"Se aceitarmos o princípio sinodal, mesmo que apenas no seu esboço atual, é o próprio ministério, em todas as suas ordens, que deve ser repensado: qual é o seu papel e qual é o seu modo de implementação dentro de um contexto sinodal – do pároco ao papa e vice-versa? Fundamento e estilo não devem ser separados".
A opinião é de Oreste Aime, presbítero da Diocese de Turim, na Itália, professor de Filosofia na Faculdade Teológica de Turim e integrante do grupo Chiccodisenape. O artigo foi publicado por Viandanti, 20-05-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Sinodalidade e Reforma: assim se pode resumir, com duas palavras-chave, a tentativa de orientar a vida da Igreja Católica hoje. Elas não são totalmente novas. De fato, ecoam palavras de 50 anos atrás: naquela época, dizia-se “concílio” (com algum pedido de sinodalidade) e “aggiornamento” (termo de João XXIII; o princípio “ecclesia semper reformanda”, redescoberto por Yves Congar, foi assumido com prudência por Paulo VI e apenas recentemente retomado).
Embora haja uma certa continuidade conceitual, o tempo é diferente tanto para a Igreja quanto para o mundo. A continuidade torna manifesto que estamos na onda longa da recepção do Vaticano II; a mutação dos termos indica que estamos envolvidos em um processo de interpretação com traços novos tanto da Igreja quanto do mundo.
A continuidade, porém, deve registrar também as hesitações, as inércias, os retrocessos, as inadimplências que se acumularam ao longo de quase seis décadas. A mudança, sem desconhecer o tesouro do passado, deve compreender que o contexto interno e externo da Igreja não é mais o mesmo, para evitar a mera repetição. E as exigências do nosso tempo tornaram-se prementes.
O sínodo, aquele convocado e em andamento, e os outros, universais e locais, que o precederam, junto com o princípio de sinodalidade, que emerge lentamente do discurso teológico e, muito menos, da prática eclesial, levantam o problema raramente explicitado do poder na Igreja, no seu duplo significado: a capacidade de iniciativa (potentia) própria dos fiéis, dada a eles – o seu poder de ser e de fazer, sem nenhuma distinção de cargo, em nome da fé, da esperança e da caridade e do batismo –, e a atribuição e a gestão da potestas e/ou da auctoritas (ministérios, hierarquia, jurisdição; e os munera docendi, sanctificandi et regendi); e, consequentemente, o intrincado problema da sua relação recíproca.
A partir de certo momento, bem antes do “Decretum” de Graciano de 1140, a Igreja assumiu a configuração de “duo sunt genera christianorum” (são dois os gêneros de cristãos: clérigos/monges e leigos), ofuscando o primeiro dos dois aspectos assinalados do poder, o de “iniciativa” de cada fiel, embora ele nunca tenha faltado totalmente, muitas vezes apelando a algum carisma particular e a sucessivos processos de reconhecimento canônico.
Quando ao primeiro dos gêneros, a questão da sacra potestas, na distinção entre poder de ordem e poder de jurisdição, ele atravessou os dois recentes concílios da Igreja Católica (primado papal no Vaticano I e colegialidade no Vaticano II) e ainda não encontrou uma composição concreta, sobre a qual há algum tempo a determinação do princípio de sinodalidade vem se cansando.
Por sua vez, em tempos recentes, a distinção dos duo genera, entre clero e leigos, não encontrou nenhuma composição real ou, melhor, em alguns casos até se acentuou (as associações laicais que surgiram entre os séculos XIX e XX tiveram maior peso no passado do que em tempos recentes, após o seu reconhecimento no Apostolicam actuositatem, também pelo fim da “era da mobilização” como foi definida por Charles Taylor; as atuais atribuições de ofícios a leigas e leigos são ad personam).
Nas discussões e nos estudos sobre a potestas e hoje sobre a sinodalidade, a questão do poder e da autoridade como tal raramente é levantada, tanto no nível teológico, quanto no canônico e contextual. Os poderes sempre se definem e se redefinem com base no contexto, admitamos ou não; não é a mesma coisa falar disso em um regime imperial, feudal, absolutista ou democrático.
Não só isso: a noção de poder na Igreja remete à de Deus “todo-poderoso”, amplamente discutida no fim da Idade Média e início da era moderna e depois abandonada, raramente adequada ao escândalo e à loucura da Cruz. É singular, mas em tempos recentes, uma teologia do poder nunca foi realmente elaborada.
Essa ausência se faz sentir quando é preciso estabelecer concretamente em que consiste o clericalismo, que Francisco teve a coragem de chamar pelo nome e denunciar; também não se deve esquecer que o escândalo dos abusos tem a ver com um exercício perverso do poder tanto por parte de quem se tornou réu por isso quanto por quem silenciou ou não escutou do modo devido a voz das vítimas. A coisa em si já é evidente, mas não desencadeou um processo de reflexão teológica de fôlego mais amplo.
Soma-se a isso um problema recente, não vislumbrado no Vaticano II e em grande parte evitado nas décadas seguintes: o Concílio se ocupou amplamente do ministério episcopal, mas não registrou a crise que já havia iniciado do ministério presbiteral. Esta atravessa há muito tempo a Igreja Católica e muitas Igrejas históricas (e envolve também o pastorado de muitas Igrejas protestantes), e ainda não foi assumida nos seus contornos reais. Além disso, a diminuição do número de presbíteros raramente favoreceu um maior envolvimento laical, como se poderia razoavelmente prever.
O foco eclesiológico na eucaristia, teologicamente irrepreensível e necessário, faz com que só haja “Igreja” onde houver eucaristia: a qualquer custo, incluindo o clerical. O fundamento batismal – bem explicitado por Francisco na Evangelii gaudium, nn. 119-121 – ainda não foi recebido e quase nunca é eficaz em nível de reconhecimento, ainda que grande parte da vida da Igreja dependa dele (a catequese e outros setores vitais).
Se aceitarmos o princípio sinodal, mesmo que apenas no seu esboço atual, é o próprio ministério, em todas as suas ordens, que deve ser repensado: qual é o seu papel e qual é o seu modo de implementação dentro de um contexto sinodal – do pároco ao papa e vice-versa? Fundamento e estilo não devem ser separados. Não é e não será uma operação fácil, devido aos arranjos estruturais seculares já sedimentados.
Isso não é tudo, no entanto. O ministério está sob dupla pressão; além do princípio de sinodalidade, ainda não realmente ativo, é preciso reconhecer a mutação de contexto eclesial e histórico, que registra cumulativamente a crise do ministério presbiteral, o surgimento do ministério diaconal, a questão feminina e o respectivo acesso aos ministérios, os modelos democráticos presentes ou ausentes no ambiente político e cultural circunstante, a infosfera e a razão digital com as suas implicações no nível da comunicação.
Dentro desse quadro, bastante conhecido, mas raramente declarado nos seus aspectos mais críticos, o ministério, em todos os níveis, deve encontrar novos estilos e experimentar novas relações. O que e como fazer?
Acima de tudo, é preciso retornar ao modelo neotestamentário, também para manter viva a perspectiva ecumênica. Um bom guia pode ser o que Romano Penna propôs em “Un solo corpo. Laicità e sacerdozio nel cristianesimo delle origini” [Um só corpo. Laicidade e sacerdócio no cristianismo das origens, em tradução livre] (Ed. Carocci, 2020).
(Foto: Divulgação)
Passando para o futuro próximo, é indispensável esclarecer e articular o princípio sinodal em todas as suas variações. Da ampla bibliografia, extraio apenas duas indicações: Hervé Legrand, Michel Camdessus, “Una chiesa trasformata dal popolo” [Uma Igreja transformada pelo povo, em tradução livre] (Ed. Paoline, 2021) e Rafael Luciani, Serena Noceti, Carlos Schickendantz (orgs.), “Sinodalità e riforma. Una sfida ecclesiale” [Sinodalidade e reforma. Um desafio eclesial, em tradução livre] (Ed. Queriniana, 2022).
(Foto: Divulgação)
Porém, é necessário – e há poucos vestígios disto – controlar as dimensões sinodais já existentes e das quais muito pouco se fala nesta conjuntura: os conselhos presbiterais, os conselhos pastorais diocesanos e paroquiais, os outros conselhos. Existem? Como operam? Com que participação e eficácia?
Instituídos após o Vaticano II, eles nunca foram objeto de uma real pesquisa teológica e pastoral. Sem essa ancoragem “na base”, a sinodalidade nunca chegará; a reforma sinodal precisa de dois movimentos ao mesmo tempo, de baixo para cima e de cima para baixo, do momento excepcional à vida eclesial cotidiana. A própria consulta sinodal em andamento deveria ser envolvida nesse controle e estudo reais; em todo o caso, será necessário fazer uma avaliação dela.
Se essas condições teológicas e práticas forem adotadas, será possível elaborar novos modelos de presidência, com os indispensáveis vínculos “sinodais” e com uma variedade igualmente indispensável de implementações. Um censo de boas práticas poderia constituir, desde já, uma premissa para tornar possível a esperada transformação.
Uma última observação, que se reconecta ao ponto de partida. A reforma não deve se reduzir apenas à participação sinodal, caso contrário, encalhará nos baixios institucionais e procedimentais. Deve conferir com outros aspectos, não menos urgentes para a vida da Igreja e dos fiéis: os motivos da reforma são pobreza, liberdade, fraternidade, valores e estilos concretos, que podem ser resumidos em formas de comunhão (koinonia) capazes de atravessar corretamente os conflitos e de salvaguardar generosamente a pluralidade.