A violência contra os povos indígenas no Maranhão se agravou com o assassinato, no sábado (3), do indígena Janildo Oliveira Guajajara, que atuava como guardião desde 2018. É a sexta morte violenta de um guardião.
A reportagem é de Josi Gonçalves, publicada por Amazônia Real, 05-09-2022.
O guardião da Terra Indígena (TI) Arariboia Janildo Oliveira Guajajara foi assassinado com tiros nas costas na madrugada de sábado (3). O crime, no município de Amarante do Maranhão (MA), é o sexto assassinato desde o início das atividades do grupo Guardiões da Floresta. Até a noite desta segunda-feira (5), a polícia não divulgou se tem pistas da autoria dos disparos ou ainda quais teriam sido os motivos dos crimes. Janilson estava acompanhado de um sobrinho, de 14 anos, que também foi baleado e internado em um hospital de Amarante. Lideranças indígenas levantaram a suspeita de que a morte de Jael Carlos Miranda Guajajara, de 34 anos, vítima de um atropelamento na mesma madrugada, no município de Arame, tenha sido intencional e não um acidente.
Janildo atuava como Guardião da Floresta desde 2018, na região do Barreiro, em uma aldeia nas proximidades de uma estrada aberta por madeireiros. Por ser ilegal, os guardiões fecharam a via, o que iniciou o ciclo de ameaças aos Guajarara. “Por todos esses anos fizemos e continuaremos a fazer a proteção territorial mesmo sendo ameaçados e mortos. Somos contrários a violência que mata e destrói, por isso lutamos pela vida”, informou, em nota, a Associação Ka’a Iwar dos Guardiões da Floresta da Terra Indígena Arariboia.
Já o Programa Estadual de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos do Maranhão, em informe, afirmou que não tem maiores informações sobre o estado de saúde do sobrinho de 14 anos. Na tarde de terça-feira, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-MA) informou que o jovem, que estaria de garupa de Janildo, recebeu alta hospitalar. De acordo com a SSP-MA, a Polícia Federal deve investigar o caso a partir de agora. Para a coordenação do programa, o autor dos disparos seria um “conhecido da família”, que mora próximo da casa onde Janildo e sua mulher estavam hospedados em Amarante.
Em nota, o Conselho Missionário Indigenista do Maranhão (Cimi) denuncia as mortes dos Guajajaras e destaca o contexto de vulnerabilidade dos indígenas. “O povo Guajajara teme pela sua vida, pois a insegurança é constante e as ameaças seguem dia após dia”, afirma. Dados do Cimi apontam que entre 2006 e 2022, 26 indígenas foram assassinados na TI Arariboia. “Reforçamos a necessidade de mais segurança nos Territórios Indígenas e mais ações do poder público que venham cobrir o derramamento de sangue nas comunidades indígenas.”
Criado em 2012 pelos próprios indígenas, o Guardiões da Floresta faz a proteção e a vigilância das TIs, tentando conter e combater o desmatamento, os incêndios criminosos e os invasores. Essa função caberia ao Estado brasileiro, definida na Constituição Federal. Mas diante da insegurança em que vivem, os indígenas decidiram patrulhar as áreas demarcadas por conta própria. Por esse motivo, eles se tornaram alvo de represálias dos invasores.
Na mesma TI Arariboia, o guardião da floresta e liderança Paulo Paulino Guajajara, de 26 anos, foi assassinado em novembro de 2019. Em uma emboscada de madeireiros ilegais, ele levou um tiro no pescoço. Naquele mês e no seguinte, outros três indígenas Guajajara foram assassinados, inclusive dois caciques: Firmino Prexede Guajajara, de 45 anos, da aldeia Silvino (TI Cana Brava), e Raimundo Benício Guajajara, 38, da aldeia Descendência Severino (TI Lagoa Comprida).
O guardião Paulo Paulino Guajajara foi assassinado aos 26 anos (Foto Patrick Raynaud | APIB)
Uma liderança indígena que preferiu manter o anonimato por receio de retaliações, desabafou à Amazônia Real: “A realidade é que ninguém faz a segurança do nosso Estado. Então eles decidiram fazer por conta própria com ajuda de algumas ONGs internacionais e o resultado é esse. Só eles acabam morrendo sem nenhuma intervenção ou ação direta do Estado brasileiro”.
A fonte disse que as mortes de indígenas não são aprofundadas a contento e os casos continuam sem solução. “Nunca foi prioridade. Estamos vendo acontecendo sempre e nenhuma justiça é feita. Na maioria das vezes são citados como quem estava alcoolizado e fica por isso mesmo”, afirmou. A nota da Associação Ka’a Iwar conclui informando que, apesar da violência de que são alvo, “nosso povo clama por justiça e exigimos a devida investigação desse e de outros assassinatos contra o povo Tentehára e queremos resposta da justiça de mais esse crime bárbaro”.
O grupo denominado Guardiões da Floresta é formado por indígenas Guajajara, com apoio de outras etnias, como os Gavião e Kaapor. A maior parte do grupo atua na Terra Indígena Arariboia, fazendo proteção, fiscalização, monitoramento de ações ilegais de madeireiros. Os Guardiões são lideranças homens e mulheres que dividem suas ações no território Araribóia.
Os indígenas Guajajara, autodenominados Tenetehára, habitam mais de 11 territórios indígenas na margem oriental do Maranhão; o maior deles é Arariboia. Eles têm uma história de contato com a sociedade não indígena de quase 400 anos marcada por revolta e tragédias. Possuem uma língua que faz parte do tronco Tupi-Guarani e sua população atual é estimada em mais de 27 mil pessoas.
Para o sertanista Sydney Possuelo, ex-presidente da Funai, que demarcou 166 terras indígenas, entre elas a dos Yanomami e as do Vale do Javari, os Guardiões da Floresta estão na linha de frente, enquanto o Estado não está presente. Há cerca de um mês, Possuelo conheceu o trabalho dos vigilantes no Maranhão e voltou com a certeza de que esses jovens estão sob ameaça constante.
“Está um Deus nos acuda. Esses rapazes se expõem à morte. Os invasores estão bem armados e se sentem protegidos pelo presidente da República para matar, destruir, torturar”, afirmou Possuelo. “Foram 400 anos de lutas que Bolsonaro, em quatro anos, destruiu o pouco que conseguimos conquistar. Esse governo atual não só fez o que prometeu – não demarcar as terras indígenas – como foi além disso: conseguiu retroceder nos avanços que tivemos na legislação, no respeito aos povos indígenas, no meio ambiente, nas demarcações.”
Para Possuelo, ouvido pela Amazônia Real, os indígenas vivem um sentimento de frustração, por estarem o tempo todo tendo de lutar por seus direitos que lhe foram arrancados. Ele compara a questão do direito dos indígenas à terra com o processo de usucapião, onde uma pessoa não indígena pode reclamar a posse de um pedaço de terra após comprovar o uso dessa área por, pelo menos, cinco anos.
“Enquanto isso, uma etnia com dois, três mil anos num lugar, com centenas de pessoas e tradições milenares, têm que comprovar o direito à terra, cujo território originalmente sempre pertenceu a ela. É uma injustiça terrível que a nossa sociedade faz com os povos indígenas que nos ajudaram a ampliar os limites desse imenso território. Grande parte teve o braço do índio.”
Terra Indígena Arariboia sofreu incêndio criminoso em 2018 (Foto: Reprodução)
Em 2021, um relatório do Cimi apontou que houve aumento nas invasões de terras indígenas no Brasil. Também houve agravamento da violência, violações dos direitos constitucionais dos povos originários e desmonte dos órgãos de fiscalização e assistência no governo de Jair Bolsonaro. Nesse governo, os casos de “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio” só cresceram. “Em 2021, o Cimi registrou a ocorrência de 305 casos do tipo, que atingiram pelo menos 226 TIs em 22 Estados.”
Segundo o documento, em 2020, foram registrados 263 casos de invasão, que afetaram 201 terras em 19 Estados. A quantidade de casos em 2021 é quase três vezes maior do que a registrada em 2018, quando foram contabilizados 109 casos do tipo. O relatório ainda aponta elevação da ação ilegal de garimpeiros, madeireiros, caçadores, pescadores e grileiros em territórios indígenas, além de ataques criminosos recorrentes, com armamento pesado.
A violência sistematizada aumentou em 15 das 19 categorias descritas pela publicação, em relação ao ano anterior. “Foram registrados 176 assassinatos de indígenas – apenas seis a menos do que em 2020, que registrou o maior número de homicídios desde que o Cimi passou a contabilizar este dado com base em fontes públicas, em 2014”, informa o relatório.
Sepultamento do indígena Janildo Guajajara (Foto: Reprodução Redes Sociais)
A violência contra indígenas se espalha por todo o País. No sul da Bahia, o adolescente indígena pataxó Gustavo Conceição da Silva, de 14 anos, da TI Comexatiba, também foi morto com um tiro de fuzil na nuca, na madrugada deste domingo (4). O ataque ao grupo da Aldeia Alegria Nova teria partido de pistoleiros. Lideranças indígenas relataram que homens fortemente armados dispararam contra jovens, crianças e mulheres indígenas. No local, a Polícia encontrou cartuchos de armas de grosso calibre e bombas de gás lacrimogêneo.
O centro do conflito é uma área de 28.600 hectares onde vivem 3 mil indígenas. O povo Pataxó, como em outras áreas do Brasil, luta há décadas pela demarcação da terra. “Apesar de ‘esperarmos’ o aumento da violência contra os povos indígenas no apagar das luzes deste desgoverno, não é concebível o descaso com a vida humana, com cidadãos que estão lutando pelos seus direitos, invertendo o sentido de cidadania. Vamos continuar lutando para que a justiça e a vida prevaleçam diante da violência institucional incentivada em nosso país”, afirma nota do Cimi local.
O indígena pataxó Gustavo Conceição da Silva (Foto: Reprodução Redes Sociais)
Nesta noite terça-feira (6), segundo o Cimi, homens armados, não se sabe precisar quantos, invadiram por voltas das 19h (horário de Brasília) a Aldeia Nova, que fica no entorno do Monte Pascoal, onde vivem de 40 a 50 famílias Pataxó. Conforme os relatos, os homens arrombaram a porta da casa do cacique, mataram um cachorro e passaram o sangue do animal nas paredes da residência. A aldeia fica a 20 km de distância do Vale do Rio Cahy, onde um adolescente Gustavo Conceição foi assassinado.
De acordo com o Cimi, a Polícia Militar foi acionada entre às 20h e 20h30. Para chegar até o local se percorre 30 km de asfalto e mais 4 km de estrada boa. Até o momento nenhuma guarnição chegou ao local. Crianças e mulheres estão escondidas nas matas. Há relatos de que os agressores ainda estão nas proximidades. Não há registro de mortes de indígenas, segundo o conselho.