos mais assistidos na DailyWire+ até agora é “Mensagem para as Igrejas Cristãs”. O vídeo foi motivado por sua crescente base de fãs cristãos, bem como por sua própria busca espiritual.
Alguns anos atrás, um amigo da família, à época ele tinha quase 20 anos, explicou por que não queria ir à missa com sua família na manhã de Páscoa. “Os padres fazem a Bíblia parecer tão chata”, disse ele. “Eu não consigo evitar dormir durante suas homilias. Eu iria à Igreja se eles transmitissem vídeo do Jordan Peterson falando sobre a Bíblia em vez de ter o padre fazendo homilias. Pelo menos Peterson torna a Bíblia relevante”.
As análises psicológicas de Peterson dos arquétipos junguianos encontrados na Bíblia ignoram amplamente as verdades metafísicas e éticas do texto. E, no entanto, seu apelo aos jovens foi parte da razão pela qual o bispo auxiliar de Los Angeles, Robert Barron, apontou-o como um exemplo de como envolver os “nones” (jovens sem filiação religiosa) ao Comitê de Evangelização e Catequese dos Bispos dos EUA em junho de 2019. Logo depois, Barron apareceu no podcast de Peterson. Embora muitos católicos estivessem céticos sobre Barron se envolver tão de perto com uma figura que atrai multidões da extrema-direita, outros o elogiaram por abrir as portas da igreja para Peterson, que na entrevista admitiu que desejava a fé e admirava a Igreja Católica.
Eu me encontrei preso em algum lugar entre esses dois “lados”. Para crédito de Barron, ele nunca indicou que pretendia usar o próprio trabalho de Peterson para fins de evangelização. Em vez disso, ele queria encorajar pastores e educadores católicos a se envolverem com seu trabalho – apesar de sua natureza ideológica e falta de total congruência com uma visão de mundo católica – para entender as necessidades dos jovens, muitos dos quais acham os vídeos de Peterson atraentes. E concordo que é muito mais eficaz se engajar em um diálogo caridoso com pessoas cujas ideologias não convergem totalmente com os ensinamentos da Igreja do que gritar com eles, minimizar as convergências e lhes dizer por que estão errados.
Mas se for esse o caso, sempre me perguntei por que Barron nunca se envolveu com os colegas de esquerda de Peterson, talvez figuras como a deputada norte-americana Alexandria Ocasio Cortez, o filósofo Slavoj Žižek, ou o professor Ibram X. Kendi, cuja retórica ideológica de esquerda pode não se sobrepor perfeitamente ao ensino católico ortodoxo, mas ressoa fortemente com muitos “nones” e de fato converge com os princípios católicos em vários aspectos. Os vídeos de Barron condenando o pensamento pós-estruturalista, a teoria crítica e a “ideologia woke” parecem ser contrários ao método de evangelização que ele vem usando para se envolver com ideólogos do tipo de Peterson.
A mensagem de vídeo de Peterson para “as Igrejas cristãs”, uma de suas primeiras divulgadas após sua parceria com o Daily Wire, reflete alguns dos frutos de seu diálogo com Barron. Já com mais de 1,2 milhão de visualizações (surpreendentemente apenas metade do valor de sua “Mensagem aos Muçulmanos”), o vídeo mostra Peterson sentado no que se poderia presumir ser uma casa no campo, com estantes de livros e uma pilha de toras de madeira ao fundo — encaixando-se em toda a sua persona de “intelectual chateado”. Peterson aperta os olhos para o teleprompter, enquanto a tela alterna periodicamente entre os ângulos da câmera em uma tentativa de prender a atenção do público por 11 longos minutos do pontificado de Peterson. Ele passa a fundir seu sotaque canadense característico com o que parece ser sua tentativa de imitar o estilo retórico de “sábio” de seu chefe Ben Shapiro.
Seu discurso tem como alvo os críticos da masculinidade tóxica – nada inovador para aqueles que já estão familiarizados com os vídeos de Peterson – e elogia as noções “tradicionais” de masculinidade que defendem a virtude heroica, canalizando a agressão instintiva e um senso estoico do dever de construir a civilização e defender a família. Ele solta sua diatribe com jargões à Daily Wire, como “vamos despertar, raio de sol!”; “aquele velho piadista do Derrida...”; “nas palavras daquele serial killer Karl Marx...”. O evidente talento ideológico de Peterson dá ao vídeo uma vantagem performativa que o torna quase divertidamente divertido, embora de uma forma irônica.
Ele continua dizendo “às Igrejas cristãs” que elas deveriam defender esses ideais masculinos e deveriam estar ativamente tentando atrair homens jovens, chegando a sugerir que eles colocassem outdoors que diziam “Homens, sejam bem-vindos aqui!”.
Ele os encoraja a não bater nos jovens por suas tendências “tóxicas”, mas sim a sublimá-los de maneira produtiva, pedindo “que sejam mais, e lhes recordando de quem eles são... Vocês são Igreja, pelo amor de Deus! Parem de lutar pela justiça social, pare de salvar o maldito planeta! Atendam as almas, isso é o que vocês devem fazer, esse é o seu dever sagrado. Façam isso AGORA... antes que seja tarde demais”.
Tendo em mente que Peterson está tentando se encaixar no papel de um atleta de choque performático hiperbólico como seus colegas do Daily Wire, estou inclinado a levar sua “mensagem” com um grão de sal. Devo admitir que Peterson faz pontos que as igrejas devem considerar (com um grão de sal). Eu, como Peterson, questiono se o que muitas vezes surge como uma tentativa de “neutralizar” as tendências agressivas dos homens é tão útil quanto aproveitar, integrar e transformar ditas tendências para fins virtuosos. Percebi que a maioria dos meus amigos que admiram Peterson são da classe trabalhadora e negros, que o veem como uma alternativa a uma visão puritana de masculinidade, que é mais cômoda às elites burguesas com educação universitária. Isso é algo merece ser levado a sério.
Minha principal preocupação tem mais a ver com a postura reacionária de Peterson, que obscurece qualquer uma das qualidades resgatáveis de sua mensagem, que é o mesmo problema enfrentado por seus colegas do Daily Wire, como Shapiro, Candace Owens e Matt Walsh. Não só sua postura torna difícil para as pessoas que discordam de se envolver com alguns dos pontos válidos que eles podem fazer, mas seu talento performativo e extravagante torna difícil levá-los a sério.
Minha outra preocupação tem a ver com a integridade de sua mensagem de uma perspectiva cristã. A ênfase de Peterson no valor de canalizar manifestações mais “instintivas” da biologia e psicologia masculina tipicamente cis, e na importância moral da fidelidade aos próprios deveres, não é necessariamente “anticristã”. Mas essas virtudes em si são pagãs se nunca forem transformadas pelas virtudes teologais “cristãs” da fé, da esperança e da caridade.
Parece-me que Peterson não entende o que é mais essencial sobre o cristianismo. Não é meramente um conjunto de ensinamentos morais, ideias ou crenças. Não é uma ideologia que defende “valores tradicionais”. É um encontro com uma Pessoa, uma experiência carnal do amor de Deus. Certamente o próprio Jesus (assim como os muitos santos do sexo masculino) incorporou as virtudes masculinas naturais que Peterson celebra. Mas para Jesus, tais virtudes não eram fins em si mesmas. Jesus não morreu na cruz por um senso de coragem ou dever viril, mas por desejo de se entregar à humanidade por amor.
A noção cristã de um “gênio masculino” destaca um “modo de doação” particular (para usar as palavras do teólogo suíço Hans Urs von Balthasar) que incorpora certas virtudes naturais, elevando-as ao ideal sobrenatural ao qual todos somos chamados: a paternidade e a maternidade, que é, em última análise, um chamado para amar criativamente e gerar vida.
Tenhamos São José como exemplo. Dificilmente era um “fraco” ou um “covarde”, nem “tóxico” e “agressivo”, José era o pai ideal porque corajosamente serviu e se sacrificou por sua esposa e filho adotivo – não apenas por um senso moralista de dever, mas como resposta a um chamado sobrenatural ao amor. O ápice da masculinidade, como demonstrado por figuras como São José, é esse tipo de amor paterno – o mesmo para as mulheres, de uma forma que incorpora seus dons e virtudes únicos.
Admito que desenvolver um senso de dever pode ser um ponto de partida significativo para muitos homens, especialmente aqueles que não crescem em ambientes estáveis. Pode ser um trampolim para entender o amor de Deus por eles e sua vocação sobrenatural. Mas não vamos nos enganar. O vídeo de Peterson dificilmente capta a “mensagem” essencial do cristianismo e corre o risco de reduzi-lo a algo que não é.
Você não precisa ir à igreja para aprender como cumprir seus deveres e estabelecer ordem em sua vida. Você pode facilmente pegar uma cópia de um livro de Marco Aurélio, Nietzsche, Confúcio ou um livro de autoajuda, como “12 Regras para a Vida”, justamente de Jordan Peterson. Para os jovens que desejam compreender a plenitude da virtude cristã, recomendo que peguem uma cópia da carta apostólica do Papa Francisco: “Patris corde: com Coração de Pai”, sobre a vida de São José.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Procurando conselhos sobre masculinidade? Tente São José e ignore Jordan Peterson - Instituto Humanitas Unisinos - IHU