16 Julho 2022
“Se você quiser me chamar de Father (Pai/Padre), não vou discutir com você. Meu trabalho é aceitá-lo como você é, não fazer você concordar comigo. Mas espero que você use o título com o conhecimento de que somos companheiros peregrinos. Porque todos estaremos muito melhor quanto menos distinções forem feitas entre nós, clérigos, e todos os outros. Entendo; nossas vidas parecem estranhas (sim, talvez nossas vidas sejam estranhas). Mas fundamentalmente somos apenas pessoas tentando seguir a Jesus e ser boas com os outros em nossas próprias maneiras confusas e imperfeitas. Às vezes, a melhor demonstração de respeito por alguém não é colocá-lo em um pedestal, mas deixá-lo caminhar ao seu lado nessa louca estrada”, escreve o jesuíta estadunidense Jim McDermott, em artigo publicado por America, 14-07-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Eu sou priest (sacerdote) por pelo menos 20 anos, e eu nunca gostei de ser chamado de “Father” (padre). Eu desgosto tanto disso, todo ano no Father’s Day (Dias dos Pais) algum membro engraçadinho da família me liga desejando um Happy Father’s Day. Eu desgosto muito disso, e tenho medo que cada vez mais membros da minha família façam isso.
Eu sei. Qual é o problema disso? É como chamar um médico de “doutor”. Isso é como as crianças se referindo aos pais de seus amigos como “tio e tia”. Isso é como se referir ao líder do seu grupo como “chefe”. É só um título.
Talvez, eu tenha o mesmo problema nessas situações. Mas eu penso que o título de “Father” é um pouco diferente. Parte do meu problema com esse termo está com a quantidade de respeito que automaticamente vem com isso, a autoridade que é instantemente dada aos sacerdotes. Depois que eu fui ordenado, católicos que eram muito mais velhos e mais importantes que eu, pessoas que nem mesmo me conhecem, estavam subitamente me chamando com uma deferência que eu não entendia e definitivamente não merecia. E “Father” era apenas parte desse pacote: eu não sei quantas vezes tive que escutar as pessoas se desculpando por falar um palavrão ou algo errado. “Você deveria vir tomar uma cerveja na minha comunidade”, eu gostaria de lhes responder.
E não são apenas estranhos que adotam o termo. São colegas de faculdade que me conheceram quando eu costumava andar a mil pelo campus enquanto usava, sem ironia, um chapéu preto, sobretudo preto e broche do Batman. São parentes que uma vez esvaziaram minhas fraldas e sabem que fiquei de castigo por tentar enganar um vizinho para pagar 100 dólares pelos meus antigos cartões comerciais de “Star Wars”. São pessoas que me conhecem muito bem para me tratar como se eu fosse algo especial.
É verdade, fiz votos de pobreza, castidade e obediência, e fiz algumas coisas interessantes e, esperançosamente, significativas em minha vida. Mas também sou um cara que passa muito tempo pensando em “Star Wars”, Jeff Goldblum e o futuro do Universo Marvel no cinema (Venham a mim, meus X-Men). E embora eu leve a sério ser sacerdote, também perdi empregos, estraguei amizades e recentemente me doutorei em guardar rancor. Eu gostaria de pensar que vale a pena conversar comigo. Mas ter a sua confiança? Guardar a sua fé? Sem pressa.
Minha antipatia pelo título também não vem de nenhuma falta de auto-estima (ainda não mencionei que sou jesuíta). Acho que não me chamar de Father é do seu interesse. Antes de ser ordenado, trabalhei como professor na Red Cloud Indian School, na Reserva Indígena Pine Ridge. As pessoas eram fantásticas e respeitosas, mas poucos deles se apressaram em colocar muita fé em um novo jesuíta para trabalhar lá. Todos eles tiveram muitas experiências passadas das coisas idiotas que dizemos e fazemos (e eu fiz). Em vez disso, eu tinha que ganhar o respeito deles. E foi difícil; forçou-me a enfrentar meus próprios pontos cegos e falhas. Mas isso me tornou um professor melhor e, eventualmente, espero, uma pessoa melhor.
Somos criados para pensar que os sacerdotes são dignos da maior consideração, mas, na verdade, as pessoas na Igreja hoje têm tantos motivos para serem cautelosos ou céticos em relação ao clero quanto meus alunos fizeram comigo. A história de abusos e encobrimentos da Igreja, expressões clericais de privilégio e histórias de clérigos que colocam a ideologia ou agendas políticas à frente do cuidado pastoral, todos minaram a legitimidade de nosso papel como líderes.
Então não hesite em... bem, hesite. Faça-nos provar que somos dignos de sua confiança antes de confiar. Isso não é ser crítico ou injusto, apenas prudente. Sua escolha de ir devagar pode até capacitar as pessoas ao seu redor a perceber que têm o direito de pedir o mesmo.
Aqui está outra coisa que eu não gosto de ser chamado de “Father”: O termo traça uma distinção inútil entre nós, que somos sacerdotes, de todos os outros na Igreja. Os instrutores de educação religiosa geralmente não são chamados de “Professores”; o diretor dos Ministérios Sociais de sua paróquia não é “Discípulo” ou a pessoa de manutenção “o Czar da Limpeza”. Então, por que me dar um título? Meu primeiro nome funciona tão bem quanto o deles. E embora eu esteja no lugar de Cristo durante as atividades sacramentais, nossa crença continua sendo que é Cristo quem está fazendo o trabalho, não eu. E não somos todos chamados a ser Cristo nas ações de nossas vidas diárias?
Minha conexão com Deus não é magicamente mais profunda que a sua. A maioria dos clérigos não tem visões nem ouve vozes. Também não sou mais gentil do que ninguém ou mais generoso; pergunte à minha família ou amigos.
Não estou tentando descartar a graça que um bom sacerdote pode ser em uma comunidade. Quero apenas salientar, assim é uma boa religiosa, um bom diretor musical, uma boa professora de teologia, um bom diácono, uma ministra ativa e aquele casal de idosos que vem à paróquia nos últimos 60 anos. O clericalismo faz parte de nossa Igreja há tantos séculos que acho muito difícil reconhecermos toda a extensão dele, mesmo quando está bem na nossa frente. Tenho certeza de que a maioria das pessoas pensa que está apenas fazendo o que deve fazer quando me chama de “Father” ou quando se abstém de me dizer que minha homilia foi terrível e que, a propósito, pareço um desajeitado. Mas realmente a ajuda deles poderia me impedir de cometer esses erros.
Ainda ouço muitas histórias de sacerdotes indo para novas paróquias e fazendo mudanças assim que chegam lá, não consultando ninguém e agindo mais como um rei do que como um líder. Na minha opinião, é aí que toda a deferência “Yes, Father” nos leva a caras que abusam de sua autoridade e acham que está tudo bem.
Por fim, se você quiser me chamar de Father, não vou discutir com você. Meu trabalho é aceitá-lo como você é, não fazer você concordar comigo. Mas espero que você use o título com o conhecimento de que somos companheiros peregrinos. Porque todos estaremos muito melhor quanto menos distinções forem feitas entre nós, clérigos, e todos os outros. Entendo; nossas vidas parecem estranhas (sim, talvez nossas vidas sejam estranhas). Mas fundamentalmente somos apenas pessoas tentando seguir a Jesus e ser boas com os outros em nossas próprias maneiras confusas e imperfeitas. Às vezes, a melhor demonstração de respeito por alguém não é colocá-lo em um pedestal, mas deixá-lo caminhar ao seu lado nessa louca estrada.
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Por favor, não me chame de “Padre”. Artigo de Jim McDermott - Instituto Humanitas Unisinos - IHU