"A recuperação de uma Igreja essencialmente sinodal e ministerial pode ser um sinal luminoso daquilo que o Cristo deixou como legado", escreve Celso Pinto Carias, doutor em Teologia pela PUC-Rio, assessor das CEBs do Brasil e do Setor CEBs da Comissão Pastoral Episcopal para o Laicato da CNBB e, nas palavras do autor, "um mendigo de Deus".
É muito estranho que uma parte da hierarquia Católica não tenha recebido a convocação do Sínodo Geral (Comunhão, participação e missão) para outubro de 2023 pelo Papa Francisco, já iniciado por um processo de consulta em todas as dioceses do mundo, com grande entusiasmo. Afinal, nada mais tradicional do que o caminhar juntos - Sínodo - na história do cristianismo: Todos os fiéis, unidos, tinham tudo em comum: vendiam as suas propriedades e os seus bens e dividiam o preço entre todos, segundo as necessidades de cada um (At 2,44) , e ainda: nós e o Espirito Santo decidimos... (At 15,28). E como nos lembrou o papa Papa Bento XVI na homilia da missa de abertura da Conferência de Aparecida: O estilo sinodal não é mero procedimento, mas é a natureza da Igreja.
Alias, nunca é demais lembrar, no começo os discípulos e discipulas de Jesus Cristo se intitularam como seguidores do Caminho: Saulo, contudo respirando ainda ameaças e morticínios contra os discípulos do Senhor, foi procurar o Sumo Sacerdote e pediu-lhe cartas para as sinagogas de Damasco, a fim de que, se encontrasse alguns adeptos do Caminho homens ou mulheres, ele os trouxesse agrilhoados para Jerusalém (At 9,1-2). O nosso grifo quis destacar Caminho e homens e mulheres, isto é, havia discípulas. O nome “cristão” aparece mais tarde: Foi em Antioquia que pela primeira vez, os discípulos receberam o nome de cristãos (At 11,26b).
Ora, já entre leigos e leigas mais engajados nos processos de evangelização e nos trabalhos pastorais, entre presbíteros comprometidos com uma pastoral popular, e religiosas encarnadas na realidade, ao contrário, encontramos grande entusiasmo com a convocação do Papa Francisco. Por quê? A nossa tese central é que o clericalismo tão criticado pelo Papa e fortemente arraigado nas estruturas eclesiásticas, evidentemente presente no conjunto da Igreja, inclusive no laicato, é um muro bastante forte e alto para retomar o caminhar juntos. Soma-se à tese a dinâmica do poder dominador que pode penetrar até mesmo uma instituição fundada sob o Projeto do Reino de Deus revelado por Jesus Cristo. Assim, um medo velado ou explicito se constata. O velado entre os que recepcionam a convocação sinodal, mas procuram colocar a mesma dentro de uma hermenêutica que justamente garante que tudo continue com antes, apenas se considera um aperfeiçoamento de instâncias de consultas. O medo explicito vem daqueles que chegam a chamar o Papa de herege, minoritários, mas que fazem muito barulho.
A reflexão aqui apresentada levanta algumas hipóteses e propõe algumas alternativas para contribuir, enquanto cristão batizado, e, portanto merecedor de voz, e quem sabe vez, para aprofundar honestamente o debate. Primeiramente faremos uma brevíssima análise histórica. A seguir uma rápida análise de acontecimentos recentes que despertam questões sérias. No terceiro momento faremos algumas observações de elementos canônicos. E por fim, apontaremos possibilidades bastante modestas e nada pretensiosas, mas que consideramos fundamentais se, de fato, queremos ser fiéis ao Caminho inaugurado por Jesus de Nazaré.
Na crise civilizatória na qual estamos metidos, temos encontrado muita dificuldade para manter um olhar sobre processos históricos sem uma perspectiva dogmática. É evidente que a história é mestra. Contudo, por outro lado, não se pode absolutizar o tempo passado como se ele fosse perfeito. Nunca vivemos uma idade de ouro, ou tivemos um paraíso terrestre. A crítica negativa a um olhar dinâmico sobre a história geralmente vai em direção de uma razão sustentada na perenidade dos valores, como se os valores não fossem, em boa parte, também uma construção histórica, como se as relações de poder nunca interferissem na constituição de instituições, inclusive na Igreja Católica, naquilo que não está firmemente colocado dentro do processo da grande Tradição. Evidentemente não defendemos um relativismo, pois como diz a filósofa espanhola Adela Cortina. Considerado em si mesmo o relativismo é inumano, ou seja, embora existam questões relativas não se pode absolutizar tal compreensão dos processos de construção dos valores. Assim, Cortina vai afirmar que é preciso seguir em direção na qual se vá além do absolutismo e do relativismo (Adela Cortina, Ética Civil e Religião, 1997).
Feita a ressalva acima é preciso ter capacidade de enfrentar os desafios com um olhar ao mesmo tempo generoso e crítico sobre a história, sabendo distinguir, como nos lembra o Papa São Paulo VI na Exortação Evangelii Nuntiandi, o que é essencial do que é secundário. Quem, em sã consciência, afirmaria que o uso de uma “Tiara” é essencial para simbolizar o múnus papal e que, sabiamente, São Paulo VI parou de usar? Cremos que a confusão entre o essencial e o secundário tem sido um dos problemas mais sérios dos últimos tempos. Uma polemica recente se deu em torno do motu próprio Traditionis custodes sobre a missa em latim sancionado pelo Papa Francisco.
Vamos lançar mão de exemplos para chamar atenção da necessidade em recuperar o essencial. Nenhuma explicação justifica, por exemplo, o fato de que o Império Romano, a partir de Constantino, trouxe dificuldades para a manutenção da fidelidade ao Caminho de Jesus. Certamente não se pode fazer uma leitura anacrônica da histórica, mas também não é possível forçar uma aceitação de elementos do processo de institucionalização como se fossem todos desejados explicitamente pelo Deus revelado em Jesus Cristo. A explicação da inquisição também, por mais que se relacione a mesma com o “braço civil”, não se pode deixar de constatar um completo antagonismo entre inquisição e Evangelho. E os exemplos poderiam ser multiplicados.
Assim sendo, no contexto do mundo de hoje, usando uma espécie de mantra que tenho repetido nos últimos anos, não se pode responder perguntas novas com respostas velhas. Não se trata de buscar o novo ou recuperar a novidade dos elementos essenciais de forma irresponsável. Mas também não se pode sucumbir a um misoneismo, isto é, um grande medo do novo, como se toda novidade fosse diabólica. Afinal, Jesus de Nazaré não foi uma presença renovadora na história?
Desde a apresentação de seu programa de pontificado (Evangelii Gaudium, Alegria do Evangelho, 2013), o Papa Francisco tem utilizado uma série de imagens que certamente devem soar de forma desagradável aos ouvidos de muitos. Temos citado uma imagem que está no número 49 da EG com insistência: ...prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas a uma Igreja enferma pelo fechamento e pela comodidade de se agarrar às próprias seguranças.
Fico me perguntando por que tanta dificuldade para aceitar as contradições dos mecanismos sociológicos presente na instituição católica. Francisco só fez crescer a credibilidade da Igreja diante do mundo com os seus gestos nos quais acolhe os erros realizados por membros da Igreja.
Ora, ora. Qual o leigo ou leiga mais próximo dos serviços pastorais que não sabe de pelo menos uma transferência de um padre que cometeu algum delito? Até quando se iria continuar colocando para debaixo do tapete uma sujeira que vinha se acumulando faz tempo? Quanta dor não poderia ser evitada, quantas situações não poderiam ser superadas se houvesse mecanismos mais amplos de escuta, de participação e tomada de decisão. A sabedoria popular diz que errado é permanecer no erro e não reconhecê-lo.
Na linha de citar apenas poucos exemplos diante do objetivo deste texto sintético, falemos do crescimento do suicídio entre presbíteros. É verdade que o suicídio cresceu de modo geral, mas se continuará tratando questão tão séria como uma questão meramente individual? Não se enfrentará as questões do processo de formação, da estrutura paroquial feudal na qual o pároco pode ter no colega vigário um mero auxiliar de tarefas e não um irmão que caminha junto para planejar o trabalho pastoral, entre outras possibilidades?
Nos últimos anos tem se falado bastante da redução dos católicos no Brasil. Quase sempre, sob o nosso ponto de vista, fazendo análises reducionistas ou pior, algumas desonestas, como acusar a advento das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) como razão do esvaziamento. Não se coloca, predominantemente, a questão do processo de transformação cultural como o pano de fundo principal. Vejam bem, fazendo aqui uma afirmação cautelosa, pois somos estruturalmente ecumênicos, em boa parte das novas igrejas evangélicas o fiel se sente protagonista e não um mero espectador de serviços religiosos. Certamente temos vozes alertando tais questões, mas ainda não são ouvidas. Como não citar o Pe. José Comblin, por exemplo, que desde a década de oitenta do século XX vinha alertando a Igreja com diversas análises em torno dos desafios do mundo urbano?
Para que o processo sinodal chegue a bom termo, será fundamental reconhecer os limites de nossas respostas nos últimos anos. Como diz Francisco: Não tenhamos medo de rever... Um pequeno passo, no meio de grandes limitações humanas, pode ser mais agradável a Deus do que a vida externamente correta de quem transcorre seus dias sem enfrentar sérias dificuldades (EG 43.44)
Embora o ministério de Jesus de Nazaré não tenha priorizado a Lei, não podemos afirmar que Ele a menosprezou. Jesus não foi um anarquista (sentido filosófico). O fato é que a Lei se faz necessária pelo limite humano e não em si mesma. Assim sendo precisamos dela. Precisamos estabelecer limites à possibilidade de desvios, mas não como substituição ao Evangelho. Mas a lei deve estar sempre submetida ao amor.
Precisamos sim de um Direito Canônico. Mas a Igreja não pode ser apresentada como um conjunto de normas que devem ser cumpridas. Ela deve ser apresentada como um povo que caminha em direção ao Projeto de Jesus Cristo. Por isso, se faz necessário estabelecer critérios de interpretação do Código de Direito Canônico (CIC). E o critério chave do atual código, como costumava lembrar meu saudoso professor de Direito, Pe. Antônio Pereira, é a eclesiologia do Concílio Vaticano II.
Este terceiro item entra aqui porque, nos últimos anos, o clericalismo tem usado o CIC como ferramenta que impede o caminhar juntos. Se não formos capazes de reorientar o direito na direção do serviço ao Povo de Deus, corremos o risco de fazer dele quase um texto revelado. Não será possível escutar e participar em um processo viciado por uma interpretação que vai em direção diametralmente oposta ao Concílio Vaticano II.
Vamos ao exemplo. O redator desta reflexão não é especialista, mas foi aluno, em disciplinas de graduação e pós, de um dos melhores canonistas que o Brasil já teve: o português Pe. Antonio da Silva Pereira. Um pouco antes de morrer ele deixou publicado um livro que agora tenho procurado citar com frequência: Participação dos leigos nas decisões da Igreja Católica, Loyola, 2014. Neste livro Pe. Pereira demonstra que é perfeitamente possível algum tipo de participação do laicato em algumas decisões eclesiais. Cabe aqui uma citação da conclusão do livro: Ressalto que essa participação nas decisões com voto deliberativo nem teológica nem juridicamente põe em risco a autoridade da Igreja e de seus pastores, como ficou demonstrado em vários lugares deste volume e na minha tese de doutorado devidamente aprovada pela banca de professores da Gregoriana que cito na bibliografia geral. Além disso, leis podem ser mudadas e é perfeitamente possível estabelecer critérios e níveis de participação do laicato sem quebrar doutrinas essenciais. Mas por que o medo de quebrar leis que não mais correspondem à realidade?
No discurso da comemoração do cinquentenário da instituição do Sínodo dos Bispos, em 17 de outubro de 2015, o Papa nos lembrava de uma afirmação de São João Crisóstomo: Igreja e Sínodo são sinônimos. De lá para cá tal afirmação tem sido bastante repetida. Mas neste mesmo discurso Francisco fez uma ressalva que estamos constatando agora: Aquilo que o Senhor nos pede, de certo modo está já tudo contido na palavra “Sínodo”. Caminhar juntos – leigos, pastores, Bispo de Roma – é um conceito fácil de exprimir em palavras, mas não é assim fácil pô-lo em prática.
Eis a questão. Desde o inicio solene em outubro de 2021 até agora ainda não percebemos tal convocação como uma questão central e prioritária do caminho da Igreja no mundo de hoje. Certamente se uma pesquisa for feita, constatar-se-ia que a maioria dos católicos ainda não sabe exatamente do que se trata. Pode-se perguntar: e por que deveriam saber? A Igreja tem como missão a continuação do legado de Jesus Cristo, não seria um Sínodo que deveria pausar tal missão, podem afirmar setores não entusiastas deste Sínodo. Mas seria ele uma pausa no processo de enraizamento do legado de Jesus Cristo no mundo de hoje?
Ora, assim sendo, se queremos responder a pergunta acima com honestidade, é fundamental promover o debate. É fundamental participar do processo em suas diversas etapas, como a fase diocesana que está se realizando no momento. Aqui, concordando ou não com as perspectivas apresentadas por Francisco desde o início do seu pontificado, não seria honesto sabotar o processo. Mais: não seria cristão, não seria uma postura de fidelidade ao Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Sentemos à mesa como irmãos e irmãs. Usemos o remédio da misericórdia, como afirmou São João XXIII no discurso de abertura do Concílio. Participemos ativamente do processo e partir das conclusões do Sínodo, em outubro de 2023, vejamos por onde devemos continuar a missão. E sem deixar ninguém de fora.
O contrário do amor não é o ódio. É o medo. O medo pode nos levar ao ódio. Então, por medo de perder privilégios, por exemplo, podemos identificar o outro e a outra que nos lembra do essencial, como um/a inimigo/a que deve ser destruído, até mesmo com a morte. E aí, o ódio passa a ser uma expressão deste medo. Constata-se, em certa medida, um medo que impede o amor florescer neste Sínodo. Um medo que necessita de súditos e não de irmãos e irmãs.
Tem uma reflexão de São Paulo VI na EN que consideramos muito profética. No número 52 ele fala da necessidade do anúncio ao mundo descristianizado. Em números redondos o planeta hoje tem mais de 7,5 bilhões de habitantes. Dentre estes, 2,5 bilhões são cristãos (Católicos, Ortodoxos, Anglicanos e Protestantes), e os católicos são maioria: cerca de 1,4 bilhões. Ora, do advento da presença de Cristo Jesus entre nós até os dias atuais, o quanto o cristianismo foi capaz de ser fiel ao Projeto de Reino de Deus revelado pelo Messias cristão? Por isso, São Paulo VI fala de um desafio, lá em 1975, que só cresceu, de um mundo onde se faz necessário reafirmar o Caminho, fazer anamnese do mistério da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo, que nunca, nunca poderia estar sintonizado com ódio, preconceito, marginalização, conivência com a injustiça, legitimando guerras, entre tantas outras deformações do mundo humano.
Assim sendo, a recuperação de uma Igreja essencialmente sinodal e ministerial pode ser um sinal luminoso daquilo que o Cristo deixou como legado. Neste sentido, este “mendigo de Deus” (expressão para designar o serviço teológico: aquele/a que fala de Deus como um pedinte) ousa apontar alguns objetivos que consideramos fundamentais para, neste século XXI, afirmar a necessidade de reformas na Igreja Católica, em comunhão ecumênica com todo o cristianismo, que facilitem a integração do Povo de Deus no caminho do testemunho:
a) Não possível mais que a escolha de bispos seja mediada predominantemente pela nunciatura apostólica de cada país. Por mais santo que seja o Núncio, é uma estrutura que não tem condições de atender aos desafios de uma escolha que possa ir ao encontro de uma evangelização que, de fato, permita uma Igreja em saída. Sempre que se coloca tal questão é comum encontrar a o contraponto na afirmação de que a Igreja não é uma democracia. Ora, não se trata de realizar pleitos eleitorais, mas de ampliar os mecanismos de indicação e escolha. Os leigos e leigas, por exemplo, praticamente não participam de tal processo. É preciso repensar este processo. Neste sentido as Conferenciais nacionais podem tem um papel muito importante.
b) Na esteira deste processo percebemos que os bispos eméritos, ao completar 75 anos, muitos vezes com força e vigor, são jogados no esquecimento. É possível pensar e constituir ações pastorais ondes os eméritos possam se encaixar. Por que eles não podem, por exemplo, ser presidentes de comissão nas conferências episcopais?
c) O ministério ordenado, como também afirmou o São Paulo VI, é o ministério da unidade por excelência. Não, não é possível mais centralizar toda ação pastoral de uma paróquia nas mãos de um pároco. Alias como já aconteceu, e ainda acontece agora de maneira bem elementar, seria fundamental ter equipes de presbíteros para atender e articular o trabalho pastoral em um determinado território. Em boa medida, uma cultura clerical, deve-se a esta centralização, com o risco, inclusive, de boa dose de autoritarismo, mesmo no ministério episcopal.
d) Embora o CIC já tenha normatizado a existência de conselhos pastorais e econômicos, é preciso ir além. O laicato não pode mais ser tratado como cristãos e cristãs de segunda categoria, cabendo quase exclusivamente uma obediência cega. Não se trata, naturalmente, de igualar o múnus específico de cada ministério, mais de capacitar todos os/as batizados/as vocacionados ao serviço eclesial para compor equipes pastorais que possam estar dentro do processo de evangelização.
e) Na direção anterior seria fundamental retomar a intuição do Concílio Vaticano II de uma Igreja toda ela ministerial. A história recente já demonstrou que a centralização do processo nas mãos dos bispos e presbíteros não garante uma presença testemunhal do Evangelho no interior da realidade. As paróquias podem se tornar feudos no interior de uma geografia. Prestadora de serviços religiosos e não fomentadora da presença salvífica do Projeto de Jesus Cristo.
f) É urgente que as paróquias se tornem redes de comunidades. Criar novas paroquias centralizadas nas mãos de um pároco não ajuda a constituir uma presença dinâmica no interior de um mundo cada vez mais urbano. Conheço lugares, no Estado do Rio, onde em um pequeno território citadino as paróquias agem como verdadeiras concorrentes entre si. Certamente tal fato se repete em muitos lugares.
g) Não fazemos aqui uma reflexão em torno do tema da ordenação de homens casados ou de mulheres, por compreendermos que primeiramente se faz necessário ter uma Igreja estruturalmente Sinodal para depois podermos enfrentar tais questões com serenidade e profundidade. Em uma Igreja autorreferrencial podemos ampliar o problema, isto é, homens casados e mulheres ordenadas dentro de uma cultura clerical. Isto aconteceu, em boa medida, com os diáconos casados.
h) Contudo, compreendemos que as mulheres devem ser integradas em funções que hoje estão colocadas apenas nas mãos dos homens. Ora, por que uma religiosa não poderia ser coordenadora de pastoral, por exemplo? Por que mulheres não podem ser integradas em uma equipe administrativa de uma paróquia? Entre outras realidades possíveis.
Tais pontos poderiam ser mais bem explicitados e ainda poderíamos elencar outros. Mas nosso objetivo é chamar atenção para um processo de reflexão sinodal que não fique apenas em conceituações genéricas. É preciso mergulhar com profundidade dentro da realidade estrutural do trabalho pastoral. Não basta, ao final de outubro de 2023, elaborar um belo documento, embora na convocação do Sínodo se tenha alertado para isso, mas estabelecer processos que permitam, para além de 2023, ir construindo perspectivas de fidelidade ao Caminho de Jesus Cristo.
Pedir perdão é fundamental, mas não podemos permanecer com situações que dificultam tremendamente o testemunho cristão no meio do mundo. Não dá para ser lembrado em um futuro não muito distante, por exemplo, que deixamos de tomar iniciativas contundentes para diminuir ou acabar com os casos de abuso sexuais e de desvios econômicos que atrapalham sobremaneira o anúncio de Evangelho. Que deixamos de integrar as mulheres nas mesmas condições de dignidade dos homens, e que ainda não soubemos acolher a realidade afetiva de muitas pessoas que sofrem preconceitos e discriminações.
Que possamos, como o casal de Emaús, abrir espaços para reconhecer o Senhor no Caminho. Dirigir o nosso olhar para as periferias geográficas e existenciais. Estender as nossas mãos aos caídos na estrada. Que o medo não impeça a realização deste encontro. A hora é agora. Que possamos experimentar a vida eclesial como um espaço verdadeiramente de vivência entre irmãos e irmãs. Abramos as portas ao sopro divino, ou como os especialistas em Bíblia nos mostram: o sopro feminino da Divina Ruah.
Esta reflexão é de um batizado cada dia mais cansado. Um apelo, afim de que muitos não se decepcionem depois de 2023.