14 Setembro 2022
"Nos vimos passando da 'santidade' à 'humanidade' como ideal de ser-padre, como se a segunda fosse o envoltório do qual a primeira está destinada a emergir. O problema aqui não é de ordem teológica, porque teologicamente é fácil normalizar esse desvio com o recurso paradigmático à humanidade de Jesus como modelo de 'verdadeira humanidade' e critério de 'humanização'. O problema é prático e diz respeito à ideia de humanidade que reside no sentimento de vida do padre, visto que a santidade se torna para ele cada vez mais uma utopia. Eis aqui surgir um novo 'dever-ser' sutil e inconfesso: sempre se mostrando 'ao alcance da mão', próximo, desprovido de vida privada, disponível, submisso, goliárdico, sem inibições, multitarefa, 'um de nós'. O problema é que se pode ser tão competente quanto quiser e nem mesmo representar uma centelha do mistério cristão!", escreve Gianluca De Candia, professor de teologia na Universidade de Münster, em artigo publicado por Settimana News, 13-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Aceito como premissa que o "caso do padre que sai" poderia inserir-se naquela "liquidez cultural" que caracteriza a mentalidade, os "nervos" e todos estados de vida atuais, as razões que convencem um padre a ir embora são singulares, assim como os motivos que levam um padre a permanecer.
A "decisão" de abandonar o estado clerical não é um ato de decisão, mas de franqueza: a ratificação, diante de si mesmo e de Deus, de que há algo muito forte (um estranhamento, uma náusea, uma solidão, uma paixão, uma demanda, um afeto) que não podem ser deixadas de lado.
Ler essa experiência como o sintoma de uma escassa "maturidade afetiva" é indigno: não me parece que aqueles que deixam o sacerdócio necessariamente apresentem uma "maturidade afetiva" mais carente do que aqueles que permanecem sacerdotes. Antes disso, deveríamos nos entender sobre o que significa ser humanos de forma plenamente desenvolvida (sic!). E, além disso, somos e continuamos vulneráveis em todas as condições de vida.
Portanto, ao contrário de uma fixação pelo passado, seria o momento de avançar a uma “fenomenologia”, de olhar para o que está se transformando na Europa a forma de vida do padre secular hoje.
Nascido como termo jurídico para indicar a transferência dos bens da Igreja para as mãos da administração civil, o termo "secularização" foi adotado para indicar qualquer forma de emancipação do universo sacro.
É um fenômeno extenso, em si muito articulado que, depois do Concílio Vaticano II, afetou até o catolicismo vivenciado, e com ele também o clero "secular".
Em sua recepção teológica positiva, a secularização implicou para a Igreja Católica um abandono da "sacralidade" (de onde "sacerdote") e de suas formas, o que provocou uma reinterpretação radical da figura do padre. Em termos concretos, passou-se: da "representação" ao "ministério"; do "sacerdote" ao "pastor"; de batina ao clergyman (quando não à camiseta e calça jeans); da "beata" ao micro-ondas; do "cuidado das almas" à "pastoral"; da "paróquia" às "unidades pastorais" ou aos "movimentos".
Do ponto de vista teológico-espiritual, o eixo em torno da qual giram essas "viradas" é representado pelo conceito de "santidade", visto que - após a revolução cultural de 1968 - o "sagrado" caiu em prescrição.
Um retorno ao passado não é apenas impossível, mas seria deletério. Nestas condições, porém, a figura do padre já não "representa" mais Deus, a transcendência, o Mistério; ele é um pastor "a serviço" de uma parte da cidade, que jamais gostaria de ser equiparada a um "rebanho". As metáforas nunca são inocentes.
Esse deslizamento da sacralidade para a santidade foi, sem dúvida, necessário para "evangelizar" o conceito pagão de sagrado. A proverbial pedrinha que acaba desencadeando a avalanche é outro deslize, nunca tematizado, mas ativo por baixo na pregação, na formação, na mentalidade e nas práticas atuais.
Logo nos vimos passando da "santidade" à "humanidade" como ideal de ser-padre, como se a segunda fosse o envoltório do qual a primeira está destinada a emergir.
Sejamos claros: o problema aqui não é de ordem teológica, porque teologicamente é fácil normalizar esse desvio com o recurso paradigmático à humanidade de Jesus como modelo de "verdadeira humanidade" e critério de "humanização".
O problema é prático e diz respeito à ideia de humanidade que reside no sentimento de vida do padre, visto que a santidade (assim como a fraternidade presbiteral, a pobreza, etc.) se torna para ele cada vez mais uma utopia. Eis aqui surgir um novo "dever-ser" sutil e inconfesso: sempre se mostrando "ao alcance da mão", próximo, desprovido de vida privada, disponível, submisso, goliárdico, sem inibições, multitarefa, "um de nós".
O problema é que se pode ser tão competente quanto quiser e nem mesmo representar uma centelha do mistério cristão! Por trás desse deslizamento de "representação" para o "ministério" esconde-se um pelagianismo clamoroso. E talvez este seja precisamente um dos vírus a eliminar, porque tal ideal de humanidade, que deve ser plenamente desenvolvida, não torna de todo plausível uma escolha como o celibato, no momento em que - sabemos - "não é bom que o homem esteja só” (Gn 2,18).
Em última análise, imitando Karl Rahner, temos apenas que admitir: o padre (e o cristão) do futuro ou será místico (santo), ou não será.
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A índole secular do padre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU