06 Junho 2022
No próximo domingo, dia de Pentecostes, uma nova constituição entrará em vigor no Vaticano. Trata-se do golpe final do Papa Francisco contra o velho modelo da Cúria romano-cêntrica que se desenvolveu e segue em frente nos últimos 50 anos até hoje.
A reportagem é de Franca Giansoldati, publicada em Il Messaggero , 03-06-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Já a partir do título – Praedicate Evangelium – entende-se que a direção operacional identificada por Bergoglio para o futuro da sua máquina de governo deverá se desenvolver mais para fora do que para dentro, mais no front pastoral do que no dogmático, privilegiando o caminho da descentralização, da inclusão, da racionalização, com um olho nos pobres. Em suma, é a esperada revolução de Bergoglio que tomou forma.
O texto promulgado no dia de São José – 19 de março – foi submetido a quase oito anos de revisões e reescritas, e é considerado um marco do seu pontificado, até porque, quando foi eleito em março de 2013, ele recebeu no conclave o mandato explícito de reformar a burocracia vaticana, afligida por escândalos e, segundo muitos eleitores, bizantina e italiana demais.
No preâmbulo, sintetiza-se em poucas frases o objetivo: “Harmonizar melhor o serviço da Cúria com o caminho de evangelização que a Igreja, sobretudo nesta época, está vivendo”. É claro que não se trata apenas de uma reforma burocrática ou administrativa, mas de um movimento estratégico mais amplo, pensado para acelerar a passagem da Igreja para a missionariedade, para ir às periferias culturais e não só geográficas.
O cardeal indiano Oswald Gracias, um dos membros do conselho que apoiou Bergoglio nos últimos anos, explicou que agora se trata de mudar a mentalidade de quem trabalha dentro da Cúria, porque o processo de inovação da burocracia requer uma “atitude de serviço” de todos. “Desde o início do pontificado, ficou claro aos eleitores que a reforma da Cúria não podia ser uma peça à parte, mas deveria refletir o que havia sido decidido nas reuniões pré-conclave dos cardeais.”
Não mais, portanto, uma realidade que de fato muitas vezes servia de filtro entre o papa e os bispos do mundo, mas um instrumento aberto às Igrejas locais. A perspectiva de antigamente é invertida.
Os dicastérios de nível superior terão que se abrir mais aos leigos e também às mulheres. Foi criado um centro de recursos humanos, um pouco como ocorre nas multinacionais. Os recursos econômicos serão administrados apenas pela Economia. Os ministérios são racionalizados e fundidos (haverá 16 ao todo). As palavras de ordem são sinergia, descentralização, serviço aos pobres, escuta.
Além disso, nasceu um superdicastério para a Caridade, embora a maior novidade seja que a Congregação para a Doutrina da Fé – durante séculos o ministério número um – desce um degrau na escada do poder para elevar a Congregação para a Evangelização dos Povos, o novo coração pulsante da Cúria, que incorpora também o Pontifício Conselho para a Nova Evangelização. As rédeas dessa estrutura estarão nas mãos do papa e não dos dois pró-prefeitos (o cardeal filipino Tagle e o italiano Rino Fisichella).
A Secretaria de Estado é destituída de diversas prerrogativas, mas encarregada de servir de correia de transmissão entre todos. Por fim, o turn over dos padres que trabalham nas administrações: seu mandato será de cinco anos; depois terão que retornar à diocese. Sobre o tema dos abusos, também se decidiu que a comissão de prevenção deverá trabalhar e ser consultada de modo estável na Congregação para a Doutrina da Fé.
No fim de agosto, o Papa Francisco convocou os cardeais a Roma para enfrentar a passagem histórica da nova Cúria. No passado, haviam chegado a ele muitas reclamações, porque, durante as fases preparatórias da Praedicate Evangelium, Bergoglio havia evitado recolher o parecer dos cardeais por meio do consistório. Alguns, porém, estão reclamando porque, naquele período, estará 40 graus na sombra. “Ainda bem que tem ar condicionado na Aula Nova do Sínodo.”