Uma conversa com a antropóloga Annalisa D'Orsi que até 2015 viveu entre um dos grupos nativos de Quebec, nas comunidades de Maliotenam e Uashat.
"Estive entre os Innu do Québec por cerca de doze anos, entre 2003 e 2015, e vi dia após dia a devastação social e humana, a desestruturação interior, causada pela educação forçada imposta pelo governo canadense". Quem conta isso é a antropóloga Annalisa D'Orsi, que chegou ao Canadá para seu doutorado de pesquisa e depois decidiu ficar por muito tempo naqueles territórios, "para entender, para dar uma mão, porque estava fascinada por um mundo que com muita dificuldade tentava se reencontrar”.
O território tradicional dos Innu, cerca de vinte mil pessoas, estende-se ao norte, além da cidade de Québec, até as terras dos Inuítes, ao longo da costa norte de São Lourenço. Espaços imensos, milhares e milhares de quilômetros quadrados que as várias famílias repartiam segundo critérios decorrentes da necessidade de dispor de espaço suficiente para a caça, de onde obtinham carne e peles de castor, lince e caribu.
A entrevista é de Annalisa D'Orsi, editada por Luciano Moia, publicada por Avvenire, 27-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como estava a situação quando você chegou em 2003?
Conheci duas comunidades situadas a cerca de 15 km uma da outra, Maliotenam e Uashat, a segunda adjacente à cidade mineira de Sept-Ils, construída na década de 1950 para a extração e processamento de ferro. Em Maliotenam até 1972 funcionou um colégio administrado pela congregação dos padres Oblatos de Maria Imaculada e das irmãs de Nossa Senhora Auxiliadora, realidade nascida na França em 1816, que em 1941 teve o mandato de evangelizar aquelas que para os franceses eram suas "missões estrangeiras".
Há quantos anos o colégio ficou em funcionamento?
Cerca de vinte anos, de 1951 a 1972. Era frequentado por cerca de 200 crianças e adolescentes Innu que vinham de todos os territórios do noroeste de Québec. O processo de colonização na costa Norte foi muito tardio, mas infelizmente implacável.
Mapa da região de Quebec, Canadá, com destaque para a cidade de Sept-Ils.
(Foto: Site Geology.com)
Refere-se aos métodos adotados?
Certo, em todo o Canadá havia 139 internatos dedicados a 150.000 crianças das populações autóctones, 60% administrados por congregações católicas cujo objetivo, entre outros, era cancelar as culturas tradicionais para impor, junto com a evangelização, o estilo de vida ocidental. Uma reeducação forçada em que todos os meios eram considerados legítimos.
Então também para o povo Innu?
A obrigação imposta às crianças de frequentarem o internato obrigou as famílias a mudarem o estilo de vida. De nômades tornaram-se sedentários para ficar o mais próximo possível de seus filhos. Os grandes territórios do Innu foram assim explorados para a energia hidrelétrica e os recursos minerais.
E quais foram as consequências do ponto de vista educacional?
Desastrosas. Nas comunidades onde vivi, cerca de 4 mil pessoas, havia idosos que não haviam frequentado o internato e gerações de meio que foram obrigadas a permanecer lá por anos. A cadeia de transmissão geracional havia sido interrompida pela frequência obrigatória. A língua e as culturas locais foram apagadas. Ao entrar no colégio eram apreendidas as roupas tradicionais para impor o uniforme, o corte de cabelo, era proibido conversar entre diferentes grupos geracionais e tomar iniciativas.
Que lugar teve a violência nesses processos de reeducação forçada?
Era de alguma forma um sistema institucionalizado para desconstruir a personalidade e ter pleno poder sobre os menores. Pesquisas muito sérias descobriram que pelo menos um quarto das crianças sofria violências psicológicas, físicas e sexuais significativas.
Você falava sobre essas situações com os adultos das comunidades?
Era inevitável, embora muitas vezes eu me visse diante de muros de silêncio, as pessoas se mostravam agressivas porque essas experiências traumáticas haviam marcado as suas vidas de forma indelével e o processo de cura, em alguns casos, nunca terá fim.
Parece incrível que sistemas educacionais tão atrozes possam ser considerados aceitáveis por uma congregação religiosa...
O problema para esses religiosos é ter assumido acriticamente a mentalidade dos colonizadores segundo a qual a criança nativa era "outra", de alguma forma era desumanizada, a distância étnica permitiu criar uma distância psicológica. O resto foi feito por personalidades perturbadas e patológicas. Infelizmente, essas pessoas eram cobertas pelas instituições.
Você viu as consequências desses comportamentos...
Infelizmente, as pessoas que sofreram abusos tendem a reproduzir esses comportamentos. No início dos anos 2000, as comunidades onde vivi lutavam para sair do alcoolismo e das drogas, mas o índice de violência contra mulheres e menores continuava muito alto. Vi uma grande vontade de ir além, de se libertar, mas também muita raiva porque as pessoas tinham vergonha das suas vivências.