03 Agosto 2022
O reverendíssimo Donald J. Bolen, arcebispo de Regina, era um dos bispos canadenses profundamente envolvido no planejamento e preparação para a histórica visita do Papa Francisco aos povos indígenas no Canadá, na última semana. Ele também foi um dos seis bispos canadenses que acompanharam as delegações Métis, Inuit e First Nations na visita ao Papa Francisco no Vaticano em março passado, quando compartilharam suas histórias de abusos sofridos por muito tempo nas escolas residenciais administradas pela Igreja.
Dom Bolen participou de todos os principais eventos que o Papa Francisco esteve durante a visita de seis dias no Canadá e acompanhou sobreviventes, incluindo no último em Iqaluit, em 29 de julho, onde Francisco se encontrou com sobreviventes das escolas residenciais e depois deixou sua mensagem para os jovens e idosos da nação Inuit antes de embarcar no voo de volta a Roma.
Eu encontrei o arcebispo em Iqaluit e o entrevistei logo após o fim da visita. Eu comecei perguntando sua avaliação geral da peregrinação penitencial do Papa Francisco a 1,7 milhão de pessoas indígenas desse país multiétnico e multicultural de 38 milhões de habitantes, sendo 44% católicos.
A entrevista é de Gerard O'Connell, publicada por America, 02-08-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Qual é a sua avaliação geral da visita do Papa Francisco aos povos indígenas no Canadá?
Eu estou profundamente grato. Eu estou grato que o Papa Francisco se dispôs a vir e grato pelas profundas palavras que ele disse aqui. Eu estou grato pela coragem de tantos sobreviventes que participaram e grato pela mensagem de que nós como uma Igreja canadenses recebemos e a missão que o Papa nos deu – é claro, uma missão que também vem a nós dos sobreviventes.
Você trabalhou muito com os sobreviventes e com grupos indígenas ao longo desses anos. O que você diria que realmente foi mais forte para eles em sua visita?
Em primeira instância, o próprio pedido de desculpas. Foi tão profundo e sincero, e muitos indicaram que receberam esse pedido de desculpas. Quando os chefes subiram para falar com o papa, vários disseram: “Aceitamos suas desculpas”. Claro, nem todos. Como você sabe, cada sobrevivente está em um ponto específico em sua jornada de cura e tem diferentes experiências e perspectivas no início. Mas o pedido de desculpas chegou a muitos, e estamos em um lugar diferente do que estávamos há uma semana na caminhada da Igreja com os povos indígenas, um lugar melhor.
A outra coisa que descobri é que temos uma missão daqui para frente, e temos muito mais clareza sobre isso, dos sobreviventes e do papa. Essa missão inclui, em primeiro lugar, ser uma Igreja que diz a verdade e está disposta a olhar honestamente para o passado, caminhar e acompanhar os sobreviventes, ajudá-los em sua jornada e em seus esforços para contar suas histórias e em seus esforços para curar.
Em segundo lugar, ser uma Igreja que realmente se solidariza com os povos indígenas em sua busca por justiça. Então, ser uma Igreja que reconhece os direitos inerentes aos povos indígenas, direitos que lhes são dados pelo Criador, como dizem com razão; direitos articulados na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos povos indígenas, que realmente exige que nos tornemos imersos nas questões de justiça dos povos indígenas hoje – nas questões da pobreza, incluindo acesso à educação, acesso à saúde, acesso à água. Ser uma Igreja que reconhece o trauma intergeracional com o qual eles lutam, o que se revela nas taxas de encarceramento, nas taxas de dependência, nas taxas de suicídio.
Como Igreja, realmente temos a missão de nos envolver com eles nesse sentido. E, finalmente, ser verdadeiros aliados em seus esforços para manter e fortalecer suas línguas, para transmitir sua cultura, tradições, espiritualidade, cerimônias às próximas gerações e permitir que sejam fontes de força na comunidade. Acho que em todas essas frentes, o Papa Francisco realmente apoiou o que vimos como pedidos vindos de sobreviventes.
E as relações da Igreja com o governo em relação aos povos indígenas?
Acho que realmente apreciamos a forma como o governo apoiou esta visita e a apoiou financeiramente. Deixou a Igreja assumir a liderança na organização dos eventos. Estou agradecido pela maneira como eles forneceram segurança para os eventos e ajudaram com o financiamento de vários outros aspectos da visita.
As relações entre a Igreja e o governo em questões indígenas têm sido tensas. O governo tem sido muito crítico da Igreja e, eu acho, nem sempre assumindo sua própria responsabilidade. Afinal, essas eram escolas financiadas pelo governo, mas as Igrejas as operavam. Mas quando o papa falou, eu acho, eles não se sentiram julgados com severidade. Assim, esperamos que as boas relações que foram fomentadas na preparação desta visita continuem.
Você estava na Catedral de Notre Dame, em Quebec, em 28 de julho, quando Francisco falou aos bispos, clérigos, religiosos e seminaristas. O que o impressionou no que o papa disse?
Foi um belo discurso sobre uma visão de Igreja; uma Igreja que serve, uma Igreja que não busca o poder, uma Igreja que se engaja no diálogo, que busca o encontro, que alcança as pessoas necessitadas; uma Igreja que não tem medo de viver em uma cultura secular e não precisa condenar a cultura ao seu redor, mas entrar em diálogo e encontrar maneiras criativas de ser fiel. E fiquei profundamente comovido com a resposta da congregação ao discurso do papa. É claro que a maioria das reuniões em que o papa falou foram principalmente reuniões com sobreviventes [de escolas residenciais] e comunidades indígenas. Mas esta foi realmente uma chance de falar com o clero, os religiosos, os líderes leigos e os bispos em nossa Igreja.
O papa falou, e obviamente sua coragem estava muito à mostra. Apenas a energia física necessária para sair de sua cadeira é tão visível, um sinal tão visível de sua determinação. Mas a resposta da congregação após sua homilia foi bastante extraordinária. Houve uma grande explosão de aplausos. E, não sei... talvez depois de 20 ou 30 segundos o papa começou a sinalizar. Primeiro, ele sinalizou que era o suficiente, mas não paramos. Então ele sinalizou novamente que era o suficiente, mas não paramos. E então, com um pequeno sorriso no rosto, ele realmente sinalizou pela terceira vez que era o suficiente e então houve apenas uma explosão de uma ovação naquele momento. Foi só quando o cardeal [Gérald] Lacroix se sentou que nos acomodamos. Foi uma demonstração de afeto e apoio — apoio, acho, por sua visão da Igreja e por sua coragem pessoal e disposição em nos ajudar neste momento de necessidade.
Última pergunta: Em seu coração, o que você leva dessa visita que se encerrou agora?
Eu estou tão grato. Por seis anos, tenho tentado trabalhar para esta visita, desde o momento em que Chamado à Ação 58 [da Comissão de Verdade e Reconciliação por um pedido de desculpas papal para escolas residenciais] foi lançado [em 2015]. Conversei com os povos indígenas na época e eles disseram: “Isso é muito importante para nós. Isso realmente ajudaria”.
Então hoje há uma profunda alegria em meu coração. É claro que nem todos estão celebrando a visita, e nem todos vão encontrar cura nela, mas tantos estão, tantos estão, e o coração do Papa Francisco estava totalmente à mostra para nós, um coração que se estende, cheio de compaixão, um coração que fala da misericórdia de Jesus, da misericórdia de Deus para com o mundo. Portanto, a última palavra é profunda gratidão pelo que vivemos e esperança no futuro.
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“O seu coração esteve totalmente à mostra para nós: cheio de compaixão”, testemunha Arcebispo Bolen avaliando a visita do Papa Francisco ao Canadá - Instituto Humanitas Unisinos - IHU