18 Mai 2022
"Em suma, trata-se de estar ao lado da Ucrânia nas negociações, com todo o peso e a autoridade das potências ocidentais, mas também com a autêntica vontade de alcançar a paz. O resultado poderia ser um acordo no mesmo espírito do Ato Final da Conferência de Segurança de Helsinque de 1975. Vamos tentar sonhar", escreve Luigi Ferrajoli, jurista italiano, professor da Universidade de Roma Tre e ex-juiz de 1967 a 1975, em artigo publicado por Il Manifesto, 17-05-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Existe uma contradição clamorosa e terrível no coro da mídia e no comportamento dos governantes dos países da OTAN. Afirma-se - justamente, mesmo que não devesse ser o presidente dos Estados Unidos a falar isso, para não colocar mais lenha na fogueira - que Putin é um açougueiro, um criminoso, um déspota feroz, um novo Hitler. E depois se faz de tudo para encurralar Putin, para não lhe oferecer nenhuma saída, para obter sua humilhação e sua derrota.
No entanto, Putin, desde 24 de fevereiro, declarou que "a Rússia, se necessário, responderá imediatamente e as consequências serão como nunca antes na história". Repetiu várias vezes as ameaças de uma "reação nem mesmo imaginável". Ele colocou em alerta máximo seu sistema de dissuasão nuclear. Simulou um lançamento de míssil de Kaliningrado capaz de atingir e destruir em poucos minutos todas as capitais europeias. Mais ainda, mostrou de forma convincente, com sua absurda guerra criminosa, do que é capaz. Mas todos repetem que esta guerra vai durar muito tempo, meses, talvez anos, num mundo cada vez mais armado, cada vez mais embrutecido e dividido, cada vez mais dominado pelo clima de guerra, pelo ódio identitário e pelo desejo de derrubar o inimigo.
A perspectiva é estarrecedora. Este autocrata lembrou repetidamente que tem muitas armas nucleares - mais de 6.000 ogivas - e, portanto, é bem possível que, quando encurralado, ele as use. Sabemos que 50 bombas atômicas são suficientes para destruir toda a humanidade. Portanto, a Rússia é capaz de destruir a humanidade mais de 100 vezes. Não seria o caso de levar a sério as suas ameaças?
Não seria oportuno, hipoteticamente, procrastinar a entrada da Finlândia e da Suécia na OTAN para tempos menos calamitosos, o que hoje tem o sentido, pelo menos aos olhos da Rússia, certamente não de um movimento de defesa, mas de um ato de hostilidade que estenderia a fronteira entre a Rússia e a OTAN em 1.300 quilômetros?
Certamente a OTAN, por sua vez, pode destruir a humanidade não 100, mas 200 e mais vezes. Certamente é bastante improvável que Putin arrisque o suicídio nuclear. Mas estamos realmente seguros de que ele se resigne a uma derrota humilhante, se realmente é um novo Hitler? Que uma vez encurralado não coloque em prática suas ameaças nucleares, evocadas novamente em 12 de maio pelo chefe de governo Dmitry Medvedev? Além disso, do que estamos falando quando calculamos as baixas probabilidades de uma guerra total? De um jogo de pôquer, de uma roleta, cuja aposta é a destruição da Ucrânia, ou da Europa, ou pior, da humanidade? De uma corrida para ver quem será o melhor em provocar a destruição global e devastar o planeta?
Todos repetem que Putin não quer negociar. Mas seria bom, pelo menos colocá-lo à prova, não o obrigando a usar as armas, mas tentando responsavelmente o caminho de uma solução pacífica para o conflito. É o caminho expressamente indicado pela Carta da ONU, cujo artigo 51 estabelece que todo "membro das Nações Unidas" tem o "direito natural de autodefesa" contra "um ataque armado", "desde que o Conselho de Segurança não tenha tomadas as medidas necessárias para manter a paz e a segurança internacional".
Quais poderiam ser essas "medidas necessárias" para impedir que a escalada atual degenere em uma guerra nuclear? Certamente não a decisão de cessar fogo, que a Rússia vetaria. A verdadeira medida consistiria na própria reunião, em sessão permanente, do Conselho de Segurança, onde estão presentes todas as grandes potências, incluindo a China, para "conseguir por meios pacíficos", como exige o artigo 1º da Carta, "a solução" do conflito.
Em suma, trata-se de estar ao lado da Ucrânia nas negociações, com todo o peso e a autoridade das potências ocidentais, mas também com a autêntica vontade de alcançar a paz. O resultado poderia ser um acordo no mesmo espírito do Ato Final da Conferência de Segurança de Helsinque de 1975. Vamos tentar sonhar. O presidente dos EUA, Joe Biden, abre a sessão dizendo: “A Rússia se tornou responsável por uma agressão criminosa a um estado soberano. Mas talvez nós também, como disse o Papa Francisco, tenhamos exagerado ao ladrar em suas fronteiras. A Rússia, portanto, pare com esse massacre absurdo e todos nós, logo depois, ponhamos um fim ao pesadelo nuclear!
Proponho o seguinte pacto: Putin retira todas as suas tropas de toda a Ucrânia. Em troca, propomos a ele que a Rússia também entre para a OTAN, que se reabra e complete o processo de desarmamento nuclear planetário iniciado por Reagan e Gorbachev em 1987, que as sanções cessem e que, aliás, se coloque em prática, graças também à redução dos gastos militares, um plano de ajudas econômicas destinado a reconstruir a Ucrânia e também ajudar 150 milhões de russos a sair da pobreza”. Seria a verdadeira demonstração da superioridade moral e política do Ocidente.
Biden passaria para a história como o artífice de uma nova ordem de paz. Putin e Zelensky, obviamente, aceitariam. Seria a vitória de todos: da Ucrânia, da OTAN, da Europa, dos Estados Unidos, da Rússia e, sobretudo, do povo ucraniano e do povo russo. Mas tudo isso, é claro, não é "política". Não é realista. É apenas um sonho. A realpolitik no poder, os nossos governantes, os nossos comentaristas preferem o pesadelo.
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Guerra ucraniana, sonho ou pesadelo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU