08 Mai 2022
A guerra na Ucrânia continua, mas, se alguém não percebeu, é preciso reiterar que, com ela, exacerba-se outra crise ainda mais perigosa e global: a alimentar.
A reportagem é de Karima Moual, publicada em La Stampa, 05-05-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
As pessoas morrem debaixo dos bombardeios, mas também continuam morrendo de fome. De acordo com o último relatório anual lançado pela Global Network Against Food Crises – uma aliança internacional das Nações Unidas, União Europeia, agências governamentais e não governamentais que trabalham em crises alimentares – o que está ocorrendo na Ucrânia produz impactos ainda mais devastadores em países já em crise alimentar, além daqueles que já estão à beira da fome.
Dito em números: em 2021, cerca de 193 milhões de pessoas em 53 países ou territórios experimentaram uma insegurança alimentar aguda em níveis de crise ou pior. Isso representa um aumento de quase 40 milhões de pessoas em comparação com o número já recorde de 2020. Destas, mais de meio milhão de pessoas (570.000) na Etiópia, sul do Madagascar, Sudão do Sul e Iêmen foram classificadas na fase mais grave da catástrofe aguda da insegurança alimentar e pediram uma ação urgente para evitar o colapso generalizado dos meios de subsistência, a fome e a morte.
Mas o dado ainda mais preocupante é que, se considerarmos os mesmos 39 países ou territórios presentes em todas as edições do relatório, o número de pessoas em crise ou pior quase dobrou entre 2016 e 2021, com aumentos ininterruptos a cada ano desde 2018.
Esses dados, como explica o relatório, são evidentemente o resultado de múltiplos fatores, que têm a ver com as crises ambientais, climáticas, econômicas e sanitárias, às quais devem ser somados os conflitos; e o último na Ucrânia joga mais gasolina sobre o fogo. Porque o conflito continua sendo o principal motor da insegurança alimentar.
E, embora o relatório seja anterior à invasão russa da Ucrânia, ele destaca que a guerra em curso já trouxe à tona a natureza interconectada e a fragilidade dos sistemas alimentares globais, com graves consequências para a segurança alimentar e nutricional global.
Um sinal de alerta de uma perigosa temporada que nos espera em breve, se não tomarmos iniciativas céleres. Ainda mais que vários países estão ao sul do Mediterrâneo.
No relatório, os países e territórios onde a extensão e a gravidade da crise alimentar superam os recursos e as capacidades locais estão sendo cuidadosamente analisados, precisamente porque os seus destinos estão ligados ao que está ocorrendo na Europa oriental. Uma situação que tem produzido uma verdadeira vulnerabilidade de populações inteiras, precisamente devido à alta dependência das importações de produtos alimentares e agrícolas.
A estes somam-se os outros países do norte da África que, nos próximos meses, embora mais estruturados do que outros e com especificidades, serão, mesmo assim, postos a dura prova. A Tunísia é um deles.
O que fazer? Nesses casos, pede-se uma ação humanitária que possa abranger em grande escala todos os países envolvidos, mas deve ficar claro que não será suficiente se não for dada prioridade e alguma urgência a todos os instrumentos à disposição para alcançar a paz.
Porque, enquanto o conflito na Ucrânia continuar, os destinos de quem está distante, mas nem por isso não ligado às implicações da guerra, estarão ainda mais em risco. A Europa já pôs em campo iniciativas econômicas para enfrentar a crise que nos espera, porque dispõe dos meios para fazer isso. Os países africanos, e não só, que já vivem em condições desastrosas, não dispõem desses meios para enfrentar um inverno bélico.
O risco, portanto, é que, se continuarmos a olhar o conflito com um olhar eurocêntrico com soluções correlatas; como um pequeno pavio longe de nós, esse pequeno pavio possa se expandir tão rápida e violentamente a ponto de terminar em uma explosão ainda mais violenta, à qual deveremos responder, depois, sem instrumentos e quando já for tarde demais.
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A crise mais perigosa: a alimentar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU