07 Outubro 2022
Membros de forças de segurança na Câmara crescem 36%, impulsionados por guinada à direita e expectativa equivocada de mais segurança no cotidiano, segundo analistas. Perfil atual da bancada é de influenciadores digitais.
A reportagem é de Bruno Lupion, publicada por Deutsche Welle, 06-10-2022.
A partir de janeiro, será mais comum encontrar pelos corredores da Câmara dos Deputados políticos respondendo pela alcunha de delegado, sargento e capitão, entre outras associadas ao mundo das forças de segurança.
Foram eleitos no domingo (02/10) 38 integrantes dessas forças, 35,7% a mais do que os 28 do pleito passado, segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Serão 14 policiais militares, 14 policiais civis, cinco membros das Forças Armadas, quatro da Polícia Federal e um do Corpo de Bombeiros com assento na Câmara.
Dos 38 eleitos, 37 pertencem a partidos da centro-direita à extrema direita. Dezoito são do PL do presidente Jair Bolsonaro – ele mesmo um capitão. Outros seis são filiados ao União Brasil e três ao PP. Avante, MDB, PSD e Republicanos possuem dois cada um na lista, e Patriota e Podemos, um cada um. A esquerda terá apenas um integrante nesse grupo: a Delegada Adriana Accorsi, do PT de Goiás.
Os representantes das forças de segurança compõem uma das partes da bancada da bala, que reúne de forma mais ampla deputados cuja agenda busca o endurecimento penal como forma de resolução de conflitos e a flexibilização do acesso às armas.
A iniciativa Proarmas, por exemplo, elegeu 16 deputados federais e sete senadores, dos quais alguns não são membros das forças de segurança – como o líder do movimento, Marcos Pollon (PL), que obteve a maior votação para deputado federal no Mato Grosso do Sul.
O analista criminal Guaracy Mingardi, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que o crescimento da bancada das forças de segurança na Câmara, que já havia sido registrada em 2018, reflete uma expectativa dos eleitores de que, ao votar em candidatos policiais ou militares, haverá maior segurança no seu cotidiano – uma percepção, segundo ele, equivocada.
"Eles se vendem pelo nome de delegado, capitão, etc. E dão a impressão para as pessoas que isso vai melhorar a segurança. Mas não há essa relação", diz, apontando que poucos parlamentares eleitos nessa chave discursiva costumam apresentar um bom desempenho na produção legislativa.
A "guinada à direita" do Brasil, consolidada com a eleição de Bolsonaro, também contribuiu para o sucesso eleitoral desses candidatos, diz Mingardi, pois a ideia de que é necessário um estado mais "duro, forte, pré-ditatorial" para combater o crime, presente no discurso bolsonarista, combina com uma perspectiva comum no meio policial de que seria mais fácil reduzir a criminalidade com maior uso da violência.
Em 2020, ele conduziu uma pesquisa que perguntou a policiais qual era a sua visão sobre o Judiciário, e identificou que a maioria deles desaprovava o trabalho da Justiça por diversos motivos, sendo o principal porque ela "não os deixa fazer o que querem".
A socióloga Roberta Heleno Novello, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, pontua que o crescimento dessa bancada nos últimos pleitos fez com que ela deixasse de operar apenas com "poder de veto" e agora "pode em certa medida ditar algumas agendas".
Ela também nota uma mudança no perfil dos deputados. Se antes essa bancada era formada majoritariamente por policiais que haviam participado de experiências de organização coletiva em associações ou greves, agora eles são mais próximos de "policiais influenciadores" habilidosos nas redes sociais, que promovem uma "mediatização e politização" da violência e da polícia. O mesmo processo, diz, aproximou a bancada da bala do bolsonarismo e da sua estratégia discursiva e eleitoral, ancorada em mídias sociais.
A mesma mudança de perfil, afirma Novello, pode explicar a tendência inversa registrada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, onde a bancada das forças de segurança diminui de dez para seis deputados estaduais segundo o resultado das eleições de domingo.
Nas Assembleias Legislativas, diz, predominam as pautas corporativas dos policiais, como negociações salariais com os governadores, enquanto o Congresso abre mais espaço para o debate sobre recrudescimento penal e acesso a armas, temas mais atrativos para os "policiais influenciadores".
Outro aspecto que favorece a eleição de candidatos da direita e da extrema-direita identificados à pauta de segurança pública é o fato desse tema ser pouco priorizado nas campanhas e plataformas da esquerda, diz Mingardi.
"A esquerda sempre deixou um pouco de lado a segurança pública. A direita dá mais ênfase à segurança e à repressão, e a esquerda dá mais ênfase em questões sociais. Não que a direita apresente propostas viáveis, mas ela fala mais sobre o assunto", diz, pontuando que também faltam propostas concretas por parte da esquerda.
Mingardi cita como exemplo o engajamento da esquerda em defender o fim da discriminação racial e de gênero, que segundo Mingardi não se reflete em propostas concretas, na seara da segurança pública, para alcançar esse objetivo.
Ele cita ainda que os integrantes das forças de segurança mais identificados à esquerda são minoria, e que membros de movimentos como o dos policiais antifascistas em sua maioria não trabalham na atividade-fim, pois "são vistos como comunistas extremados e acabam sendo jogados de escanteio" dentro de suas respectivas instituições.
O distanciamento da esquerda das pautas de segurança pública está ligado à forma como essas bancadas começaram a surgir nos Legislativos, ainda durante o processo de redemocratização, diz Novello. Elas foram inicialmente compostas por atores ligados à ditadura militar que encontraram no tema da segurança pública e nos discursos contrários aos direitos humanos um nicho estratégico de atuação e reprodução de perspectivas autoritárias.
Isso fez com que o debate sobre as políticas de segurança pública se tornasse "travado", diz. "Existe um discurso e uma agenda na qual é muito difícil de mexer. Qualquer iniciativa que pense um pouco diferente gera um custo político muito grande, porque mexe com pautas morais e gera muitas resistências", diz, o que levou a esquerda a optar por manter uma posição "recuada" no tema.
A pesquisadora do NEV projeta que o impacto legislativo da nova bancada das forças de segurança dependerá de qual presidente for eleito no segundo turno. Se for o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a tendência é ela atuar com poder de veto, para barrar iniciativas de um eventual novo governo petista. Se Bolsonaro for reeleito, ela deve facilitar a tramitação de iniciativas do Executivo em temas como endurecimento penal e liberação do porte de armas.
Mas isso não significa que todos os projetos de Bolsonaro serão aprovados com facilidade, nota, já que a tramitação envolve processos de negociação com as forças políticas da Casa.
Mingardi tem avaliação parecida. "Vão aparecer mais projetos que tenham a ver com a bancada da bala, mas ela sozinha não conseguirá aprovar nada", diz. Para isso, dependerá de outros setores do Congresso – que, no ano que vem, de qualquer forma terá uma composição mais favorável a Bolsonaro.
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O que revela a expansão da bancada de policiais e militares - Instituto Humanitas Unisinos - IHU