O pescador Amarildo Oliveira, que é peça-chave no desaparecimento, ameaçou o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips.
A reportagem é de Cícero Pedrosa Neto e Kátia Brasil, publicada por Amazônia Real, 09-06-2022.
A Polícia Federal (PF) do Amazonas informou nesta quinta-feira (9) que vestígios de sangue foram encontrados na lancha do pescador Amarildo da Costa de Oliveira, o “Pelado”, que se tornou peça-chave para elucidar o desaparecimento do indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips desde domingo (5). Só o resultado da perícia é que vai determinar se as amostras de sangue são ou não das pessoas sumidas.
A juíza Jacinta Silva dos Santos decretou a prisão temporária (cinco dias de detenção) do suspeito “Pelado”. “O material coletado (amostras de material genético) está a caminho de Manaus, no helicóptero tático Black Hawk, para ser periciado”, disse a Polícia Federal, que não informou o prazo para a divulgação do laudo pericial. Atalaia do Norte fica distância da capital amazonense a 1.138 quilômetros em linha reta.
A descoberta dos vestígios de sangue aconteceu durante a coleta de materiais genéticos realizada por uma perita do Departamento de Polícia Técnico-Científica (DPTC) na lancha de alumínio motor HP 60, que pertence ao pescador, e foi apreendida pela Polícia Militar.
À distância, a agência Amazônia Real acompanhou o trabalho da perícia dentro de um galpão na cidade. As coletas dos materiais genéticos foram realizadas no volante da embarcação, nas alças laterais, no motor e em uma lona azul, que estava dobrada dentro da lancha. O trabalho começou por volta das 10 horas (12 em Brasília) e foi concluído em duas horas. Acompanhou a perícia o delegado Guilherme Torres, diretor do Departamento de Polícia do Interior (DPI) da Polícia Civil do Amazonas. Ele não deu declarações à imprensa.
Perita coleta material genético na embarcação (Fonte: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)
De acordo com o DPTC, ligado à Secretaria de Segurança Pública do Amazonas, com o uso de luminol, as equipes investigam a existência de vestígios de amostra biológica e digitais deixadas na lancha, tanto pelo suspeito como por tripulantes. “As diligências estão sendo empreendidas e serão divulgadas oportunamente”, diz a PF em nota à imprensa.
Como a agência Amazônia Real adiantou com exclusividade, na manhã de 4 de junho, “Pelado” e mais dois homens não identificados ameaçaram Bruno Pereira, Dom Philips e mais nove homens da equipe de Vigilância Indígena da Univaja (EVU) durante uma operação de fiscalização no rio Ituí, região da Terra Indígena (TI) Vale do Javari. Recorrente nas ameaças, uma fonte denunciou:
“O Pelado é um dos caras mais perigosos da região do Ituí. Já deu vários tiros na base e já trocamos tiros com ele. O Pelado é peça fundamental nesse quebra-cabeça, não pode ser solto”, afirmou a fonte da Amazônia Real, que diz que “Pelado” tem envolvimento com o tráfico de drogas.
“Pelado” foi preso em flagrante por porte de munição restrita na terça-feira (7) e negou envolvimento no desaparecimento do jornalista e do indigenista. No entanto, a lancha que ele usava foi apreendida. “Pelado” cumpre a prisão na Delegacia da Polícia Civil de Tabatinga.
Suspeito conhecido como "Pelado", de 41 anos, detido na comunidade de São Gabriel, próximo a Atalaia do Norte Amarildo da Costa de Oliveira (Fonte: Reprodução redes sociais)
De acordo com o delegado Alex Perez Timóteo, duas testemunhas ouvidas na quarta-feira, no curso das investigações, confirmaram que viram primeiro o indigenista e o jornalista numa embarcação e, em seguida, “Pelado”. “Uma delas, em viagem à sede do município, nas próximas da comunidade Cachoeira, presenciou o momento em que Bruno e Dom passaram por eles, em outra embarcação, minutos depois, cerca de dois ou três minutos, viu também Amarildo, em outra embarcação, passando por ele também”, disse o delegado, em vídeo publicado pelo G1.
O procurador-geral do município de Atalaia do Norte, Ronaldo Caldas da Silva Maricaua, e o procurador Davi Barbosa de Oliveira, segundo a prefeitura, foram procurados pela família de “Pelado” para defendê-lo. O jornal Globo apurou que existe uma interferência política para soltar “Pelado”, mas a polícia negou.
O prefeito de Atalaia do Norte, Denis Paiva (Patriota), teve que se explicar. “Não há qualquer impedimento ou incompatibilidade que prive o advogado de exercer suas atribuições legais”, diz a nota de Paiva. No final da tarde, após uma coletiva de imprensa, os procuradores Maricaua e Oliveira abandonaram a defesa de “Pelado”.
O jornalista Dom Phillips e o indigenista Bruno Araújo Pereira viajaram da cidade de Atalaia do Norte, no extremo oeste do Amazonas, no dia 3 de junho, para o Lago Jaburu, para o britânico entrevistar a Equipe de Vigilância Indígena da Univaja. O lugar, que fica próximo à Terra Indígena Vale do Javari, é um ponto focal no combate da equipe aos crimes ambientais e também de incursões de narcotraficantes que invadem o território para rota do tráfico entre a fronteira do Brasil e Peru.
Na manhã de domingo (5), Bruno e Dom partiram com a lancha para a comunidade ribeirinha São Rafael, que fica a 15 minutos de viagem do Lago Jaburu. O indigenista foi ao lugar para uma reunião com o presidente da associação dos moradores, o pescador identificado como “Churrasco”, que não foi encontrado. Ele é tio de “Pelado”.
Testemunhas ouvidas pela reportagem afirmam que o pescador não estava no lugar e sua mulher deu “café e pão” ao jornalista e ao indigenista. Depois, eles partiram em direção a cidade de Atalaia do Norte numa lancha com motor de 40 HP. Bruno pilotava o barco.
Bruno Pereira em imagem de arquivo durante viagem na TI Vale do Javari (Fonte: Univaja)
Segundo a Univaja, a última informação de avistamento de Bruno e Dom foi na comunidade São Gabriel, que fica rio abaixo da comunidade São Rafael.
Foi em São Gabriel que a Polícia Militar do Amazonas prendeu em flagrante o pescador “Pelado”. “Os policiais encontraram munição de uso restrito e permitido e chumbinhos”, disse o delegado Alex Perez, titular da 50ª Delegacia Interativa de Polícia Civil de Atalaia do Norte.
A Polícia Civil havia detido os pescadores “Churrasco” e “Janeo”, na segunda-feira (6), como suspeitos de envolvimento no sumiço do indigenista e do jornalista. Os dois foram liberados no mesmo dia. Um inquérito foi aberto para investigar o sumiço do indigenista e do jornalista.
A Amazônia Real entrevistou uma fonte indígena que afirmou que o jornalista e o indigenista Bruno Araújo Pereira foram vítimas de uma emboscada no domingo (5), no deslocamento de embarcação entre as comunidades São Rafael e Cachoeira.
Já uma testemunha revelou à reportagem que Bruno e Dom participaram de uma fiscalização que interceptou a lancha de “Pelado” no sábado (4). O pescador estava na lancha em companhia de dois outros homens não identificados. O indigenista e o jornalista estavam em outra lancha. Bruno pilotando. Já nove indígenas da Univaja estavam numa embarcação chamada de “canoão”.
“O Pelado parou o barco em frente à placa da demarcação da Terra Indígena, já em terra indígena. Saiu da canoa (a voadeira) fazendo de conta que não estava acontecendo nada ali. Quando nos aproximamos, Bruno mais à frente de nós, o Pelado e os outros dois levantaram as espingardas tentando nos intimidar. Eles ameaçaram o Bruno”, afirmou a testemunha.
Segundo essa fonte, a Equipe da Vigilância da Univaja (EVU), sempre acompanhada de Bruno e Dom em outra embarcação, decidiu seguir em direção à Base da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari da Funai, no rio Ituí. Lá denunciaram as ameaças.
Perguntado se a EVU registrou a ação de “Pelado” e dos outros dois homens no rio Itacoaí, a testemunha elucidou uma dúvida que paira sobre as investigações: “Quem registrou tudo foi o Dom. Fotografias, filmes, as agendas, todos os documentos estavam com eles. O Bruno iria levar tudo para a Polícia Federal na segunda-feira (6)”.
Abordagem dos PMs na comunidade de São Gabriel (Fonte: Reprodução redes sociais)
Em coletiva na quarta-feira (8) na sede da Polícia Federal, em Manaus, o superintendente Eduardo Alexandre levantou a hipótese de o narcotráfico estar relacionado ao desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips. “As investigações apuram o envolvimento de quadrilhas de tráfico de drogas na região. Estamos buscando saber se houve algum crime nesse desaparecimento”, disse.
“Vamos apurar eventual homicídio caso tenha ocorrido. Não descartamos nenhuma linha investigativa. Nós estamos na busca das pessoas, não só crimes apurados, mas busca de embarcações, de desaparecidos”, disse Eduardo Alexandre. A Polícia Federal também abriu um inquérito. Já o secretário de Segurança Pública do Amazonas, general Carlos Alberto Mansur, na mesma coletiva convocada pela PF afirmou que “ainda não temos indícios fortes de crime” e “ele (Pelado) por enquanto não tem nada a ver ainda, está em investigação. Não fizemos a ligação dele com o fato do desaparecimento”.
Em Manaus, a Polícia Federal coordena um comitê de crise para as investigações do sumiço do indigenista e do jornalista britânico com as participações da SSP-AM e do Departamento de Polícia do Interior (DPI) da Polícia Civil do Amazonas (PC-AM).
As buscas em Atalaia do Norte, distante de Manaus a mais de 1.000 quilômetros, começaram atrasadas e após pressão da Embaixada da Inglaterra e uma comoção nas redes sociais. A Marinha do Brasil e a Polícia Federal iniciaram as investigações em campo na tarde desta segunda-feira (6).
Naquele momento, o jornalista britânico Dom Phillips, colaborador do jornal The Guardian no Brasil, e o indigenista Bruno Pereira, servidor concursado da Funai, já estavam desaparecidos há mais de 24 horas numa das áreas mais emblemáticas da Amazônia Ocidental.
“Nas buscas que fizemos até agora, somos mais de 30 indígenas, pelos igapós, furos, lagos, todos os igarapés, principalmente na beira do rio, não achamos um vestígio do Bruno e do Dom”, disse a testemunha, explicando que a investigação se centraliza entre as localidades de São Gabriel e Cachoeira. “Mas temos esperança de encontrar uma pista.”
Além dos indígenas da Univaja, a reportagem apurou que mais de 700 pessoas, entre militares e civis, participam das buscas em Atalaia do Norte ao jornalista Dom Phillips e ao indigenista Bruno Pereira. São 250 agentes da Polícia Federal, 200 do Governo do Amazonas, 150 homens do Exército especializados em buscas na selva, além da Força Nacional de Segurança, Funai e Defesa Civil.