01 Setembro 2022
“Tendo dado a Shia LaBeouf mais de uma hora para falar sobre sua jornada espiritual, talvez Barron considere ter uma conversa semelhante com mulheres que sobreviveram a agressão doméstica ou abuso sexual, que o ator é acusado de ter cometido”, escreve o jesuíta estadunidense Jim McDermott, em artigo publicado por America, 30-08-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
No final da semana passada, em uma entrevista com o bispo Robert Barron em seu talk-show “Bishop Barron Presents”, o ator Shia LaBeouf compartilhou que trabalhar em uma nova cinebiografia sobre Padre Pio mudou sua vida. Ele agora vai à missa, recebe a comunhão e ama particularmente a missa em latim. “A missa em latim me afeta profundamente, profundamente”, explicou. “Parece que eles não estão me vendendo um carro. E quando eu vou a algumas missas com as guitarras e tal... é como se eles estivessem tentando me vender uma ideia”.
“É quase como se eu estivesse participando de algo muito especial”, disse LaBeouf sobre as missas em latim que ele participou em Oakland, Califórnia. A decisão do Concílio Vaticano II de tornar a missa mais participativa foi uma ativação”, ele sente. “Havia um desejo de ativar o público, de forma artificial”.
Como você pode imaginar, isso criou uma grande agitação. Os fãs da missa latina se sentiram vingados. Até “Louis Stevens” gosta da missa em latim! Outros se perguntavam: Quem se importa?
Assistindo ao vídeo, fiquei surpreso ao descobrir que a discussão entre o bispo Barron e Shia LaBeouf ia muito além do que eu estava ouvindo nas mídias sociais. Sim, eles falam sobre a missa em latim, e o encapuzado LaBeouf comete algumas gafes (ao mesmo tempo em que admite que não é especialista em catolicismo, ele fala sobre “o Cristo do Antigo Testamento em um cavalo, capa mergulhada em sangue, espada...”). Mas ele e o bispo Barron também falam sobre sofrimento, vergonha e as formas inesperadas que Deus opera na vida de uma pessoa. E muito de suas idas e vindas tem o tipo de curiosidade e abertura sobre espiritualidade que você pode encontrar muito ocasionalmente em um programa de TV como “The Late Show with Stephen Colbert” e mais frequentemente em podcasts como “The Gloria Purvis Podcast” e “Jesuitical” da revista America, mas poucos outros lugares na Igreja Católica propriamente dita.
O bispo Barron vem fazendo programas ocasionais como esse há algum tempo, e seu formato descontraído, ao estilo de Charlie Rose, é o tipo de coisa que precisamos mais na Igreja. No meandro aberto que esse formato permite, somos capazes de ir além de alguns dos tópicos e oposições padrão e entrar em conversas mais profundas e significativas.
Mas também é muito difícil assistir à conversa porque LaBeouf recebeu esta grande plataforma para falar sobre fé durante um tempo em que ele é acusado de ter abusado domesticamente e agredido sexualmente duas mulheres diferentes, com outras duas apoiando as alegações das mulheres com suas próprias experiências de abuso e assédio do ator. Esta questão nunca é levantada por Robert Barron, o que é difícil de entender. Mas Barron também permite que LaBeouf aborde o assunto repetidamente, de maneiras que o pintam como uma vítima, sem nunca desafiar ou questionar essas caracterizações.
Logo no início, LaBeouf diz que quando veio para o projeto do Padre Pio “não queria mais ser ator, minha vida estava uma bagunça, e eu havia machucado muitas pessoas, e sentia uma vergonha profunda”. Mas logo depois ele está falando sobre a rejeição que experimentou de seus pares e de sua família como se ele fosse o único ferido. “Deus chama certas pessoas para passar por certos sofrimentos”, diz LaBeouf, citando conselhos que ele diz ter recebido de um monge, “para que possam ser mais eficazes em levar as boas novas adiante”. O bispo responde apenas elogiando a sabedoria que o LaBeouf ganhou e os mentores que ele teve.
Tendo dado a Shia LaBeouf mais de uma hora para falar sobre sua jornada espiritual, talvez Barron considere ter uma conversa semelhante com mulheres que sobreviveram a agressão doméstica ou abuso sexual.
Mais tarde, LaBeouf diz que antes de trabalhar no filme do Padre Pio, ele “estava tão chateado, tão ressentido com a mulher que me acusou de tudo isso... e agora vejo que aquela mulher salvou minha vida. Ela é para mim uma santa na minha vida”. Parece ótimo e leva a uma conversa interessante sobre a mudança radical de perspectiva que a conversão pode trazer. Mas também é uma maneira de LaBeouf se reformular como mártir. Ele é o inocente que sofreu, e ela é a vilã que ele agora é compassivo o suficiente para perdoar.
No início da entrevista, quando ainda está disposto a reconhecer alguma responsabilidade pela situação em que se encontra, LaBeouf nunca reconhece a necessidade de fazer algo para reparar o que foi quebrado. A conversão, como ele fala, parece envolver uma mudança pessoal sem qualquer tipo de reparação ou restituição (nos últimos dias, LaBeouf esteve disposto a admitir mais culpa, mas somente depois que a diretora Olivia Wilde compartilhou seus medos por sua atriz principal depois de tê-lo em seu set).
Não tenho motivos para duvidar das boas intenções do bispo; mais uma vez, acho que seu programa fornece um fórum significativo para conversas sobre fé e vida, um que a igreja mais ampla pode aprender. Precisamos de mais oportunidades como essa para pensar e falar sobre nossa fé. Mas não importa qual fosse sua intenção, sua conversa com LaBeouf oferece outro exemplo do tipo de desrespeito pelas vítimas e mulheres que tantas vezes é dirigido contra os líderes da Igreja Católica. Dizemos que estamos ao lado das vítimas de abuso e que apoiamos as mulheres, mas repetidamente nossas escolhas nos mostram, em vez disso, estar apenas com os homens que foram acusados.
Tendo dado a Shia LaBeouf mais de uma hora para falar sobre sua jornada espiritual, talvez o bispo Barron considere ter uma conversa semelhante em “Bishop Barron Presents” com mulheres que sobreviveram a agressão doméstica ou abuso sexual. De acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças, uma em cada cinco mulheres nos Estados Unidos sofreu violência física grave e/ou violência sexual de um parceiro íntimo em sua vida, e uma em cada quatro sofreu agressão psicológica extrema. Eles também têm histórias para contar e sabedoria para oferecer.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A peça que faltava na conversa de Shia LaBeouf com o bispo Barron: as histórias das vítimas de abuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU