15 Junho 2022
“É disso que trata a presidência da Eucaristia, bem como a presidência da comunidade: criar comunhão. Também me parece que a atitude de algumas feministas norte-americanas de não comungar enquanto um homem está rezando a missa prejudica a própria causa que querem defender porque coloca o interesse próprio (por mais legítimo que seja) à frente de algo tão sério como a Eucaristia”, escreve o jesuíta espanhol José Ignácio González Faus, em artigo publicado por Religión Digital, 12-06-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Pois então, repentinamente se tornou notícia em todos os meios de comunicação: reivindicam na Alemanha, na Catalunha, em São Sebastião e não sei em quantos outros sínodos... querem a ordenação de mulheres e o fim do celibato ministerial. Até o jornal La Vanguardia, que nunca fala de temas eclesiais em seu editorial, dedicou reflexões do seu diretor, serenas e razoáveis, sobre o tema.
Talvez seja proveitoso refletir um pouco, distinguindo o que e o quando.
Quero começar proclamando que respeito muito o celibato pelo Reino. Porém, reconhecendo que não o ministério eclesial não se identifica somente com o celibato. Neste outro campo creio que o verdadeiro problema reside no direito das comunidades à eucaristia. Um direito que não pode ficar submetido ao desejo da autoridade eclesiástica de impor determinadas normas ao ministério. Qualquer outro tipo de argumentação de que o celibato rompe com a fraternidade ou ataca a liberdade, me pergunto se não deveria passar antes por consulta com o doutor Freud.
No que diz respeito ao ministério das mulheres, escrevi novamente que, pelo meu conhecimento bíblico limitado, não vejo objeção. A Igreja deve perguntar o que Jesus faria hoje e não apenas o que ele fez então. E na entrada do Vaticano, em vez do texto que “tu és Pedro…”, outro texto, também de São Mateus, seria muito melhor: “Por que é que vocês também desobedecem ao mandamento de Deus em nome da tradição de vocês?”. Precisamos muito mais dessas palavras hoje.
Mas acrescento que não se trata de sacerdotisas mulheres, como alguns dizem. Os sacerdotes na Igreja não são eles nem elas, mas apenas Jesus Cristo e o “povo sacerdotal”: essa é a linguagem do Novo Testamento. Esse falso título sacerdotal está na raiz da praga clericalista tão vilipendiada por Francisco.
Trata-se, portanto, do acesso das mulheres não ao sacerdócio, mas ao ministério eclesial (chame-o sacerdócio, cura de almas ou outro nome melhor). É até provável que a abolição do termo “padre” (substituído por “pastor” que não sei se hoje é o mais adequado) foi algo que facilitou o acesso das mulheres ao ministério nas igrejas da Reforma. No pouco contato que tive com dois ou três pastores protestantes alemães, pensei ter visto até que ponto as mulheres (quando estão de bom humor) são capazes de criar comunhão [1]. E, em última análise, é disso que trata a presidência da Eucaristia, bem como a presidência da comunidade: criar comunhão.
Também me parece que a atitude de algumas feministas norte-americanas de não comungar enquanto um homem está rezando a missa prejudica a própria causa que querem defender porque coloca o interesse próprio (por mais legítimo que seja) à frente de algo tão sério como a Eucaristia. É semelhante à atitude que tenho visto por aqui de algumas pessoas que, se não recebem a comunhão na boca, saem sem receber a comunhão...
Dito isso, devo acrescentar também que não entendo como João Paulo II e Bento XVI puderam ter tanta certeza de que o acesso das mulheres ao ministério é “contrário à vontade de Deus”. A vontade de Deus é algo intrinsecamente comunitário (ou a ser buscado comunitariamente). E ambos os papas devem ter lembrado como Pio IX proclamou que era “contra a vontade de Deus” que ele renunciasse aos estados papais [2]; que era contrário à vontade de Deus que o papa se reconciliasse com o mundo moderno [3] (pelo qual João XXIII e o Vaticano II violaram seriamente a vontade de Deus); como Gregório XVI proclamou em 1832 que era contrário à vontade de Deus que a Polônia resistisse à invasão russa (uma resistência da qual participaram clérigos e bispos)... vontade de Deus e que a abolição da circuncisão rompeu a comunhão eclesial. Hoje todas essas exigências nos parecem elementares e não nos criam problemas. Mas então seus detratores as viram como algo tão sério e inaudito como seus detratores vivem o ministério das mulheres hoje.
Por favor, então! A vontade de Deus e a comunhão eclesial são algo muito sério para nos identificarmos simplesmente com a minha posição pessoal. Eles são algo que deve ser buscado entre todos.
E termino com duas frases de Karl Rahner escritas há 50 anos: “se a Igreja não consegue encontrar um número suficiente de líderes comunitários sem renunciar ao celibato, então é evidente que deve renunciar a essa obrigação do celibato”. E sobre a ordenação de mulheres: “fundamentalmente, não vejo razão para responder negativamente a essa pergunta” [4].
Se o anterior afetar o conteúdo dessas demandas, permita-se também uma palavra sobre sua oportunidade. É este o momento de os reivindicar e reivindicá-los com urgência, quando eles estão esperando há muito tempo? Isso não poderia criar uma dificuldade adicional para as reformas de Francisco e se tornar um fator que reforça a oposição sem precedentes e o trabalho dissimulado contra ele, de toda a direita eclesial e norte-americana?
Esta pergunta me sugere a dolorosa experiência vivida quando jovem com o Chile de Allende. O “pinochetazo” foi obra dos EUA; mas foi facilitado pela impaciência e imaturidade daquele MIR (Movimento da Esquerda Revolucionária), determinado a pedir a lua quando fosse dia e o sol quando fosse noite; e que criou mais problemas para Allende do que ele já tinha. Há também um fundamentalismo de esquerda que se recusa a aprender essas lições.
“Acabar com a fome também é uma questão de sinodalidade” alguém disse esses dias pelos canais do Religión Digital. Em La Cañada Real, na periferia de Madri, estão sem eletricidade há um ano. Ajudar a consertar isso também é tarefa da Igreja (embora mais indireta) e é mais urgente do que ter uma mulher presidindo a Eucaristia. Jesus parece ter distinguido muito bem entre coisas que não podem esperar, mesmo que seja sábado (como a saúde daquela mulher em Lucas 13) com outras que podem esperar, mesmo que os Apóstolos o deixasse mais impaciente.
Isso significa que se deve frear essas outras demandas? Não, pelo contrário! Significa apenas que não devem ser exigidas para hoje, mas que se pode continuar a trabalhar no seu estudo, explicação e divulgação, para que se torne autêntico “sensus fidelium”: para todos os fiéis e não só para a parte mais consciente deles. Quantos desses bispos que pensam saber tão bem onde está a comunhão eclesial, conhecem as frases de Karl Rahner supracitadas? Quero dizer que estamos na hora da pedagogia mais do que na hora do confronto. Ler na imprensa que vai ser dito ao papa que as mulheres precisam de mais poder na Igreja (deixando de lado a palavra poder, que eu não gosto nada), teria sido muito bom nos dias de Wojtila ou Ratzinger. Mas precisamente hoje, quando este papa está dando passos nessa direção, parece mais típico daquelas esquerdas burguesas que só falam quando não estão em perigo.
E é importante saber os tempos. Por razões éticas e por razões táticas. Como no tênis: às vezes para conseguir o ponto é necessário prolongar o jogo, porque caso se apresse para dar um smash, provavelmente perderá o ponto.
É por isso que quero terminar com uma anedota do grande liturgista jesuíta Josef Andreas Jungmann, o pai de grande parte da Constituição do Vaticano II sobre a liturgia. Ele nos deu uma palestra em Innsbruck por volta de 1964. Ele confirmou que a Constituição não seria aplicada no ritmo que ele esperava. E acrescentou quatro palavrinhas que me marcaram: “das Tempo der Kirche…”: o ritmo da Igreja não é nosso. E isso tem que se saber aceitar para ser universal.
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Celibato, mulher e ministério eclesial. Artigo de José I. González Faus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU